VALE DO CAÍ

"Foi desesperador", relata moradora que passou 17 horas no telhado de casa com a família durante enchente em São Sebastião do Caí

Cidade registra a maior enchente da história e 80% da cidade está debaixo d'água

Publicado em: 19/11/2023 18:58
Última atualização: 19/11/2023 20:03

Os momentos de aflição vividos por moradores surpreendidos com a maior cheia da história de São Sebastião do Caí eram traduzidos em lágrimas assim que chegavam a um ponto seco da cidade.

Resgatada no começo da tarde deste domingo (19), após passar 17 horas no telhado da residência onde mora, no bairro Navegantes, a moradora Jéssica Martins da Silva, 31 anos, desceu de um barco conduzido por voluntários com a filha de apenas 1 ano nos braços. A outra filha, de 8 anos, havia sido resgatada momentos antes e a aguardava.

Jéssica Martins da Silva aliviada ao pisar em chão seco após 17 horas sobre o telhado da casa com as filhas, o marido e os sogros Foto: Isaías Rheinheimer/GES-Especial

Ao pisar no chão seco e receber auxílio de outros voluntários, desabou no choro. Os momentos de tensão que viveu, ao lado das filhas, do marido e dos sogros, não irão sair tão cedo da sua memória. “Foi desesperador, passamos a madrugada em cima do telhado aguardando resgate. Só de estar em um local seco, podendo dar pão e água para minhas filhas, é um alívio”, disse.

Jéssica conta que ninguém da família imaginou que o rio fosse atingir o nível de 16 metros e, por isso, não saiu do imóvel antes. Por volta das 20 horas de sábado (18), quando a água batia na altura da cintura, o marido de Jéssica decidiu pedir socorro, que só chegou no começo da tarde do dia seguinte. A forte correnteza do rio e outros fatores de risco, como fios de energia na altura no nível da água, impediram a chegada de resgate antes. O prefeito Júlio Campani também admitiu que a falta de botes com motores potentes dificultou os trabalhos durante a noite de sábado e madrugada de domingo.Com a rapidez com que a água subiu, Jéssica e a família ficaram somente com a roupa do corpo. “Não deu tempo de salvar nada a não ser uma muda de roupa da minha pequena, que estava na bolsa dela”, conta. Durante todo o período isolados no telhado, Jéssica, as crianças e os demais integrantes da família ficaram sem ter o que comer e sem água.

Camila Eduarda Leite, 17 anos, recebe o abraço de familiares após passar a noite de sábado e a manhã de domingo ilhada com a família no bairro Navegantes Foto: Isaías Rheinheimer/GES-Especial

Drama semelhante viveu a adolescente Camila Eduarda Leite, 17 anos, e sua família, também do bairro Navegantes. Ela e a mãe foram resgatadas por volta do meio-dia deste domingo, após passarem a noite de sábado e toda a manhã de domingo dentro d’água. Em meio às lágrimas, ela conta que a família não imaginou que a enchente fosse tão grande. “Chegamos a levantar algumas coisas, mas não adiantou. A água bateu na altura do telhado da casa e perdemos tudo, roupas, móveis”, explica.

Camila conta que, assim como outros moradores, ela e a família aguardavam desde sábado ajuda para deixar o imóvel. O pai e o namorado da adolescente permaneceram na casa. “Eles estão em cima de um caíco e ficaram para cuidar das coisas, mas estão sem comida, sem água, sem nada”, revela.

São mais de 420 pessoas fora de casa no Caí

A última atualização da prefeitura, registrada às 16h30 deste domingo (19), indica que 147 famílias, totalizando o número de 426 pessoas, estão desabrigadas em São Sebastião do Caí. Os moradores que não conseguiram ir para a casa de parentes, estão recebendo todo o suporte do poder público em quatro abrigos montados pela prefeitura.

A dona de casa Márcia Jaqueline dos Santos Souza está com a neta e demais familiares em um abrigo da prefeitura; ela perdeu tudo, pela oitava vez somente este ano, devido as enchentes do Rio Caí Foto: Isaías Rheinheimer/GES-Especial

A maior concentração de desabrigados está no ginásio municipal junto ao Parque Centenário. Conforme a Defesa Civil, são cerca de cem famílias abrigadas nesse local. “Estamos falando de 205 adultos e 110 crianças abrigadas somente nesse espaço. Aqui eles têm assistência 24h e até uma equipe de Saúde à disposição”, explica o prefeito Júlio Campani. Também há dez famílias no Canto Verde, 18 famílias em uma igreja do bairro Rio Branco e 19 famílias na Associação Quilombo.

