GRANDE VOLUME DE CHUVA
CATÁSTROFE NO RS: "A chuva não dava trégua e tudo foi cedendo"; moradores de Gramado falam sobre deslizamentos
Residentes das áreas evacuadas do bairro Piratini falam sobre as incertezas e os momentos de tristeza por verem suas casas desabarem; veja fotos da situação do local
Última atualização: 17/05/2024 10:53
A cada gota de chuva que cai sobre a terra, aumenta a tensão dos moradores do bairro Piratini.
Com as encostas encharcadas, aumentam os desmoronamentos. As estruturas das residências não aguentam a pressão e colapsam. Foi o que aconteceu. O que começou com uma fissura, na Rua Henrique Bertoluci, no dia 2 de maio – quando iniciou a evacuação -, já se tornou uma cratera, atingindo também o entorno, nas ruas Guilherme Dal Ri, Afonso Oberherr, Getúlio Vargas e Santo André.
Conforme mapeamento dos próprios moradores cerca de 80 terrenos foram evacuados com risco iminente de deslizamento, sendo que na maioria tinham duas ou até três construções. Deixando para trás a conquista de uma vida, o sentimento de tristeza paira no local. Há escombros de, ao menos, cinco casas inteiras.
Para piorar a situação, furtos aconteceram. Um indivíduo, de 34 anos, foi preso, após ter arrombado uma residência e separado pertences para consumar o crime. O homem, inclusive, quebrou uma das camas infantis da casa e colocou fogo na lareira. Quando a polícia chegou, ele estava deitado no sofá.
Moradores pretendem criar uma associação dos atingidos
Como uma forma de se organizarem para buscar respostas, os moradores se reuniram, na noite da terça-feira, dia 14. O intuito é criar uma associação dos atingidos, para que possam acompanhar o andamento de todos os trâmites que envolvam o futuro da área.
“A proposta não é buscar culpados, pois a gente sabe que isso é uma fatalidade, mas que a gente consiga pleitear junto com os órgãos governamentais e também acompanhar os projetos e verbas que virão ao encontro da nossa necessidade diante dessa calamidade que aconteceu conosco”, aponta Lenira Fetzner.
Ela relata que a falta de respostas é um complicador. “É uma luz no fim do túnel, que a gente não tem. Não sabemos de nada”, pondera. “A casa da minha irmã caiu, ela tinha aluguéis. E hoje ela vai ter que pagar aluguel. Ela perdeu tudo. Não são só coisas materiais, é uma história. Ela tem 73 anos. Isso é triste, ela não tem forças para recomeçar”, complementa.
“Eu vou viver do que?”
Quem morava na Guilherme Dal Ri há quase 60 é a dona Eronita de Souza Martins, de 75 anos. Das três casas construídas em seu lote, uma desabou e as outras estão com a estrutura condenada. “Eu não tenho condições. Tinha uma casinha de aluguel e os inquilinos tiveram que sair. Eu vou viver do quê? Eu gasto quase R$ 800 de farmácia”, revela.
Agora, ela está na casa da filha, Rosane Martins, de 52 anos, que abriga também o filho Jonatas de Oliveira, de 35, e o ex-marido Navir de Oliveira, de 62 anos. Há poucos dias, a família teve uma outra difícil notícia: 12 anos depois, o tumor cerebral de Navir voltou e ele precisará de uma nova cirurgia. Sem perspectivas, aguardam um retorno da Prefeitura. “Ainda não sabemos o que vai acontecer”, lamenta Rosane. “Não é nem uma casa, mas uma pecinha que eu preciso para poder continuar a minha vida”, pede a Eronita.
“Sou daqui, quero continuar aqui”
Ironi Lovatto, de 62 anos, vai todos os dias para olhar, nem que seja de longe, a situação da sua casa. A moradia não foi comprometida, mas ele e a esposa foram tirados de casa por precaução. Desde o dia 4 de maio, está no porão da casa de amigo. Pegou as poucas coisas que conseguiu levar, quando aconteceu a determinação de evacuação. “Peguei umas roupas, o básico só”, frisa.
