KISS 10 ANOS
Em uma década, Lei Kiss sofre alterações e gera críticas de especialistas
Criada em 2013 como resposta à tragédia, legislação foi sendo modificada por pressões externas
Última atualização: 22/01/2024 16:01
A tragédia da boate Kiss completou 10 anos na última sexta-feira (27). Ainda em 2013, ano em que o incêndio aconteceu, uma das mudanças mais importantes foi quanto à fiscalização: uma nova lei foi aprovada na Assembleia Legislativa (AL/RS) tornando mais rígida a fiscalização e a prevenção de incêndios no Estado. Considerada uma evolução naquele momento, a nova legislação não foi bem aceita por muitos dos empresários do ramo, que foram pressionados por mudanças e flexibilizações nesses anos, o que tem ajudado a descaracterizar a proposta original.
Mudança rápida
Foi logo após os primeiros dias da tragédia que o então governador do Estado, Tarso Genro, veio a público cobrar leis mais rígidas para a prevenção de incêndios. Os primeiros meses foram de fiscalização intensificada, com casas de shows sendo fechadas em diversas cidades do Estado. Com a sociedade ainda impactada pelas mortes, os deputados se articularam e aprovaram uma nova lei sobre prevenção de incêndios ao final de 2013, que ficou conhecida como Lei Kiss.
"Foi uma mudança de paradigma para época, porque deixou de focar na proteção do patrimônio para focar na proteção dos usuários", avalia a professora de engenharia civil e coordenadora do curso de especialização em engenharia de segurança contra incêndio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ângela Graeff.
Promotor de eventos e dono de casa noturna em Novo Hamburgo, André Pedroso já tinha seu estabelecimento na cidade em 2013. "Se tivesse todo o controle que tem hoje, não teria acontecido nada", avalia ele ao falar sobre a tragédia. Pedroso diz que, embora o custo para manter uma casa noturna tenha aumentado, o benefício compensa. “Claro que hoje se gasta muito mais, mas em compensação você tem um lugar em que está em segurança.”
Pressão por mudanças
Entretanto, a lei foi aos poucos ficando menos rígida, com a primeira mudança tendo sido aprovada no dia 30 de agosto de 2016, ampliando a validade dos Alvará de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (APPCI) de dois para cinco anos. A modificação também dispensou as fiscalizações anuais para locais de reuniões de público como auditórios e, justamente, casas noturnas. As mudanças foram propostas pelo governo do Estado da época, então comandado por José Ivo Sartori, que atendeu reivindicações de empresários e produtores do setor de eventos. No parlamento, o projeto passou quase sem resistências, tendo apenas um voto contrário.
Dois dias depois da aprovação na Assembleia Legislativa, Sartori anunciaria seu novo secretário de Segurança. O governador escolheu o ex-prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, que comandava a cidade na época da tragédia, e ficou responsável por, entre outras atribuições, comandar justamente o Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul, responsável pela fiscalização para evitar incêndios.
Vereador eleito por Porto Alegre, Schirmer atualmente comanda a pasta de Planejamento e Assuntos Estratégicos da prefeitura da Capital. Procurado pela reportagem, Schirmer disse que não iria se aprofundar no tema da Kiss. "A Prefeitura de Santa Maria e seus servidores foram investigados à exaustão, por diferentes instituições e em diferentes esferas. Ao fim, ninguém foi denunciado ou processado. Tudo o que eu tinha a dizer sobre a tragédia já foi dito ao longo destes dez anos. Não há nada de novo a ser acrescentado, principalmente neste momento de muita tristeza a todos nós."
Mas a flexibilização de 2016 não foi a única, já que no final do ano passado, a Assembleia votou uma nova alteração na lei, na qual dispensa uma etapa para que proprietários consigam o Certificado de Licenciamento do Corpo de Bombeiros (CLCB), medida essa criticada por Ângela. “Ele já era mais fácil de conseguir porque ele não precisava de um responsável técnico. Agora nem mais o CLCB precisa, é uma responsabilidade implícita do proprietário de estar instalando as medidas de segurança.”
Aumentar a rigidez
Natural de Santa Maria, o deputado estadual Valdeci Oliveira avalia que as mudanças na lei são resultado da pressão de grupos econômicos sobre os políticos. "Essa flexibilização vem muito da pressão econômica de alguns setores, não somos contra se tivesse algumas mudanças. Mas na minha avaliação todas as mudanças foram para precarizar a importância que temos que dar à vida." O deputado diz que vai buscar formas de tornar a lei mais parecida com o que foi aprovado em 2013. "No meu ponto de vista tem a necessidade de ter a assinatura de um técnico e isso foi tirado na última mudança e meu principal objetivo é que essa regra volte a ser como era antes."
Ângela ainda chama atenção para o fato de que as fiscalizações para os locais definidos como de baixo ou médio risco de incêndio são menos ativas. "O Corpo de Bombeiros faz as fiscalizações necessárias, mais por denúncia. Mas não existe fiscalização contínua."
