Com 13 das 20 metas em retrocesso, o Plano Nacional de Educação (PNE) vence em 2024 sem ser cumprido. Segundo balanço da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, 86% das diretrizes e metas são descumpridas, e 45% delas estão piores do que em anos anteriores. A lei, aprovada por unanimidade em 2014, é um planejamento para orientar todas as ações na área educacional no Brasil, com o objetivo de melhorar a educação.
Com piores resultados na universalização do atendimento à educação básica, oferta da educação em tempo integral, erradicação do analfabetismo, valorização dos profissionais do magistério, acesso ao ensino superior e a ampliação do investimento público, o jeito é partir para o próximo PNE. Por isso, o governo federal convocou, em caráter extraordinário, uma Conferência Nacional de Educação (Conae), de 28 a 30 de janeiro.
O tema central da Conae é PNE 2024-2034: Política de Estado para garantir a educação como um direito humano com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável. A convocação faz parte da agenda de reconstrução do Fórum Nacional de Educação (FNE), desarticulado em 2017, órgão responsável pelo acompanhamento e implementação do PNE.Na região, a conferência intermunicipal foi realizada na quinta-feira (26) na Fenac, reunindo representantes de 17 municípios, convocados pela Associação dos Municípios do Vale Germânico (Amvag) e Associação dos Municípios do Vale do Paranhana (Ampara).
Segundo o integrante da comissão organizadora, professor Charles Santos, a conferência foi a maior presencial de todo o Rio Grande do Sul. O evento recebeu a inscrição de 665 pessoas, entre educadores, conselheiros tutelares, empresários, estudantes, gestores públicos e pais.
“Nós precisamos pensar a educação para daqui dez anos, de fazer a diferença. Neste documento, pensar no nosso aluno, no seu aprendizado, e também nos nossos professores. É imprescindível a formação e a valorização”, declarou a secretária de Educação de Novo Hamburgo e presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação do Estado (Undime), Maristela Guasselli.
Conferências em outras cidades
Canoas também promoveu sua conferência na quinta-feira (26). Em São Leopoldo, foram realizadas etapas preparatórias nas instituições de ensino também na quinta, sendo que a plenária de abertura será no sábado (28), com debate por eixos na segunda (30) e plenária final na próxima terça-feira (31). Por determinação do FNE, sete eixos são debatidos e, a partir do que os participantes decidem, as sugestões serão levadas para a conferência estadual, marcada para os dias 16 e 17 de novembro.
“É uma oportunidade da sociedade se posicionar”
Professor da Universidade Feevale, o doutor em Educação Gabriel Grabowski destaca como positiva a volta das conferências nas três esferas, municipal, estadual e federal. “É uma oportunidade da sociedade se posicionar e cobrar maior compromisso com este direito fundamental das crianças, adolescentes e jovens do Brasil”, diz. “Sem uma educação de qualidade não teremos nem desenvolvimento sustentável e nem mesmo uma democracia sólida”.
Grabowski defende que as conferências façam “uma boa avaliação” dos planos municipais, do estadual e do nacional, verificando quais metas e estratégias foram implementadas. Ele chama atenção que há muitas metas que precisarão serem reafirmadas na próxima década, com a universalização da educação básica, que é obrigatória de 4 a 18 anos, valorização dos docentes e ampliação do investimento em educação.
A presidente do Conselho Estadual de Educação, Fátima Ehlert, destaca que será preciso prever estratégias que deem conta de garantir a viabilidade do planejado.
Entrevista com o coordenador do FNE, Heleno Manoel Gomes de Araújo Filho
Existe alguma possibilidade do Brasil de cumprir o Plano Nacional de Educação?
Heleno de Araújo Filho – O atual plano, concretamente falando, não existe nenhuma possibilidade de ser cumprido. Estamos chegando em 2024 sem ter um fechamento de metas e cumprimento de estratégias. Por isso é importante fazer uma avaliação dos motivos pelos quais nos levaram ao não cumprimento das metas, de dimensionar isso para o novo plano. Para a gente ir além e não ficar só no papel.
Como está sendo a retomada das atividades do Fórum Nacional da Educação (FNE)?
Araújo Filho – Com a portaria publicada em 2017, metade das entidades foi retirada do fórum e não houve mais representatividade. Em março deste ano, com a publicação de uma nova portaria, o FNE foi reconstituído com mais entidades. Antes era 50 e agora são 61 representadas dentro do fórum. Estamos fazendo este trabalho de mobilização dos Estados brasileiros e a nossa expectativa é que a Conae consiga fechar um documento para ser apresentado ao MEC, com propostas concretas para o PNE.
Há movimentação da sociedade para a construção do novo PNE?
Araújo Filho – Há sim. Por meio dos gestores educacionais, dos trabalhadores da educação, conselheiros, estudantes, pais e responsáveis, os cinco segmentos envolvidos na conferência. São esses setores que formam a movimentação para a discussão. Há participação dos empresários, de toda a sociedade neste processo. Todos estão convidados a participar, de integrar estes espaços. Há debate dentro das escolas públicas e privadas. Há uma grande movimentação nas conferências. Há mobilização de ponta a ponta do nosso País.
Uma nação jamais pode dizer que é uma ilusão investir em educação
Um dos pontos apontados para o não cumprimento do PNE foi a meta 20, que determinava investimento de 10% do PIB, o que foi impossibilitado pela PEC 95. Como lidar com a falta de recursos?
Araújo Filho – De fato, a redução do orçamento de 2017 para cá atrapalhou o cumprimento do plano. Mas uma forma que o governo federal teve de driblar a PEC 95 (que limitou os gastos pelo período de 20 anos) foi aprovar o arcabouço fiscal, com a possibilidade de colocar mais investimentos em políticas públicas. Mas ainda não está no tamanho ideal que precisamos para atender as demandas. Também tem outra diferença que foi a PEC de transição, antes do presidente Lula tomar posse, que ajudou a retomar as obras paradas em creches, reajustes na alimentação escolar da educação básica e os recursos para o ensino superior e institutos federais. Teve uma movimentação relacionada também à PEC 95. Mas o que precisamos é fazer uma reforma tributária solidária, para que o Estado tenha mais recursos.
LEIA TAMBÉM
Mas é possível destinar 10% do PIB para a educação ou isso é utopia para o Brasil?
Araújo Filho – Claro que é possível. De jeito nenhum podemos desistir dos 10%. A educação é um direito humano e social. Todos têm esse direito. Uma nação jamais pode dizer que é uma ilusão investir em educação, porque fazendo isso somos contrários a um direito humano, social, que é coletivo, mas também de cada cidadão. Jamais podemos aceitar que é ilusão investir em educação, de ter uma meta. Os 10% são uma meta que é possível alcançar e a conferência vai dizer como, terá um plano para isso.