SENTENÇA
Em júri raro, comerciária é absolvida de aborto em Novo Hamburgo
Acusada chorou no plenário e alegou que usou medicamento para matar o bebê sob ameaça
Última atualização: 25/01/2024 14:38
Incontáveis abortos clandestinos são feitos todos os dias, mas é raro um chegar à Polícia, quanto mais ao Judiciário. Nesta terça-feira (28), uma acusada foi submetida a júri em Novo Hamburgo e absolvida. No interrogatório, chorando, a comerciária de 32 anos alegou que fez sob ameaça. O caso aconteceu na tarde de 15 de abril de 2015, quando chegou a ficar um dia presa. O nome não é revelado por questões de segurança.O júri começou às 13 horas. A única pessoa ouvida em plenário foi a ré. Ela, que até então negava ter usado medicamento para matar o bebê, mudou a versão nos 30 minutos que falou. “Antes temia pela própria vida. Se lá no começo tivesse contado, correria sérios riscos, porque ainda morava em Novo Hamburgo. Agora deixou claro que não queria abortar, mas se viu obrigada. É uma situação delicada”, expõe o advogado da comerciária, Marcos Antônio Hauser.
“Medo”
Quando indagada pelo promotor Robson Jonas Barreiro sobre o porquê de não ter falado antes, a ré respondeu: “medo”. Como o representante do Ministério Público sustentava pedido de condenação, houve réplica e tréplica no embate com a defesa. O júri terminou por volta das 18h30, quando a juíza Ângela Roberta Paps Dumerque leu a sentença.
O corpo de jurados, formado por quatro homens e três mulheres, havia decidido pela absolvição. Prevaleceu a tese defensiva de que a ré sofreu “coação moral irresistível”, pois teria sido obrigada pelo pai da criança a praticar o ato. O promotor se resume a dizer que vai recorrer.
Médica tentou evitar o parto e chamou a Brigada
A comerciária, entre o sexto e sétimo mês de gestação, deu entrada às 15 horas no Hospital Municipal de Novo Hamburgo com cólicas e contrações. Segundo a ginecologista de plantão, já estava em trabalho de parto. A médica examinou a paciente e em sua mão vieram vários comprimidos de misoprostol, medicamento para úlcera gástrica usado clandestinamente em abortos. Alguns desmanchados e outros inteiros.
A profissional perguntou à grávida se havia feito algo para perder o bebê e ela negou. Indagou então o que os comprimidos estavam fazendo ali. A mulher disse que não sabia. A médica tentou evitar o parto com remédios e chegou a aplicar corticoide para amadurecer os pulmões do bebê, que acabou nascendo e foi para a UTI.
A médica chamou a Brigada Militar. A paciente foi presa em flagrante e solta no dia seguinte. Negou o aborto à Polícia e durante a instrução da ação penal. Desmentiu a médica, dizendo que não tinha aplicado os comprimidos, mas, sim, pomada para corrimento. Argumentou que os dois filhos, um menino de 8 e uma menina de 6 anos na época, também tinham nascido prematuros. A mãe da acusada corroborou a versão, dizendo que a filha era amorosa com as crianças e que usava pomada para problemas genitais.
Visitas à prematura e arrependimento
O bebê morreu após 34 dias na UTI. Segundo a médica, a causa não estava ligada diretamente ao medicamento, e sim à prematuridade provocada por ele. A ginecologista que denunciou a mãe também relatou o comportamento da acusada durante o período. Contou que ela visitava a filha todos os dias, com ar de arrependimento. Parentes e amigos referiram, em depoimento, o sentimento de luto da ré. Declararam que a comerciária chegou a dar nome à menina, ficou muito abalada com a morte e providenciou os atos fúnebres.
“Uma decisão justa” salienta advogado
Para o advogado, foi uma decisão justa. “A defesa entende que, dadas as circunstâncias que levaram ao aborto, o conselho de sentença decidiu com muita sabedoria. Soube entender a questão humana da acusada”, comenta Hauser. Para ele, o depoimento da cliente em plenário foi “sincero e consistente”. O advogado usa as informações da denunciante para a defesa. “A médica testemunhou as visitas e o arrependimento, evidenciando que a paciente não queria abortar.” Segundo ele, a comerciária não tem nenhum outro tipo de antecedente criminal. E observa que nunca havia atuado em júri de aborto.
Depois de 25 anos, juíza estreia caso em plenário
Foi o primeiro plenário de aborto da juíza Ângela, que preside Tribunal do Júri há mais de 25 anos. Ela explica que a sessão da terça-feira é rara porque o crime, quando praticado pela gestante, mencionado no artigo 124 do Código Penal, estabelece pena de um a três anos de detenção, geralmente com suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da lei 9099.
“Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime. Assim, a maioria dos processos não chega a ser julgado, pois as rés normalmente possuem direito a esse benefício. No caso do último dia 27, o MP não ofereceu o benefício por entender que a ré não preenchia os requisitos do artigo 89 e o processo, após percorrer todas as instâncias, chegou a julgamento perante o Tribunal do Júri, mas a ré foi absolvida”, explana Ângela.
Ela observa que o júri tem por atribuição crimes contra a vida. “Cotidianamente os crimes mais frequentes submetidos a julgamento são os de homicídio tentado ou consumado. Os demais, aborto, infanticídio e instigação ao suicídio, raramente chegam a julgamento seja porque ocorrem em menor número, seja porque não restam esclarecidos.”
