No último mês, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou o plano de transformação ecológica para o País. Com recursos do novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), as propostas apontam para um caminho de descarbonização da economia brasileira.
Transição energética e substituição de combustíveis fósseis estão entre as metas do governo para os próximos anos. Mas um tema se torna central e está em debate na Câmara dos Deputados para viabilizar essas ações, a regulação do mercado de carbono.
Mercado com potencial bilionário, a comercialização dos chamados créditos de carbono desperta cada vez mais interesse de empresas e governo. O Brasil é apontado como uma provável potência neste novo modelo de negócios, e o avanço na regulamentação do mercado é considerado como essencial para o País se estabelecer na competição global.Professor do Programa de Pós-Graduação em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale, André Rafael Weyermuller se mostra entusiasta do novo mercado. “O crédito de carbono era, continuou sendo e ainda é um ativo bastante interessante que movimenta uma quantidade expressiva de dinheiro no mundo.”
O professor não é o único entusiasta da proposta, que encontra eco no governo federal através da Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Estudo realizado pela ICC Brasil projeta que, nos próximos 30 anos, o País pode alcançar até US$ 100 bilhões com a comercialização dos créditos de carbono.
Matriz energética limpa
Secretário de Economia Verde, Rodrigo Rollemberg entende que o Brasil pode sair na frente de outras potências econômicas. “Temos aqui uma matriz energética limpa em relação ao restante do mundo. Hoje, 46% da nossa matriz energética é de origem renovável e em torno 85% da matriz elétrica é de origem renovável. Isso traz um diferencial de competitividade muito grande.”
Rollemberg aponta que a aposta neste modelo de negócios é um caminho importante para a descarbonização, e cita o Estado como exemplo. “O Rio Grande do Sul mesmo tem um grande potencial eólico e isso pode ser indutor de um novo processo de industrialização, dando mais competitividade às indústrias brasileiras.”
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Afinal, o que são créditos de carbono?
Foi em 1992, após o encontro de Kyoto, no Japão, que pela primeira vez os créditos de carbono foram apresentados ao mundo. Usando a lógica econômica, se criou uma espécie de moeda ambiental, com a qual empresas e países que reduzem as emissões de gases causadores do efeito estufa negociam com aqueles que não conseguem os mesmos resultados.
“É como se fosse uma ação na bolsa de valores medida de acordo com vários critérios, leva em consideração o valor que a empresa tem”, resume Weyermuller, que complementa explicando a lógica por trás da proposta. “Já que não consigo diminuir minhas emissões, eu compro de quem consegue. Isso pode ser visto como espécie de monetarização do meio ambiente.”
Dessa forma, países e empresas que conseguem adotar práticas sustentáveis e de baixa emissão vendem essas “ações” que são chamadas de créditos de carbono. Cada tonelada a menos emitida na atmosfera tem um valor específico, determinado pelo mercado.
Um exemplo de empresa que pode se beneficiar é o Parque Eólico de Osório, que por gerar energia elétrica sem queima de combustíveis fósseis pode ganhar créditos negociáveis com mercados internacionais.
“Para cada megawatt produzido com energia eólica se tem um ganho ambiental porque, em tese, eu deixo de produzir essa energia com uma fonte que queima combustível fóssil”, avalia Weyermuller.
Empresa de Montenegro sequestra 7 toneladas de CO2
Empresa sediada em Montenegro, a Tanac realizou o seu primeiro inventário de gases de efeito estufa há 15 anos. O relatório de 2022 mostrou que para cada tonelada de CO2 emitido pela empresa na atmosfera, ela consegue recuperar, ou sequestrar, como diz o jargão, sete toneladas em suas florestas.
A Tanac trabalha com a produção de extratos vegetais, cavacos e pellets de acácia negra. No caso da empresa, ela consegue recuperar, através de suas florestas, o CO2 emitido na atmosfera. Em 2022, para cada tonelada do gás lançado na atmosfera, a Tanac conseguiu recuperar 7 toneladas em emissões.
“Isso fez com que a gente olhasse para dentro e para fora da companhia de forma a verificar que a gente realmente tem um papel importante dentro da sociedade para ajudar nessa missão de descarbonização”, relata o presidente da Tanac, João Soares.
Mas, para Joice, não são apenas empresas florestais que podem e devem estar atentas às suas emissões. “Acho que todos os ramos de atividade precisam ter mapeado esses impactos, e conhecer suas emissões.”
No caso da Tanac, mesmo com esses resultados, a empresa ainda não entrou de cabeça no mercado internacional de carbono. “Ainda estamos no começo, avaliando uma série de oportunidades, mas ainda não atuamos efetivamente”, afirma Soares.
Falta de regulamentação inibe empresas de entrarem no mercado
Um dos motivos para que a Tanac e outras empresas ainda não entrem de cabeça neste mercado é a falta de uma legislação segura. Como explica Joice, as negociações de crédito de carbono se dão de duas formas: voluntária ou regulada.
