De transportadora a indústria calçadista, de rede de supermercados a oficina mecânica de bairro: a dificuldade para a contratação de profissionais faz com que empresas do Vale do Sinos apelem para faixas e carros de som para chamar a atenção de pessoas desempregadas.
O fenômeno comum nas décadas de 80 e 90, quando o setor coureiro-calçadista estava em alta e também tinha dificuldades de contratar, voltou a ser uma realidade. A passagem de carros de som oferecendo vagas de emprego aos sábados de manhã ou a instalação de faixas em frente às empresas com os dizeres “temos vagas”, clássicos do passado, voltaram a fazer parte do cotidiano na atualidade.
A dificuldade na contratação passa pela transformação do mercado de trabalho, a partir da diversificação da matriz econômica da região, e carrega reflexos da pandemia de Covid-19. “Estamos vivendo a cultura do home-office, além de uma enorme concorrência de mercado atrás dos melhores. Pela escassez de mão de obra, as empresas estão competindo por profissionais, e o trabalhador está podendo escolher por aquela [empresa] que paga mais, que oferece mais benefícios”, aponta o diretor do trabalho da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Novo Hamburgo, Nelson Dietrich Júnior.
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O diretor da Associação Comercial, Industrial e de Serviços (ACI-NH/CB/EV/DI), Leandro Vilela Cezimbra, pondera que a opção de retomar o uso de um recurso antigo para tentar recrutar trabalhadores também pode ter relação direta com a ineficiência dos meios usados atualmente para a divulgação de vagas. “Os meios digitais e as agências de empregos não estão surtindo o efeito esperado. Isso tem feito o empregador recorrer a iniciativas que davam resultados efetivos no passado, como os carros de som e cartazes”, analisa.
Ter experiência deixa de ser um pré-requisito
Exemplos de empresas apelando por profissionais há aos montes na região. Em Ivoti, uma indústria calçadista decidiu manter, de forma permanente, uma faixa anunciando a disponibilidade de vagas na grade da empresa apesar de atualmente ter somente seis vagas para contratação imediata. A alta rotatividade no setor exige um bom banco de dados de eventuais candidatos.
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A coordenadora do RH do Grupo Priority, Marina Neukamp, 39 anos, explica que a empresa vem sofrendo com a falta de mão de obra. “Temos vagas para contratação imediata na produção, e nem experiência estamos exigindo. Do ano passado pra cá, priorizamos contratar pessoas sem experiência para ensinar uma profissão, mas nem assim conseguimos interessados”, pontua.
A necessidade do grupo calçadista de Ivoti não é uma exclusividade. De acordo com levantamento da Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (Fgtas/Sine), a ocupação com o maior número de vagas abertas no Rio Grande do Sul é a de alimentador de linha de produção. A semana iniciou, com 1.867 vagas disponíveis para essa função nas agências de emprego espalhadas pelo Estado.
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Segundo Marina, as oportunidades que surgiram com o boom do marketing digital, especialmente a partir da monetização das redes sociais, estão afastando cada vez mais os jovens das indústrias. “Tenho experiência de muitos anos na área de RH e posso afirmar que nunca foi tão difícil recrutar gente, principalmente jovens, que até pouco tempo atrás estavam sedentos pelo primeiro emprego. Hoje, percebo que se criou uma falsa ilusão de grana fácil através das redes sociais”, explica.
“Estou atrás dos ‘barbas branca’”, avisa diretor de transportadora
A saída para minimizar a necessidade das empresas tem sido o resgate de aposentados e a contratação de trabalhadores com mais de 45 anos. “O comprometimento e a assiduidade são pontos importantes para a indústria”, explica a coordenadora do RH do Grupo Priority. A transportadora Mengue é outra que decidiu recorrer à moda antiga para tentar recrutar pessoal. Duas faixas anunciando vagas de emprego estão esticadas em frente a sede da empresa, no município de Portão.
