A chegada do pedágio free flow no quilômetro 4 da RS-122, em São Sebastião do Caí, gerou uma nova e cara divisão na cidade. Posicionado entre os bairros Areião e São Martim, a cobrança nos dois sentidos para quem utiliza a rodovia representa, no mínimo, um desembolso de R$ 24,60 diário, dificultando e até inviabilizando o que antes era rotina cotidiana da população.
Moradores do São Martim se sentem isolados e prejudicados diretamente desde a instalação. É o caso da família dos irmãos Israel Rosa Costa, 17 anos, estudante do segundo ano do ensino médio, e Kátia Costa, 28. Ambos ajudam o pai no pequeno mercado que funciona dentro do bairro, mas desde a chegada do pedágio, no dia 30 de março, o negócio começou a enfrentar problemas.
“Quem nos entrega cuca já não veio essa semana, ele já estava reclamando há duas semanas que o desvio é muito ruim e não tinha como fazer. Essa semana, ele já não veio, e nem sei se ele vai continuar vindo”, conta Kátia, ao relatar os problemas com fornecedores. Mas a dificuldade com fornecedores não é o único problema enfrentado pelo comércio, que também já sente a queda na clientela.
“Como ficamos abertos até as 22 horas, o pessoal do Areião vinha comprar com a gente, mas isso já diminuiu”, conta Kátia. De acordo com ela, a clientela noturna era formada basicamente por pessoas que buscavam compras rápidas e de pequeno valor. Com o pedágio, esses clientes acabaram por abandonar a prática.
Para escapar da cobrança, quem trafega no sentido São Sebastião do Caí-Portão consegue utilizar o São Martim como desvio. Porém, as ruas estreitas e mesmo problemas no asfalto tornam essa medida pouco atrativa, embora necessária, para muitos motoristas.
Queda de 80%
Levi Vargas, 61, vive da venda de cadeiras de vime e vasos de cerâmica vendidos na loja às margens da RS-122, exatamente ao lado de onde foi instalado o pórtico de cobrança free flow. “As contas estão todas atrasadas, tem material atrasado para pagar, porque a gente depende de vender aqui, e as vendas caíram 80% com o pedágio”, conta a empresária, que tem como única fonte de renda da família o lucro da loja.
De acordo com Levi, o principal motivo que afasta os compradores é o preço do pedágio. “Eu vendo uma cadeira a R$ 500, para vir pegar buscar, ele [cliente] vai gastar já R$ 525, fora o custo de gasolina e outros. O cliente está parando de vir porque está tendo de pagar o pedágio.”
Há poucos metros de distância da loja de Levi, a família da vendedora Zoni Bleil, 48, também sente no bolso o impacto do pedágio. Com o marido trabalhando na cidade vizinha de Portão, e a filha estudando e trabalhando em Novo Hamburgo, os custos obrigaram a família a modificar alguns hábitos.
“Para ir ‘pro’ Caí [Centro da cidade], agora eu desvio, porque eu ia ali [na rodovia] e fazia o retorno, porque não tinha o porquê eu passar por dentro do bairro. Agora eu pego isso, eu vou por dentro do bairro”, explica ela, ao falar do desvio maior que precisa fazer.
Outro problema é para o esposo, caminhoneiro terceirizado em uma empresa sediada em Portão. Diariamente, o gasto dele é de R$ 100, já que o veículo paga uma tarifa maior em razão dos eixos. A situação já impacta na renda do caminhoneiro, que precisa estar todos os dias com o veículo na cidade vizinha.
Além do dinheiro
Dificuldades financeiras não são o único problema enfrentado pelos moradores do bairro, que com a chegada do pedágio se veem isolados do dia a dia da cidade e sofrem prejuízos inclusive na escola. É o caso do Israel, que além de morar no bairro São Martim, cursa o ensino médio no Instituto Estadual Paulo Freire, no bairro Quilombo.
Desde janeiro, ele ficou sem aulas de educação física, pois o custo do free flow tornou o deslocamento do professor inviável. “Ele saiu por causa do pedágio, era um dos professores mais ‘tri’ que a gente tinha, mas já tinha avisado final do ano passado que ia deixar a escola por causa do custo”, relata Israel.
Falta de docentes por desistência devido aos preços é algo que os moradores já começam a se acostumar. “A minha neta só foi chamada agora na creche porque eles estavam com dificuldade com o professor. Tinham muitos professores que não eram daqui, vinham de Portão principalmente, e desistiram de dar aula em razão do pedágio”, conta Zoni.
Soma-se às dificuldades de serviço a negativa de atendimento de profissionais de outras áreas. Uma viagem por aplicativo ou mesmo uma tele-entrega de um lanche se passaram de ações corriqueiras para luxos caros aos moradores. “Ficou tudo mais caro por causa do pedágio. Eu não posso andar de ônibus, tenho que pegar Uber e eles muitas vezes não vêm”, conta Levi.
Kátia, que está grávida, também enfrenta dificuldades para realizar os exames e consultas necessárias para acompanhar a gestação. “Tem que ir três a quatro vezes na semana fazer exame. Tudo isso acaba sendo injusto, fica muito caro”, conta.
LEIA TAMBÉM
Zoni relata que, para pacientes oncológicos, a situação é ainda mais delicada. Segundo ela, os vizinhos que precisam desse tratamento ou arcam com os valores para irem até São Leopoldo, onde são feitas sessões de radioterapia, ou precisam utilizar o transporte cedido pelo governo municipal. “Acontece que a pessoa vai de manhã cedo e termina a sessão, mas precisa ficar horas aguardando os outros serem atendidos”, relata.
Isenção insuficiente
Um acordo entre governo municipal e a concessionária Caminhos da Serra Gaúcha (CSG) garantiu uma isenção para um veículo por família. Para isso, a prefeitura repassa mensalmente R$ 10 mil à empresa, mas apenas um veículo por família fica isento. “O pai entregava gás em toda a cidade, mas no momento de pedir isenção, o carro de entrega estava no conserto, por isso ele precisou cadastrar outro. Antes entregava até Portão, e agora ficou mais difícil”, conta Kátia, ao falar sobre o negócio da família.
Recentemente, o governo municipal ingressou com uma ação na Justiça onde pede, entre outras coisas, uma ampliação das isenções para os moradores de São Sebastião do Caí.