Investigação
Hamburguense assassinado no Rio de Janeiro seria líder de pirâmide financeira
Polícia carioca apura possível queima de arquivo ou vingança de investidores lesados ligados a milícias
Última atualização: 07/06/2024 16:04
A tradição do Vale do Sinos em esquemas de pirâmides financeiras, que resultou em fraudes bilionárias e até mortes nos últimos três anos pelo País, respinga agora em um dos principais destinos turísticos do Rio de Janeiro. Há um ano morando em Cabo Frio, na badalada Região dos Lagos, o hamburguense Wesley Pessano Santarém, 19 anos, foi assassinado a tiros no último dia 4 no Porsche que dirigia. Ele era da cúpula de uma empresa de investimentos em moedas virtuais que fechou após o crime. A Polícia apura possível queima de arquivo ou vingança de cliente lesado.
A corretora, que não tinha registro da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para operar no setor, vendia a conhecida fórmula da rentabilidade muito acima da lógica do mercado para atrair clientes. Prometia 15% ao mês por meio de aplicações em Bitcoins. Outra tática típica dos chamados “piramideiros” é ostentar riqueza nas redes sociais. Wesley costumava aparecer em carros de luxo, viagens e com maços de dinheiro.
A execução
Wesley morreu na hora. Um amigo dele, que estava na carona, levou dois tiros e foi hospitalizado. Ganhou alta e prestou depoimento, mas, segundo a Polícia, não trouxe informações relevantes à investigação. O Porsche estava em nome da Ares Consultorias e Investimentos.
Áudio menciona milicianos
Um áudio de mulher ainda desconhecida previu a morte de Wesley poucos dias antes. Ela dá a entender que o hamburguense teria lesado o topo do crime organizado carioca. “Tentou dar uma volta em filhos de milicianos. Tá todo mundo p... com ele. Não dou um ano pra matarem ele”, diz a mulher, que não tem sotaque carioca, referindo-se a Wesley.
Três foram presos pela execução. Um deles teria confessado que recebeu R$ 40 mil para matar o gaúcho, mas não revelou o mandante nem o motivo. A Polícia apura a relação com outros dois recentes atentados na Região dos Lagos, também contra investidores ou traders. Em março, um foi baleado dentro de um carro de luxo e ficou paraplégico. Em junho, outro sofreu atentado a tiros e não se feriu porque o veículo era blindado.
Com milhares de seguidores, jovem recebe homenagens
Wesley também era influenciador digital. Tinha canal no YouTube e 124 mil seguidores no Instagram, onde se propunha a ensinar operações no mercado de ações. Dizia que as dicas podiam fazer qualquer pessoa conquistar a liberdade financeira. A popularidade rendeu dezenas de homenagens nas redes sociais.
“O cara que eu conheci foi fosse. Que inspirava, trazia alegria, era humilde e tinha o interesse de ajudar o maior número de pessoas, independemente de onde você veio”, declarou um curitibano, em vídeo nas redes sociais, com elevado grau de louvor. “As lives dele, a forma de trabalhar, hoje a gente chama de estratégia Pessano. O mercado financeiro perdeu um trader gigante.”
"Eu vim lá de baixo"
O hamburguense se intitulava e ficou conhecido como “rei do pullback”, referência a estratégia de ganhar dinheiro com movimento contrário a tendência de mercado. A análise permitiria ver o momento certo de comprar e vender ações.
Em uma das lives, o hamburguense falou da origem humilde. “Eu vim lá de baixo, entendeu? Nunca passei fome, mas não tive família rica. Sempre fui correria.” E veio com palavras de motivação que, segundo ele, o fizeram criar foco nos negócios. “Me fechei pro mundo. Esqueci amigo, esqueci namorada, esqueci tudo, me fechei. Era eu e meu quarto. Só saia do quarto para comer e fazer academia. Só. Foquei na parada. Ficava estudando. Foi a partir daí que comecei a desenvolver meu operacional.”
Família abalada no bairro Primavera
Wesley chegou a Novo Hamburgo com os pais quando tinha quatro meses de vida. A família, de Uruguaiana, se estabeleceu no bairro Primavera. “Ele sempre morou aqui. Toda infância até o ensino médio. Fazia um ano que tinha ido para lá (Rio de Janeiro)”, conta a mãe, Carla, em tom de abalo emocional. “É difícil falar. É um momento bem trágico.” Ainda em Novo Hamburgo, o jovem já dava cursos de investimentos pelas redes sociais. Sobre o suposto envolvimento do filho com pirâmide financeira, ela resume. “Estão falando muita coisa que não é verdade.”
Estratégias parecidas, assassinatos e ameaças
Não há notícia de que Wesley tenha frequentado ou sido influenciado pela Unick Sociedade de Investimentos, de Novo Hamburgo, fechada em outubro de 2019 pela Polícia Federal quando já tinha se tornado uma das maiores pirâmides financeiras do País, com arrecadação de R$ 28 bilhões e milhares de clientes lesados.
A estratégia da Unick, que teve líder assassinado no Paraná e diretores ameaçados de morte no Vale do Sinos, era parecida com a empresa de Wesley, com muita ostentação nas redes sociais e promessa de dinheiro fácil. Membros da Unick tinham feito parte da D9, pirâmide nacional com sede gaúcha em Sapiranga, também envolta em caso de morte brutal.
O líder local da D9, o sapiranguense Márcio Rodrigo dos Santos, 37, foi carbonizado em um Audi em Camboriú em setembro de 2017. Ele tinha se mudado para uma mansão na badalada cidade do litoral catarinense, após conseguir liberdade provisória no processo por fraude financeira. Entre conhecidos, ele se denominava “piramideiro”.
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