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A dona de casa Márcia Jaqueline dos Santos Souza, 53 anos, é uma das moradoras que abandonou a casa e está no ginásio municipal. “Em 20 anos, nunca aconteceu algo assim. Somente neste ano, são oito enchentes e perdi tudo todas as vezes. É triste, minha casa ficou encoberta de água e nem sei se estará lá quando eu voltar”, revela. Segundo ela, o que resta é acreditar em dias melhores e, mais uma vez, conquistar bens materiais.

Mais de 1 mil resgates com embarcações

Os resgates aconteceram até por volta das 16 horas deste domingo (19). “Já estamos numa fase de chamados esporádicos, mas só pelos Bombeiros Voluntários foram realizados em torno de 400 atendimentos, número parecido de ocorrências atendidas pelos Bombeiros Militares”, pontua Anderson Jociel da Rosa, comandante do Corpo de Bombeiros Voluntários de São Sebastião do Caí. Segundo ele, é possível afirmar que mais de 1 milpessoas foram resgatadas com o uso de embarcações.

Bombeiros estima que mais de 1.000 pessoas foram resgatadas com embarcações entre a noite de sábado e a manhã de domingo (19) Foto: Isaías Rheinheimer/GES-Especial

Além do Corpo de Bombeiros Voluntários e da Defesa Civil, que atuam desde sexta-feira (17) na remoção de famílias das casas, São Sebastião do Caí recebeu, ainda na noite de sábado, apoio de bombeiros voluntários dos municípios de Bom Princípio, Garibaldi, Candelária e Tapes. O Corpo de Bombeiros Militar (CBMRS) também enviou apoio, inclusive de um helicóptero, que chegou a resgatar famílias ilhadas. Por volta do meio-dia deste domingo, um helicóptero da Polícia Civil também sobrevoou a área em busca de eventuais pedidos de socorro.

Com 80% de São Sebastião do Caí debaixo d’água, prefeito afirma: “Não sei nem por onde começar”

A cheia do Rio Caí é a maior da história que se tem registrada em São Sebastião do Caí. Conforme o prefeito Júlio Campani, 80% da cidade está submersa com pontos em que a água atinge quatro metros acima do nível do rio. Em alguns locais, especialmente nos bairros Navegantes e Centro, próximo ao rio, casas inteiras ficaram debaixo d'água. Em outros pontos, apenas o telhado ficou de fora. Placas de sinalização foram encobertas e o nível da água chegou a atingir a fiação da rede elétrica.

Imóveis, veículos e placas ficaram submersos na área central de São Sebastião do CaíIsaías Rheinheimer/GES-Especial
São Sebastião do Caí teve 80% do território inundadoIsaías Rheinheimer/GES-Especial
Moradores que residem em casas de dois pavimentos resistem deixar os imóveis em São Sebastião do CaíIsaías Rheinheimer/GES-Especial
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Imóveis, veículos e placas ficaram submersos na área central de São Sebastião do CaíIsaías Rheinheimer/GES-Especial
Imóveis, veículos e placas ficaram submersos na área central de São Sebastião do CaíIsaías Rheinheimer/GES-Especial
Moradores que residem em casas de dois pavimentos resistem deixar os imóveis em São Sebastião do CaíIsaías Rheinheimer/GES-Especial
A água chegou perto de alcançar uma das principais vias de acesso ao município, a Avenida Dr. Bruno Cassel. “Foi uma verdadeira enxurrada, o que ocasionou a elevação do rio em proporções jamais vistas na história do município. O Rio Caí atingiu o nível de 16 metros e inundou praticamente toda a cidade. Não sei nem por onde começar diante de tantas dificuldades”, relata Campani.

Ainda na sexta-feira, o prefeito decretou situação de calamidade pública e, a partir desta segunda-feira (20), deve iniciar os movimentos para solicitar apoio e recursos para o Estado e à União, por meio da Defesa Civil. Também na segunda-feira, o prefeito irá reunir todos membros do governo para iniciar a elaboração de um plano para enfrentar a crise.

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