Incontáveis abortos clandestinos são feitos todos os dias, mas é raro um chegar à Polícia, quanto mais ao Judiciário. Nesta terça-feira (28), uma acusada foi submetida a júri em Novo Hamburgo e absolvida. No interrogatório, chorando, a comerciária de 32 anos alegou que fez sob ameaça. O caso aconteceu na tarde de 15 de abril de 2015, quando chegou a ficar um dia presa. O nome não é revelado por questões de segurança.O júri começou às 13 horas. A única pessoa ouvida em plenário foi a ré. Ela, que até então negava ter usado medicamento para matar o bebê, mudou a versão nos 30 minutos que falou. “Antes temia pela própria vida. Se lá no começo tivesse contado, correria sérios riscos, porque ainda morava em Novo Hamburgo. Agora deixou claro que não queria abortar, mas se viu obrigada. É uma situação delicada”, expõe o advogado da comerciária, Marcos Antônio Hauser.
“Medo”
Quando indagada pelo promotor Robson Jonas Barreiro sobre o porquê de não ter falado antes, a ré respondeu: “medo”. Como o representante do Ministério Público sustentava pedido de condenação, houve réplica e tréplica no embate com a defesa. O júri terminou por volta das 18h30, quando a juíza Ângela Roberta Paps Dumerque leu a sentença.
O corpo de jurados, formado por quatro homens e três mulheres, havia decidido pela absolvição. Prevaleceu a tese defensiva de que a ré sofreu “coação moral irresistível”, pois teria sido obrigada pelo pai da criança a praticar o ato. O promotor se resume a dizer que vai recorrer.
Médica tentou evitar o parto e chamou a Brigada
A comerciária, entre o sexto e sétimo mês de gestação, deu entrada às 15 horas no Hospital Municipal de Novo Hamburgo com cólicas e contrações. Segundo a ginecologista de plantão, já estava em trabalho de parto. A médica examinou a paciente e em sua mão vieram vários comprimidos de misoprostol, medicamento para úlcera gástrica usado clandestinamente em abortos. Alguns desmanchados e outros inteiros.
A profissional perguntou à grávida se havia feito algo para perder o bebê e ela negou. Indagou então o que os comprimidos estavam fazendo ali. A mulher disse que não sabia. A médica tentou evitar o parto com remédios e chegou a aplicar corticoide para amadurecer os pulmões do bebê, que acabou nascendo e foi para a UTI.
A médica chamou a Brigada Militar. A paciente foi presa em flagrante e solta no dia seguinte. Negou o aborto à Polícia e durante a instrução da ação penal. Desmentiu a médica, dizendo que não tinha aplicado os comprimidos, mas, sim, pomada para corrimento. Argumentou que os dois filhos, um menino de 8 e uma menina de 6 anos na época, também tinham nascido prematuros. A mãe da acusada corroborou a versão, dizendo que a filha era amorosa com as crianças e que usava pomada para problemas genitais.
Visitas à prematura e arrependimento
O bebê morreu após 34 dias na UTI. Segundo a médica, a causa não estava ligada diretamente ao medicamento, e sim à prematuridade provocada por ele. A ginecologista que denunciou a mãe também relatou o comportamento da acusada durante o período. Contou que ela visitava a filha todos os dias, com ar de arrependimento. Parentes e amigos referiram, em depoimento, o sentimento de luto da ré. Declararam que a comerciária chegou a dar nome à menina, ficou muito abalada com a morte e providenciou os atos fúnebres.
“Uma decisão justa” salienta advogado
Para o advogado, foi uma decisão justa. “A defesa entende que, dadas as circunstâncias que levaram ao aborto, o conselho de sentença decidiu com muita sabedoria. Soube entender a questão humana da acusada”, comenta Hauser. Para ele, o depoimento da cliente em plenário foi “sincero e consistente”. O advogado usa as informações da denunciante para a defesa. “A médica testemunhou as visitas e o arrependimento, evidenciando que a paciente não queria abortar.” Segundo ele, a comerciária não tem nenhum outro tipo de antecedente criminal. E observa que nunca havia atuado em júri de aborto.
Depois de 25 anos, juíza estreia caso em plenário
Foi o primeiro plenário de aborto da juíza Ângela, que preside Tribunal do Júri há mais de 25 anos. Ela explica que a sessão da terça-feira é rara porque o crime, quando praticado pela gestante, mencionado no artigo 124 do Código Penal, estabelece pena de um a três anos de detenção, geralmente com suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da lei 9099.
“Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime. Assim, a maioria dos processos não chega a ser julgado, pois as rés normalmente possuem direito a esse benefício. No caso do último dia 27, o MP não ofereceu o benefício por entender que a ré não preenchia os requisitos do artigo 89 e o processo, após percorrer todas as instâncias, chegou a julgamento perante o Tribunal do Júri, mas a ré foi absolvida”, explana Ângela.
Ela observa que o júri tem por atribuição crimes contra a vida. “Cotidianamente os crimes mais frequentes submetidos a julgamento são os de homicídio tentado ou consumado. Os demais, aborto, infanticídio e instigação ao suicídio, raramente chegam a julgamento seja porque ocorrem em menor número, seja porque não restam esclarecidos.”
“Medo”
Quando indagada pelo promotor Robson Jonas Barreiro sobre o porquê de não ter falado antes, a ré respondeu: “medo”. Como o representante do Ministério Público sustentava pedido de condenação, houve réplica e tréplica no embate com a defesa. O júri terminou por volta das 18h30, quando a juíza Ângela Roberta Paps Dumerque leu a sentença.
O corpo de jurados, formado por quatro homens e três mulheres, havia decidido pela absolvição. Prevaleceu a tese defensiva de que a ré sofreu “coação moral irresistível”, pois teria sido obrigada pelo pai da criança a praticar o ato. O promotor se resume a dizer que vai recorrer.