Nos dias atuais, a Internet se tornou o principal espaço de compras para milhões de consumidores ao redor do mundo. A promessa de conveniência e a variedade de produtos atraem os compradores para um farto mercado virtual, cômodo e, aparentemente, seguro. No entanto, por trás das atraentes vitrines digitais, às vezes com preços mais baratos do que os encontrados em lojas físicas, esconde-se uma ameaça silenciosa e crescente: muitos consumidores pagam, fornecem seus dados pessoais e, em troca, recebem apenas frustração.
Dia após dia, inúmeras pessoas são enganadas por sites que, à primeira vista, parecem legítimos, mas são armadilhas projetadas para arrecadar dinheiro sem entregar nenhum bem. Esses golpes deixam as vítimas frustradas e desamparadas, com poucas opções de recuperar o que perderam.
Loja fake
Um exemplo de quem passou por isso é Vera Wagner, de 57 anos, moradora de Nova Hartz. Enquanto via stories no Facebook, um link patrocinado que se passava por uma grande varejista apareceu em sua tela, oferecendo mercadorias a preços de estoque devido às enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul.
“Eles estavam sorteando alguns produtos, como televisores, fritadeiras, batedeiras e outros eletrodomésticos. A oferta permitia que escolhesse um desses produtos e que pagasse apenas uma taxa de frete”, conta Vera. A fraude é conhecida como “golpe de phising”, que consiste em “fisgar” os consumidores ao se passarem por marcas famosas ou preços com grandes descontos.
Atraída pela oferta, Vera acessou o link e fez o pagamento via Pix, no valor de cerca de 70 reais, fornecendo todos os seus dados, incluindo o endereço para entrega. Contudo, após o pagamento, nenhuma confirmação, e-mail ou mensagem foi enviada. “Eu verifiquei o comprovante de pagamento e percebi que o endereço a quem paguei não tinha nada a ver com a loja”, explica.
Ao perceber que havia sido enganada, denunciou o caso ao Facebook, mas recebeu uma resposta dizendo que a denúncia não era válida. “Na verdade, eu acabei sendo enganada e não recebi o que me foi prometido, só dei dinheiro para ladrão”, lamenta Vera.
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Desconfie das “superofertas”
Coordenador da Pós-Graduação em Cibersegurança da Universidade Feevale, professor Vandersilvio da Silva dá dicas de procedimentos básicos a serem seguidos por consumidores para que não caiam em golpes. O primeiro deles é partir do princípio de que não há garantias de que um site pouco conhecido vá cumprir o que promete.
“Desconfie de ‘superofertas’, com valores muito abaixo da média de mercado. Pesquise em outros sites para comparar os preços e compre apenas de plataformas consagradas (como Mercado Livre e Amazon). Estas plataformas, mesmo que vendam produtos de terceiros, oferecem garantias, de troca, de devolução, de desistência da compra, etc…”, indica.
Um produto no anúncio, mas outro na entrega
Morador de Novo Hamburgo, Paulo Dieter também foi enganado ao comprar, pela Internet, na loja de artigos para pesca “Tralha Arrumada”, que estaria localizada em Maringá, no Paraná. Sua compra, no valor de R$ 149,90, seria de uma jaqueta para enfrentar um frio intenso. Mas, ao chegar, revelou-se um modelo muito diferente da imagem exibida no site.
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“Pedi uma jaqueta azul camuflada, adequada para frio, esqui e camping. O que recebi foi um corta-vento muito fino, embalado em um saquinho do tamanho de um coador de café. Não estou apenas reclamando da perda, mas da falta de ações efetivas contra essas fraudes. Os compradores ficam completamente à mercê dessas práticas enganosas. Se eu tivesse pago parceladamente, não conseguiria interromper os pagamentos, e o cartão, apesar de ter uma parceria com a loja, não assume nenhuma responsabilidade”, reclama.
Paulo tentou resolver o problema fazendo três reclamações para a loja, todas sem resposta. Além disso, a ordem de devolução não foi recebida pelos Correios, e não houve informação sobre o reembolso. O site da loja já está fora do ar.