“Está terrível, mas daqui a pouco quem sabe a gente pode voltar de novo. Não teve deslizamento naquela parte da minha casa. É preciso tempo, sabe lá o que vai acontecer ali”, reforça o recepcionista, que vive outro drama por ter a pousada em que trabalha sem hóspedes.
Mas a esperança é de que as coisas melhores logo. Assim que der, Ironi quer voltar para seu lar. “Não quero me mudar. Sou daqui, quero continuar aqui”, garante.
“Aprendi a andar de bicicleta nesta rua”
São muitos os moradores que vivem há décadas na Rua Guilherme Dal Ri. Um exemplo é a Judila, mãe do Ezequiel da Silva, de 47 anos. A casa rosa da família está cercada por entulhos, e prestes a desabar. Mais uma vez, tristeza é a palavra possível de dizer. “Essa é a minha rua, aprendi a andar de bicicleta aqui. Conheço todo mundo. Olhando esse cenário, é triste. Parece zona de guerra”, avalia.
Alto valor dos aluguéis é complicador
Tassiane Moura, de 23 anos, teve a rotina alterada, depois que precisou sair de casa. A casa não teve danos na estrutura, mas está em área de risco. No terreno, os pais também possuem uma residência, além de espaço para aluguel e uma hamburgueria por delivery.
Sem ter aonde ficar, procurou um aluguel na cidade. “Está muito difícil e o aluguel está caro, aumentando cada vez mais. Teve um proprietário que me cobrou R$ 10 mil de caução”, atesta. A mesma procura por uma nova casa acontece por quem morava de aluguel na rua.
O cartunista Volnei Rodrigues desocupou um dos imóveis da família da Tassiane. Depois de quatro anos no local, irá para o bairro Carniel. “Perto de morro, não moro nunca mais. Nem na Grécia eu quero. Perder tudo, perder a vida”, cita. Ele conta que encontrou dificuldade em conseguir esse novo lar e que buscou auxílio da Prefeitura para guardar os móveis durante a procura, mas que não teve ajuda.
“Gosto muito daqui, vim várias vezes como turista”
Parte da Rua Henrique Bertoluci não foi interditada, e os moradores temem por estarem no local. Para quem ficou, problemas de falta de água e luz são constantes. O bombeiro aposentado Aluízio Wellington, de 55 anos, perdeu as contas de quantos dias estava sem os serviços. Os alimentos que tinha na geladeira teve que doar para evitar que estragassem.
Aluízio é um dos aposentados que busca a região para viver a velhice de forma mais tranquila. De Recife, aguarda a chegada da esposa, no próximo mês. Depois, decidirão os rumos que trilharão.
“O medo é que isso evolua e que atinja as outras áreas. Tudo pode acontecer. Temos que encontrar um outro lugar, mas até cogitamos ir para Santa Catarina”, adianta. “Gosto muito daqui, vim várias vezes como turista”, complementa.
Há apenas três meses na cidade, utilizou seu conhecimento na área para auxiliar nos episódios climáticos. Foi voluntário da Defesa Civil em Gramado e também em Canoas.
“Sentimento é de tristeza, mas não tem o que fazer”
Junto à rachadura que se abriu no asfalto está a casa do Renan de Oliveira, de 54 anos. São 42 anos morando na Henrique Bertoluci. “A chuva não dava trégua e tudo foi cedendo. A casa afundou inteira, junto com o asfalto. Não desabou, mas vai”, lamenta.
Fora de casa, está morando de favor com um amigo. Na casa atrás da dele, ficavam os filhos, o neto e a ex-esposa. Agora, estão pagando aluguel. O valor de R$ 2,2 mil prejudica o orçamento.
“Sentimento é de tristeza, mas não tem o que fazer. Nunca imaginei que iria passar por isso, mas tem gente muito pior”, acentua.