A tragédia da boate Kiss completou 10 anos na última sexta-feira (27). Ainda em 2013, ano em que o incêndio aconteceu, uma das mudanças mais importantes foi quanto à fiscalização: uma nova lei foi aprovada na Assembleia Legislativa (AL/RS) tornando mais rígida a fiscalização e a prevenção de incêndios no Estado. Considerada uma evolução naquele momento, a nova legislação não foi bem aceita por muitos dos empresários do ramo, que foram pressionados por mudanças e flexibilizações nesses anos, o que tem ajudado a descaracterizar a proposta original.
Mudança rápida
Foi logo após os primeiros dias da tragédia que o então governador do Estado, Tarso Genro, veio a público cobrar leis mais rígidas para a prevenção de incêndios. Os primeiros meses foram de fiscalização intensificada, com casas de shows sendo fechadas em diversas cidades do Estado. Com a sociedade ainda impactada pelas mortes, os deputados se articularam e aprovaram uma nova lei sobre prevenção de incêndios ao final de 2013, que ficou conhecida como Lei Kiss.
"Foi uma mudança de paradigma para época, porque deixou de focar na proteção do patrimônio para focar na proteção dos usuários", avalia a professora de engenharia civil e coordenadora do curso de especialização em engenharia de segurança contra incêndio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ângela Graeff.
Promotor de eventos e dono de casa noturna em Novo Hamburgo, André Pedroso já tinha seu estabelecimento na cidade em 2013. "Se tivesse todo o controle que tem hoje, não teria acontecido nada", avalia ele ao falar sobre a tragédia. Pedroso diz que, embora o custo para manter uma casa noturna tenha aumentado, o benefício compensa. “Claro que hoje se gasta muito mais, mas em compensação você tem um lugar em que está em segurança.”
Pressão por mudanças
Entretanto, a lei foi aos poucos ficando menos rígida, com a primeira mudança tendo sido aprovada no dia 30 de agosto de 2016, ampliando a validade dos Alvará de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (APPCI) de dois para cinco anos. A modificação também dispensou as fiscalizações anuais para locais de reuniões de público como auditórios e, justamente, casas noturnas. As mudanças foram propostas pelo governo do Estado da época, então comandado por José Ivo Sartori, que atendeu reivindicações de empresários e produtores do setor de eventos. No parlamento, o projeto passou quase sem resistências, tendo apenas um voto contrário.
Dois dias depois da aprovação na Assembleia Legislativa, Sartori anunciaria seu novo secretário de Segurança. O governador escolheu o ex-prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, que comandava a cidade na época da tragédia, e ficou responsável por, entre outras atribuições, comandar justamente o Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul, responsável pela fiscalização para evitar incêndios.
Vereador eleito por Porto Alegre, Schirmer atualmente comanda a pasta de Planejamento e Assuntos Estratégicos da prefeitura da Capital. Procurado pela reportagem, Schirmer disse que não iria se aprofundar no tema da Kiss. "A Prefeitura de Santa Maria e seus servidores foram investigados à exaustão, por diferentes instituições e em diferentes esferas. Ao fim, ninguém foi denunciado ou processado. Tudo o que eu tinha a dizer sobre a tragédia já foi dito ao longo destes dez anos. Não há nada de novo a ser acrescentado, principalmente neste momento de muita tristeza a todos nós."
Mas a flexibilização de 2016 não foi a única, já que no final do ano passado, a Assembleia votou uma nova alteração na lei, na qual dispensa uma etapa para que proprietários consigam o Certificado de Licenciamento do Corpo de Bombeiros (CLCB), medida essa criticada por Ângela. “Ele já era mais fácil de conseguir porque ele não precisava de um responsável técnico. Agora nem mais o CLCB precisa, é uma responsabilidade implícita do proprietário de estar instalando as medidas de segurança.”
Aumentar a rigidez
Natural de Santa Maria, o deputado estadual Valdeci Oliveira avalia que as mudanças na lei são resultado da pressão de grupos econômicos sobre os políticos. "Essa flexibilização vem muito da pressão econômica de alguns setores, não somos contra se tivesse algumas mudanças. Mas na minha avaliação todas as mudanças foram para precarizar a importância que temos que dar à vida." O deputado diz que vai buscar formas de tornar a lei mais parecida com o que foi aprovado em 2013. "No meu ponto de vista tem a necessidade de ter a assinatura de um técnico e isso foi tirado na última mudança e meu principal objetivo é que essa regra volte a ser como era antes."
Ângela ainda chama atenção para o fato de que as fiscalizações para os locais definidos como de baixo ou médio risco de incêndio são menos ativas. "O Corpo de Bombeiros faz as fiscalizações necessárias, mais por denúncia. Mas não existe fiscalização contínua."