A falta de mão de obra também faz a direção selecionar veteranos com ou pessoas sem experiência para trabalhar como motorista de caminhão ou auxiliar de carga e descarga. “Estou atrás dos ‘barbas branca’”, afirma o gerente de frota, Cláudio Peretto. A referência feita por Peretto faz alusão a trabalhadores mais velhos.
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Segundo ele, que também é da turma dos “barba branca”, este perfil voltou a ser valorizado no mercado de trabalho não apenas pela necessidade, mas também pela responsabilidade. “São pessoas que não te dão trabalho, não negam fogo e vestem a camiseta”, pontua. O dono da transportadora, Edson Mengue, explica que quando contratam jovens, é preciso persistência. “Infelizmente, é uma mão de obra sem paciência para o serviço braçal e, inclusive, para crescer profissionalmente”, afirma.
Método à moda antiga tem funcionado
As iniciativas das empresas para recrutar novos trabalhadores estão funcionando. Na última segunda-feira (25), cedinho da manhã, o motorista de aplicativo e morador de Dois Irmãos, Luciano da Silva, 45, fazia uma corrida para Ivoti quando passou em frente ao Grupo Priority e viu a faixa com a oferta de vagas.
Após concluir a viagem do passageiro, retornou à empresa para tentar uma vaga, já que possui experiência no calçado. “Estou sempre com currículos no carro, pois estou em busca de recolocação no mercado de trabalho para não depender do aplicativo, que já não está sendo mais suficiente para me manter”, explica.
O caminhoneiro Severiano Fernandes Soares, 61, é outro que foi impactado pelas faixas instaladas em frente a Mengue Transportes. Depois de 37 anos atuando como motorista carreteiro, fazendo viagens longas por todo Mercosul, Soares pensa em mudar de ares e busca uma vaga que lhe permitirá ficar mais tempo com a família e perto de casa.
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“Estava passando por aqui e vi essas faixas. Decidi vir aqui para entender qual era a oportunidade e ficamos meio que acertados. Só vou encaminhar as coisas na empresa onde trabalho atualmente para começar aqui”, colocou, ao deixar a sede da transportadora.
“O sapateiro sempre foi o mais explorado”, analisa sindicalista
Para o presidente do Sindicato dos Sapateiros de Ivoti, Paulo Führ, a dificuldade que as empresas estão tendo em contratar pessoal passa pela desvalorização da mão de obra, especialmente dos trabalhadores das indústrias.
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“O sapateiro sempre foi o mais explorado financeiramente. Com o passar do tempo, as pessoas foram vendo que ser jardineiro era muito melhor do que estar dentro de uma fábrica, passando cola e sendo pouco valorizado”, opina.
O sindicalista afirma que, apesar de existirem iniciativas que visam qualificar jovens para atuarem no setor coureiro-calçadista ou em qualquer outra atividade braçal da indústria, as condições de trabalho não são favoráveis para estimulá-los a seguir este caminho. “Os jovens, com um celular na mão, estão ganhando mais”, analisa.
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O diretor do trabalho de Novo Hamburgo tem visão parecida. Nelson Dietrich Júnior considera que o surgimento das fintechs mudou a perspectiva dos jovens em relação às oportunidades de trabalho. Para ele, um jovem tendo a oportunidade de escolher entre trabalhar na indústria ou em uma empresa ligada à área da tecnologia e inovação, irá escolher pela segunda. “Eles sabem que estarão em um ambiente menos agressivo, num espaço climatizado, com muito mais benefícios”, explica.
Para Dietrich, assim como as agências de emprego terão que se reinventar muito em breve para conseguir captar mão de obra às empresas, as indústrias precisam mudar a cultura se quiserem atrair jovens. “Os empresários precisam, urgentemente, olhar para fora das quatro paredes e ver que o mercado está mudando, e que há uma nova realidade de trabalho no mundo”, pontua.