MODELO INÉDITO NO RS

Como um grupo de moradores de Sapiranga ajudou a construir o plano de manejo da área de mata atlântica do Morro Ferrabraz

Documento definiu os usos da unidade de conservação, organizando o espaço em zonas de produção, habitação e conservação ambiental

Publicado em: 31/10/2023 07:02
Última atualização: 31/10/2023 12:22

Há cinco anos a Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) do Morro Ferrabraz se tornou uma unidade estadual de conservação de uso sustentável. A região de mata atlântica é patrimônio da biosfera, reconhecida pela Unesco, e protegida pela Constituição Federal. Por isso, Sapiranga tinha a missão de criar um plano de manejo para a área de 5.761 hectares.


Morro Ferrabraz é patrimônio da biosfera Foto: Divulgação

A boa notícia é que Sapiranga está prestes a concluir o tema de casa. Em agosto, foi dado início à construção do plano de manejo por meio de uma metodologia inédita. Moradores das oito localidades que integram a Arie uniram esforços e, com apoio de assessoria técnica, colocaram no papel o que esperam para o lugar onde vivem.

FIQUE BEM-INFORMADO: ENTRE NO CANAL DO JORNAL NH NO WHATSAPP

Assim, o grupo ajudou a fazer história, e fez de Sapiranga a primeira cidade gaúcha a usar o roteiro do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para fazer um plano de manejo municipal. O documento vai definir o conjunto de ações que serão adotadas para equilibrar o cuidado com o meio ambiente com o desenvolvimento socioeconômico sustentável.


Oficinas do plano de manejo da Arie Ferrabraz de Sapiranga Foto: Wa Ching/Divulgação

Agora, será transformado em um projeto de lei para ser levado ao Legislativo. Antes disso, nesta terça-feira (31), está marcada uma reunião para ajustar os últimos detalhes do texto. Áreas destinadas ao turismo e as regras de uso, como capacidade de ocupação de trilha e de áreas de camping, são pontos que o plano de manejo vai apontar.

O instrumento foi elaborado a partir da realização de oficinas coordenadas pelo doutor em ecologia, conservação e manejo de vida silvestre e professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) Rodrigo Cambará Printes. A Furg venceu a licitação para executar o projeto com recursos do Fundo Municipal de Meio Ambiente.

Todos as ações feitas em prol da conservação do Ferrabraz passaram pelo Ministério Público, que instaurou um termo de ajuste de conduta (TAC) com Sapiranga e os municípios vizinhos de Araricá e Nova Hartz.

Segundo o promotor Michael Flach, o plano de manejo estava previsto no TAC firmado com a prefeitura sapiranguense. “É de suma importância a participação da comunidade na elaboração, tanto para ouvirem seus pontos e sugestões, como para também orientá-los da importância de preservar o patrimônio ambiental em que estão inseridos, para a atual e futuras gerações”, pondera Flach.


Oficinas do plano de manejo da Arie Ferrabraz de Sapiranga Foto: Wa Ching/Divulgação

Conforme a bióloga da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Preservação Ecológica (Semape) Maiara Oberherr, ao longo das discussões, os moradores foram percebendo que o plano não era algo ruim e que não limitaria as áreas de plantio. “O quanto que a gente ganhou com a participação da comunidade, ao trazer os moradores para perto, de ouvir os saberes que eles têm. Para a prefeitura foi um ganho muito grande”, descreve Maiara.

Como foram as oficinas

Um grupo de 40 pessoas ficou reunido no mês de setembro das 14 às 19 horas em um hotel, de segunda a sexta-feira, para definir os zoneamentos e as regras de uso dos territórios do Ferrabraz. Segundo Printes, a ideia inicial era fazer os encontros durante o dia inteiro, mas como os moradores precisavam tratar os animais, ficou acordado uma carga horária menor. No entanto, o envolvimento das pessoas surpreendeu aos técnicos. Tanto que inicialmente seriam 16 pessoas, sendo dois representantes por comunidade. “Mas a prefeitura recebeu a demanda de que mais pessoas queriam participar. Então foram abertas mais vagas”, conta.

Em rodas de conversa, trabalhos em grupos, leituras guiadas e com muita troca de ideias e informações, o grupo chegou a um consenso sobre o plano de manejo.

Assim, os representantes de Picada São Jacó, Bela Hú, Alto Ferrabraz, Picada Verão, Picada Cachorro, Picada Schneider, Ferrabraz, Picada dos Nabos e Kraemer Eck definiram em conjunto os principais objetivos de preservação. Também foram delimitados os zoneamentos, levando em conta a adequação ambiental, parte habitacional e a área de produção rural, que hoje ocupa cerca de 60% da unidade de conservação. Cerca de 1,5 mil pessoas vivem na região da Arie.

