A advogada do Vale do Caí Joseandra Pithan Stiehl, 60 anos, faz parte das vítimas da talidomida, um medicamento que veio da Alemanha para o Brasil na década de 1950 e era indicado para tratar enjoos nas mulheres grávidas, o que mais tarde foi comprovado que causava má-formação no feto. Milhares de bebês foram vítimas pelo mundo.
Joseandra nasceu sem os dois braços, mas isso nunca foi visto como problema para ela. “Tenho limitações, como qualquer um, mas faço muito mais do que muitos que possuem os dois braços”, reforça.
A notícia do nascimento de um bebê sem braços, em São Sebastião do Caí, se espalhou rapidamente pela cidade.
“Minha mãe contou que os enfermeiros levaram um susto que quase me deixaram cair no chão. Entre os moradores da cidade, o boato era que tinha nascido um ‘monstrinho’. Uma mulher chegou a invadir o hospital e tentou tirar minha roupa para ver como eu era”, conta Joseandra.
Mesmo sofrendo com olhares curiosos, ela nunca se sentiu uma vítima da vida. Na escola foi amparada pela inocência das outras crianças e desde pequena sabia que queria se tornar uma advogada. “Para poder falar bastante”, relembra ela. E assim o fez.
A adolescência foi vivida naturalmente e passeio na casa de amigas, bailes, aqueces para festas e namoricos fizeram parte dessa fase. “Sempre fui criada igual aos meus irmãos. Meus pais diziam que eu tinha limitações como qualquer pessoa e sempre me enxerguei como uma pessoal totalmente normal. Diferente todos somos, e ainda bem”, destaca Joseandra.Uma das primeiras lembranças que a advogada guarda da infância foi da primeira série do ensino fundamental, quando a professora pediu para todos irem lavar as mãos .”Aí eu disse, também vou comer, então preciso lavar os pés”, relembra.
Ela reforça que sempre encarou sua condição de uma forma positiva. “Tudo sempre foi natural para mim, nunca questionei porque eu não tinha braços e nunca desejei ser igual aos demais”, afirma. “Aliás, se eu tivesse a oportunidade de mudar algo na minha vida, não seria meu corpo físico, eu nem saberia o que fazer se tivesse braços”, admite a advogada.
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Câncer foi vencido com fé e apoio
Em 2009, ela descobriu um câncer e isso não foi o suficiente para desanimar. “Sou devota de Nossa Senhora Aparecida e em nenhum momento eu questionei o porquê do câncer. Eu tive fé, força e apoio da família e aprendi a tirar lição de tudo que passei”, conta.
Filhos o casal decidiu não ter, porque Joseandra tem toxoplasmose e os médicos disseram que seria gravidez com muitos cuidados e medicações. “Uma época pensamos em adotar, mas aí começaram a nascer os sobrinhos e fomos ajudando a cuidar deles.”
Para Gilson, a esposa sempre tem disposição e arruma uma maneira de realizar seus objetivos. “O jeito dela me deixa feliz. Eu vejo nela essa força de querer viver. Não tem dia ruim para ela.”
Se virar com os pés foi instinto, diz Joseandra
Sem os braços e mãos, usar os pés para realizar atividades como comer, pentear o cabelo, escrever, costurar e limpar os dentes foi automático. “Ninguém me ensinou, é instinto. Na faculdade eu era uma das únicas que copiava todo o conteúdo e muitos colegas pegavam meu cadernos para fazer cópias”, diz Joseandra.
Talentosa, ela ainda cozinha, pinta quadros, sempre fez os afazeres domésticos, chegou a costurar crochê, usa o computador e celular com facilidade, arruma o cabelo e ainda se maquia. “Tem coisas que preciso de ajuda, como tomar banho e ir ao banheiro, mas o que posso, sempre faço sozinha. Como forcei meus joelhos, acabei tendo problemas nele, hoje não faço tudo que fazia, mas ainda faço tudo que posso”, acrescenta Joseandra, que é casada com Gilson Afrozidio desde 1995 e diz que as panelas agora são por conta dele. “E ele cozinha maravilhosamente bem.”
Mulher de fé, é envolvida na igreja e com Gilson lidera e é responsável pelo Encontro de Casais com Cristo (ECC) da Diocese de Montenegro. Realiza palestras contando sua história de vida em escolas, empresas e na igreja.
Para ela, o sentido da vida é viver e aprender a valorizar o que se tem. “Às vezes, ficamos bravos pelo que não temos e esquecemos de aproveitar e ser gratos pelo que temos. As pessoas pensam muito no ‘ter’ e esquecem do ‘ser’. Para mim, se tenho fé, família e força é o necessário para seguir adiante”, afirma.