O Rio Grande do Sul vive, desde o início deste mês, a pior cheia desde as inundações de 1941 e 1965, quando ainda não havia o sistema de contenção contra cheias, construído nos anos 1970. Quem tem certeza disso é o barbeiro Alcino Almirante Gonçalves, conhecido pelos amigos apenas como Almirante. Aos 84 anos, ele se surpreendeu vendo sua casa ser atingida por uma enchente pela primeira vez.
“Nasci apenas um ano antes da enchente de 1941”, conta o morador do bairro São Miguel, que presenciou todas as inundações históricas que aconteceram na cidade desde então. “Mas essa aqui foi muito pior, nem naqueles anos chegou água na minha casa. Dessa vez eu perdi tudo, estou abrigado na casa do meu filho, na Santa Teresa”, afirma Almirante, que visita rotineiramente o local onde mora, temendo ser roubado e perder o pouco que restou.
Acampados na pista
Ao contrário de Almirante, seus vizinhos não foram para a casa de conhecidos. Em vez disso, a solução encontrada pela comunidade para proteger seus lares foi um acampamento montado no acesso ao viaduto da Avenida Dom João Becker. Às margens da pista movimentada, a comunidade montou suas barracas e passa os dias e as noites ali, utilizando apenas as tendas para se abrigarem do frio e da chuva.
Uma dessas pessoas é Soelci Pereira de Souza, de 60 anos, que também perdeu tudo. “Eu era costureira, agora não sei mais. Saí ligeiro, só com a minha cadelinha”, relata, acrescentando que preferiu não ir para um abrigo. “Eu sou muito doente, vou onde me dão apoio e meu irmão fez a barraca”, explica.
De acordo com Soelci, sua maior dificuldade é a recuperação de seus pertences. “O que estou precisando é de colchão e de um fogão, mas não sei onde conseguir”.
“É triste. A gente perdeu tudo”, diz moradora do bairro Rio dos Sinos
Com as águas baixando, moradores começam a voltar aos lares para ver se é possível salvar algo, contabilizar danos e ver quando será possível iniciar a limpeza. A dona Odete Teresinha da Silva Brando, 66 anos, mora com o marido há quase 20 anos na Avenida Caxias do Sul, no bairro Rio dos Sinos, onde também fica a borracharia da família. Segundo ela, a casa foi aterrada e construída acima da altura da cheia de 1965.
“É triste. A gente leva tanto tempo para adquirir as coisas e a água leva tudo.” Há mais de duas semanas abrigada na casa da filha em Lomba Grande – onde seis famílias estão – lembra que quando a água começou a subir não pensava que seria assim. “A gente perdeu tudo. As roupas que estou usando são todas doadas. Até pensava que não ia subir tanto. Mas quando a gente ouviu sirenes na sexta (dia 3) a gente saiu rápido”.
Prefeitura diz ter tentado ajudar
A Secretaria de Assistência Social (SAS), mediante a Superintendência de Comunicação (Scom), afirma que esteve no local e ofereceu abrigamento para as famílias nos primeiros dias dos eventos climáticos. “As famílias se recusaram a sair. A SAS reafirma que os abrigos estão abertos a toda e qualquer pessoa ou família que deseja acessar o serviço de acolhimento oferecido pelo município, mas a prefeitura não pode intervir no direito das pessoas optarem em permanecer no local, diante do estado de calamidade pública”, argumenta o órgão.
O município contava com 125 abrigos até esta terça-feira (21). De acordo com a SAS, o número de pessoas acolhidas nestes locais era superior a 14 mil. Além disso, mais de 100 mil pessoas seguiam desalojadas nos seguintes bairros e comunidades: Vicentina, Paim, São Miguel, Campina, Scharlau, Jardim Fênix, Rio dos Sinos, Santos Dumont, Vila Brás, Vila Brasília, Jardim Viaduto, Vila Glória, Pinheiro, Independência, São Geraldo e Madezzatti.
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