Segundo Printes, ainda foram levantadas as ameaças ao Ferrabraz e quais pressões a mata sofre, entre elas as ocupações clandestinas e irregulares.

A professora de biologia aposentada Magali Beatriz Sauerssig Fleck, 71 anos, mora há 40 anos no Alto Ferrabraz e ajudou a elaborar o plano de manejo, participando ativamente de todas as reuniões preparatórias e das oficinas. “Foi ótima essa forma de trabalhar. Não receber algo pronto, que teríamos que aceitar, foi melhor para os moradores. Participar do processo foi muito bom e foi o ideal, na minha opinião”, defende.

Oficinas do plano de manejo da Arie Ferrabraz de Sapiranga Foto: Wa Ching/Divulgação

Para Magali, não só a comunidade vai ganhar com o plano de manejo, mas a natureza será protegida. “O mais legal é que não fechou portas para nenhuma atividade, mas vai estimular as propostas a favor da natureza”, pondera. No entanto, Magali chama atenção para a necessidade da cidade inteira ser conscientizada sobre a importância de preservar o Ferrabraz. “Muitos que estão de fora não cumprem o seu papel e não estão engajados com isso”, finaliza.

Pedido dos moradores

Dentre as reivindicações que os moradores incluíram no plano de manejo está a criação de uma sede para a Unidade de Conservação dentro da Arie. Também foi solicitado que sejam regularizadas as moradias sem documentação, situação que é estudada pela prefeitura. O grupo ainda apontou a necessidade de ter um guarda municipal atuando na área aos fins de semana, quando o morro recebe visitação intensa.

Ministério Público de olho

Todo o processo foi acompanhado de perto pela Promotoria. Inclusive, o órgão realizou audiência com agricultores, representantes da prefeitura e os vereadores, com o objetivo de ouvir os anseios e dúvidas de todos os envolvidos. Segundo Flach, a atividade foi importante para evitar que informações falsas fossem propagadas e prejudicassem o desenvolvimento dos trabalhos. “E a real intenção da Lei e do Plano de Manejo da Arie, que é a preservação do Morro Ferrabraz”, complementa.

Além de Sapiranga, o MP formalizou um TAC ainda com as cidades de Araricá e Nova Hartz, pois os dois municípios também têm área de mata atlântica. Em Araricá, segundo a assessoria de imprensa da prefeitura, está em fase de estudo a implantação do plano de manejo para cumprir o que determina o TAC. Com isso, como explica a Promotoria, a área será demarcada, para depois serem cadastrados os moradores da região e seus imóveis.


Morro Ferrabraz visto de Araricá Foto: Débora Ertel/GES-Especial

Ainda em 2019, Araricá criou a sua Arie e também implantou o Conselho Municipal de Meio Ambiente. O município também firmou convênio com a ONG Araçá-piranga para ações de educação ambiental.
Já em relação a Nova Hartz, o MP diz que busca informações de como o Executivo está atendendo as exigências do TAC. O Grupo Sinos fez contato com a prefeitura, questionando sobre o assunto, mas também não recebeu retorno.

Qual importância do Ferrabraz?

A unidade de conservação é um berço da mata atlântica, com 57 espécies de mamíferos, 133 espécies de aves, 18 espécies de répteis e anfíbios, muitas das quais ameaçadas de extinção. “Essa área é muito importante para a vida de todo o Sul do Brasil. É o limite de onde vivem muitas espécies e onde encerram os contrafortes da Serra Geral”, destaca Printes. Inclusive, recentemente, um puma foi flagrado na região do Ferrabraz, sendo que é comum ver bugios e pequenos felinos, como gatos-do-mato.

Bugios integram a fauna da mata atlântica presente no Ferrabraz Foto: Divulgação

Por isso, o morro é um corredor ecológico fundamental, que permite a movimentação dos animais em busca de alimento e também para se procriarem. No Ferrabraz também foram cadastradas 192 espécies de árvores, pertencentes a 132 gêneros e 57 famílias. Também há 16 espécies de orquídeas e bromélias, muitas que só existem nesta área, consideradas raras e ameaçadas de extinção. O Ferrabraz também conta com menos 19 quedas d'água significativas.

Para lembrar

A motivação para proteger legalmente o Morro Ferrabraz começou em 2015, quando a Eletrosul informou que instalaria novas redes de transmissão de energia. Por conta disso, foram realizadas audiências públicas e em 2016 foi aprovada a lei municipal 5.900/2016, criando a Arie do Morro Ferrabraz. 

Gostou desta matéria? Compartilhe!
Matérias Relacionadas