Circular pela cidade de Linha Nova, no Vale do Caí, é um exercício um tanto bucólico. O município com pouco mais de 63 km² comporta uma população de apenas 1.683 habitantes de acordo com dados apurados no Censo 2022.
O levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na semana passada mostrou também que a pequena cidade está à frente do País e do Estado em termos de envelhecimento. A cidade tem uma média etária de 45 anos, dez a mais do que o restante do País e sete à frente do Rio Grande do Sul.
Segundo o Censo, o índice de envelhecimento, que mede a proporção de pessoas com 65 anos ou mais no conjunto total da população, também se destaca, chegando a 169,48. Prestes a entrar na estatística de idosos, a aposentada Vali Rükert, 64 anos, diz não pensar em mudar de cidade.
“Eu adoro Linha Nova, a gente participa de tudo, grupo de dança, grupo da terceira idade, grupo loto”, resume ela, já explicando um dos motivos para gostar da cidade. Ela não é a única a não se ver longe da cidade.
Mãe de quatro filhos e já avô de seis, Gerta Auler, 78, chegou a viver um período longe da cidade natal, mas voltou assim que pôde. “Voltei para onde nasci, lá era muito afastado”, conta ela, ao relembrar a vida em Picada Café, onde morou com o marido, já falecido, por sete anos.
Vida ativa
Gerta e Vali se encontram toda a semana e, por vezes, quase todos os dias, em grupos variados. O principal é o de danças típicas alemãs que elas integram, que conta ainda com Ilse Ritter, 80, Gisela Auler, 73, e Delci Kich, 73. Mesmo passando a casa dos 60 anos, o grupo busca se manter ativo, até mais do que quando era mais jovem.
“Depois que meu marido faleceu, eu comecei a sair mais, porque moro mais para o interior, acho que são uns quatro quilômetros de distância”, lembra Gerta, que hoje encontra nas amigas dos grupos que participa o convívio que afasta a solidão.
Para Vali, que também é viúva, a participação no grupo de dança tem sido uma oportunidade de viver experiências novas. A gente conhece muitos lugares distantes, que nunca iríamos. Ninguém dança perfeito, mas o que vale é a alegria e conhecer gente nova.”
Solidão: o mal do século
Todos essas atividades vividas pelo grupo de Linha Nova ajudam a vencer a solidão, que para mulheres pode ser ainda mais preocupante devido a um fato percebido por Vali e confirmado em pesquisas.
“Uma noite que não consegui dormir, fiquei somando só as pessoas que conheço e juntei 70 viúvas e só oito viúvos, porque os homens se ‘matam’”, relata ela. De fato, no grupo de cinco amigas, apenas uma não perdeu o marido.
Outro fator que influencia a solidão é o destino dos filhos, que optam por sair das pequenas cidades, que concentram pessoas idosas, em busca de melhores condições de trabalho. “Eles têm vontade de ficar, só que a cidade está indo mais para o turismo, mas ainda não gera muito emprego, que é uma dificuldade no nosso município” explica a coordenadora de grupos na Igreja Luterana do município, Liane Bender, 60, ao falar sobre as perspectivas das crianças e adolescentes da cidade.
Vencer e superar a solidão na terceira idade é um dos principais desafios que a sociedade terá de encarar. O tema vai muito além de saber viver sozinho, mas envolve diretamente a saúde física, como destaca o geriatra e professor de medicina da Universidade Feevale, Leandro Minozzo. “Solidão é um fator determinante, impacta diretamente na qualidade de vida e na saúde nos diversos aspectos, físicos, mental e espiritual, especialmente nos idosos.”
O especialista aponta exemplos estrangeiros, como o Reino Unido, que criou em 2018 um ministério para tratar sobre o tema da solidão. “Viver sozinho é quase tão ruim como fumar, é um problema complexo, e a sociedade parece que faz de conta que isso não ia acontecer”, pontua Minozzo.
Preparação é urgente
A mudança de perfil da população aponta para a necessidade de novas políticas públicas. “Os políticos terão cada vez menos que criar creches e se preocupar em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs)”, aponta o também professor da Faculdade de Medicina da Feevale e diretor científico da seccional gaúcha da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG/RS), João Senger.
Minozzo avalia que o país já saiu atrasado, pois os dados apresentados pelo Censo 2022 não são uma novidade inesperada, e que essa mudança de perfil seguirá. “Nos próximos dez anos, as transformações serão radicais, é um processo que não tem volta”, afirma.
Essa preparação para o futuro envolve uma série aspectos, apontam os especialistas, que vão desde ofertas de trabalho até cidades que precisam se estruturar para oferecer melhor mobilidade. “É importante que o todas as esferas de governo comecem a ter programas de prevenção, porque é muito mais efetivo ter programas de prevenção do que de tratamento. O custo é mais baixo, e é mais efetivo”, aponta Senger.