No mercado voluntário, as empresas negociam e determinam, de acordo com cada projeto, entre si os valores dos créditos. “Ele já está em funcionamento no Brasil, mas tem que ter um projeto aprovado e os tipos de compensação precisam estar claros”, explica Joice.
Já nas negociações reguladas, como acontece na União Europeia, cabe ao Estado definir regras para essas negociações. Assim, cabe ao governo determinar o valor de cada tonelada de CO2 sequestrada ou com emissão reduzida na atmosfera.
Como destaca o presidente da Tanac, o governo já avançou nesse processo, mas ainda há um longo caminho a percorrer. “O governo em 2022 criou a primeira regulamentação transformando o mercado de carbono em um ativo financeiro. Mas ainda é incipiente”, explica João Soares.
Por sua vez, o governo já tenta fazer andar no Congresso projetos para a regulação do mercado. Rollemberg é otimista e acredita que o texto deve ser aprovado nos próximos meses. “Esse é um tema econômico de interesse do País e eu não vejo nenhuma resistência.”
A proposta desenhada em Brasília é de regular todas as atividades econômicas que emitam mais de 25 mil toneladas de carbono ao ano.
É preciso preparo para entrar no mercado
Para se inserir nesse mercado, é preciso mais do que boa vontade. As empresas precisam realizar uma série de processos para se credenciarem para a comercialização de créditos de carbono.
Gestora ambiental e doutora em engenharia civil, Joice Pinheiro Maciel orienta empresas interessadas em tornarem seus processos sustentáveis e a reduzirem a chamada “pegada de carbono.”
Cofundadora da empresa Apoena Socioambiental, empresa com sede em São Leopoldo, Joice avalia que atualmente o maior desafio das empresas está em elas entenderem melhor qual o impacto ambiental que suas operações causam. “O serviço que oferecemos começa no sentido de compensação, na importância de neutralizar as emissões.”
De acordo com Joice, o primeiro desafio da empresa é entender o impacto que suas operações causam no meio ambiente. “A maioria não faz seus inventários, então, desconhecem o quanto estão emitindo de CO2 ou o quanto têm mitigado ou neutralizado dessa emissão.”
Estes inventários são os levantamentos feitos para que as empresas saibam quanto de CO2 estão emitindo e também quais ações já podem estar sendo tomadas para mitigar essas emissões.
A partir desses documentos, consegue se inserir no mercado. “Para gerar créditos, ela precisa garantir e comprovar que não está emitindo CO2.”
Papel do Estado neste contexto
Além de regulamentar o mercado, que outros papéis cabem aos governos nesta “bolsa de valores ambiental”?
Para o professor Weyermuller, este é um mercado que já está em andamento no qual a interferência estatal terá pouca interferência. “O crédito de carbono é algo que fica autônomo do setor estatal, porque na verdade ele é um ativo econômico”, avalia.
Mas, se tem pouco poder para interferir no mercado, o governo brasileiro mostra que aposta, sim, nessa medida. Rollemberg demonstra que, para a União, os créditos de carbono são a forma de financiar a chamada reindustrialização brasileira. “Entendemos que a transição energética oferece uma grande oportunidade de nova industrialização no Brasil, e o mercado de carbono é um instrumento”, projeta Rollemberg.
Para isso, financiamento é um dos caminhos fundamentais para fazer com que as empresas adotem ações sustentáveis. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já tem linhas de financiamento para compra de créditos de carbono.
O governo do Estado tem posição semelhante. “O Estado busca aproveitar as oportunidades econômicas e ambientais oferecidas pelos créditos de carbono, visando não apenas a reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas também a promover a preservação dos ecossistemas e impulsionar a economia sustentável”, informa, em nota, a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado (Sema/RS).
Neste sentido, o governo do Estado lançou, quarta-feira (30), na 46ª Expointer, o Programa de Desenvolvimento da Cadeia de Hidrogênio Verde (H2V-RS).
Brasil pode sair na frente
“O Brasil tem uma vantagem comparativa em relação ao resto do mundo e temos que transformar essas em vantagens competitivas”, aponta Rollemberg. Porém, ao mesmo tempo em que o governo fala em renovação energética e descarbonização da economia, ele lança um programa para que a população compre carros movidos à combustíveis fósseis.
Rollemberg não considera isso uma contradição. “Foi uma política cíclica feita no momento que as indústrias passavam por uma dificuldade muito grande e com ameaça de desempregar, e que foi um sucesso porque estimulou a compra de carros populares. Mas um dos critérios era justamente de maior eficiência energética.”
Ao avaliar a posição do país no cenário global de descarbonização como um todo, Rollemberg aponta que o Brasil tem nas mãos a chance de sair na frente de outras potências, uma chance que não pode ser desperdiçada. “Estamos na pole position em relação a transição energética, mas temos que largar e acelerar e chegar na frente, porque essa também é uma corrida e não vai ter espaço para todo mundo.”