Mais de 1,5 mil reclamações
No site Reclame Aqui, plataforma de avaliação e resolução de conflitos entre consumidores e empresas, há mais de 1,5 mil reclamações contra a Tralha Arrumada. Todas dizem que o produto recebido foi diferente do anunciado, ou que nem mesmo receberam. No Instagram, a página não existe mais. Já a página no Facebook não recebe atualizações desde maio de 2023 e os comentários são semelhantes aos do Reclame Aqui. O número de telefone para contato também não funciona.
Sem sucesso em falar com os vendedores, Paulo contatou a administradora do cartão de crédito, mas foi informado de que a análise do caso poderia levar até 45 dias, sem que o cartão ou a loja assumissem qualquer responsabilidade. Para escancarar a vantagem dos golpistas, segundo o comprador, os mesmos produtos estão sendo ofertados em outras lojas, possivelmente relacionadas à loja original.
Procon recomenda
Conforme explica o fiscal do Procon de Novo Hamburgo, Lucas Coletto, o consumidor vítima de golpe deve imediatamente buscar a polícia e fazer um boletim de ocorrência. No caso de pagamento por cartão de crédito, a vítima deve entrar em contato com o banco (não a bandeira) administrador do cartão e abrir um protocolo de “desacordo comercial”, sempre verificando o prazo para abrir a contestação em cada banco.
“Se o pagamento foi por boleto ou Pix, dificilmente conseguirá recuperar o valor, visto que no momento que o pagamento cai, os golpistas já retiram. Sites fraudulentos normalmente possuem ofertas com preço muito abaixo do mercado ou ofertam prêmios referentes a promoções que o consumidor nem se inscreveu. Também desconfie de sites que não informam CNPJ e só aceitem ou prometam um desconto muito grande quando o meio de pagamento for boleto ou Pix”, alerta. “Se a pessoa já sofreu o golpe, o Procon consegue atender somente se a compra foi realizada através do cartão de crédito, pois podemos abrir a contestação com o banco. De outra forma não há o que fazer”, acrescenta.
Registro para futura indenização
Vice-presidente da OAB/NH, Juliana Martins destaca que, além do boletim de ocorrência diretamente na delegaciaonline.rs.gov.br, em casos de fraude, o consumidor deve efetuar uma reclamação junto ao Procon ou no site consumidor.gov.br.
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“Feito isso, a vítima deverá procurar um advogado especializado na área de direito do consumidor ou a Defensoria Pública de sua cidade, para que seja realizado o estudo de seu caso e qual a possibilidade de buscar uma indenização.”
Delegacia especializada investiga casos mais complexos
Segundo o delegado Filipe Bringhenti, da Delegacia de Repressão aos Crimes de Lavagem de Dinheiro (DRCID) do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), a Polícia Civil recebe, em parte, denúncias relacionadas a esses golpes. “Quando envolvem maior complexidade, número de vítimas ou repressão a uma organização criminosa, são investigados pela DRCID/Deic, que é a delegacia especializada no assunto”, afirma.
As ocorrências mais comuns, conforme ele, geralmente se apresentam na forma de anúncios de produtos com descontos irresistíveis, frequentemente disseminados através de links enganosos. Essa estratégia atrai o interesse dos consumidores, que, na ânsia de aproveitar as ofertas, se tornam vítimas.
Mas qual é o desfecho dessas investigações? O delegado é otimista. “Na maioria dos casos, conseguimos identificar os autores dos crimes, e os inquéritos são encaminhados ao Poder Judiciário com provas suficientes para a responsabilização”, informa. Entretanto, ele não tem dados de quantos casos como estes são registrados ou a taxa de punição dos golpistas.
Campanhas educativas
Para prevenir novos crimes, a Polícia Civil não apenas investiga, mas também realiza campanhas educativas. “Nossa missão é apurar os fatos e reunir provas, mas também alertar a população sobre como se proteger”, comenta Bringhenti. Caso alguém caia em um golpe, a orientação é clara: “Sempre procurar uma delegacia de polícia para registrar a ocorrência” aconselha. Essa ação não apenas ajuda a documentar o crime, mas também contribui para a formação de um banco de dados.