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Uma das preocupações dos médicos é em relação ao aumento de doenças crônicas, como diabetes e demência. “Essas doenças crônicas serão cada vez mais presentes”, afirma Senger, que aponta o aumento de pessoas sem independência na terceira idade.
Desigualdade acentua problemas
Os especialistas ainda chamam atenção para uma chaga brasileira que se acentua na terceira idade, a desigualdade social. A perspectiva para o futuro é que as pessoas tenham que trabalhar por mais tempo, algo que, a depender da classe social e tipo de trabalho desenvolvido, torna as condições laborais muito distintas.
“Uma pessoa que trabalha em construção civil, ou mesmo uma mulher que trabalha em limpeza, vai chegar quebrado”, sintetiza Minozzo. Na avaliação dele, o mundo do trabalho está longe de absorver essa nova demanda. “Se recomenda para que sigam trabalhando, só que o grande desafio é que o trabalho não se adaptou e a pandemia não facilitou.”
Senger complementa a análise apontando para o pequeno contingente populacional que será capaz de financiar os próprios cuidados. “Quem tem muito dinheiro vai poder contratar cuidador, mas isso representa 1% da nossa população.”
Governos querem idosos
Na região de cobertura do Grupo Sinos, oito cidades têm média de idade igual ou superior a 40 anos, e todas essas com índice de envelhecimento acima de 90. A reportagem buscou os governos desses municípios para saber como eles encaravam este envelhecimento, e apenas São José do Hortêncio, Imbé e Nova Petrópolis retornaram o questionário.
São José do Hortêncio, onde a média etária é de 40 anos, enquanto o índice de envelhecimento é de 94,91, a prefeitura admite que a grande preocupação é ser atrativa para as gerações mais jovens. “O município vai continuar trabalhando para que a sucessão familiar na agricultura, especialmente, seja atrativa para os mais jovens e esses não procurem em outros municípios oportunidades de emprego. Esse é o desafio não só nosso, mas de todos os municípios menores: ser atraente para os jovens estabelecerem a continuidade de suas vidas nas cidades de baixa densidade demográfica”, informa, em nota.
A população jovem de São José do Hortêncio é de 4,4 mil habitantes, o que permite um melhor monitoramento das condições de vida dos moradores “de maneira quase que personalizada”. O governo municipal entende o envelhecimento de sua população como algo natural, e diferentemente de outras cidades da região, não é fruto de uma migração. “Acontece um envelhecimento cada vez mais tardio da população, reflexo de uma política de saúde preventiva e também de tratamentos mais eficazes das doenças e/ou patologias.”
Prefeito de Imbé, Ique Vedovato já vive uma situação diferente, pois a cidade litorânea se tornou muito atrativa aos aposentados. “A pandemia fez com que muitas pessoas, principalmente os idosos, viessem morar na região. Estas pessoas, em sua grande maioria, já eram veranistas e agora fixaram residência na cidade.”
Vedovato comemora a presença maior de idosos na cidade, apontando vantagens. “O público desta faixa etária é o melhor que poderíamos ter. Não competem, em sua grande maioria, no mercado de trabalho e não utilizam nosso sistema de educação, além de contribuírem comprando no comércio local e ajudando a aquecer a economia”, pontua.
No caso de Nova Petrópolis, a prefeitura avalia que esse envelhecimento é como uma faca de dois gumes. “Há o aspecto positivo, mostrando que aqui a população encontra os fatores necessários para o envelhecimento saudável, mas também os desafios que este quadro nos impõe enquanto serviço público, principalmente nas áreas da saúde e assistência social”, informa, em nota.
O município conta com a Coordenadoria Especial de Políticas para Idosos, que centraliza as ações voltadas a este público, e também tem o Conselho Municipal do Idoso. O governo coloca a saúde como a principal preocupação, mas garante que há outros aspectos que precisam ser levados em conta. “Precisaremos estar atentos a outras demandas deste público, como acessibilidade e opções de entretenimento. Sob o ponto de vista econômico, o envelhecimento da população nos impõe a dependência de uma força de trabalho reduzida e este mercado também precisará se adequar.”
Mesmo assim, o governo municipal afirma não haver preocupação com o envelhecimento por este ser uma “tendência natural” do Estado e do país.
Estado mais velho do país, o Rio Grande do Sul tem hoje três cidades classificadas como as melhores para envelhecer de acordo com o ranking elaborado pelo o Instituto de Longevidade, que elabora o Índice de Desenvolvimento Urbano para Longevidade (IDL). As cidades gaúchas listadas são: Gramado, Rodeio Bonito e Dois Lajeados.
Colaborou: Suelen Schaumloeffel