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COMPANHEIRO CENTENÁRIO

Em constante transformação, rádio completa um século no Rio Grande do Sul

Desde a primeira transmissão, em 1924, segmento acumula fãs e ouvintes, e segue vivo mesmo com novas tecnologias

Eduardo Amaral
Publicado em: 07/09/2024 às 07h:00 Última atualização: 05/09/2024 às 19h:58
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Neste sábado (7), a comunicação comemora cem anos da primeira transmissão de rádio no Estado, veículo de comunicação que caiu no gosto dos gaúchos e segue vivo mesmo em meio às mudanças tecnológicas vividas neste um século.

Tudo começou graças a uma abastada família espanhola com ares platinos, que era entusiasta de novas tecnologias. Foi na propriedade de Juan Ganzo, localizada na avenida que hoje leva o nome da família, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, que pela primeira vez o Estado teve uma transmissão radiofônica, feita pela Rádio Sociedade Rio-grandense.

Integrantes e equipamentos da Rádio Sociedade Rio-Grandense. Juan Edison Ganzo Fernandez aparece sentado à direita.  | abc+



Integrantes e equipamentos da Rádio Sociedade Rio-Grandense. Juan Edison Ganzo Fernandez aparece sentado à direita.

Foto: Acervo particular da família Ganzo Fernandez

“Essa entidade surge em torno da família, na época se chamava Juan Ganzo, ele era um dos principais empresários do Estado. Aqui se dizia que ele era uruguaio, mas na realidade ele era espanhol das Ilhas Canárias e tinha vindo do Uruguai para o Rio Grande do Sul mais tarde. Era um sujeito empreendedor”, resume o doutor em comunicação e pesquisador sobre a história do rádio gaúcho, o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Luiz Artur Ferraretto.

Antes do rádio, a família tinha experiência em comunicação, com o pai de Juan tendo sido um dos donos da companhia telefônica do Estado, além de ter forte influência no governo uruguaio, assim como nos de Borges de Medeiros e mesmo Getúlio Vargas.

Transformações e renascimentos

Inicialmente, rádio não era o nome do formato de um veículo de imprensa, se resumia apenas ao aparelho transmissor. Quando Getúlio toma o poder em 1930 ele vai se tornando cada dia mais popular, e o político atento a isso não perde a oportunidade de utilizar essa ferramenta a seu favor. A Rádio Sociedade Gaúcha se alinha ao caudilho gaúcho ainda durante a eleição em que Vargas é derrotado por Júlio Prestes, e segue assim quando este toma o poder naquele ano.

Tempos depois a Rádio Sociedade Gaúcha ganha rivais. Em 1934 é criada a Rádio Difusora, fundada pelos Frades Capuchinhos e que traz uma proposta mais comercial, deixando de lado a ideia mais de clubes e sociedades ainda mantida pela Gaúcha. Além da proposta comercial, a empresa sediada no Morro Santo Antônio, também chamava atenção por abrir espaço para propagandas comerciais e o caráter mais popular. O rádio começava então a deixar de ser uma ação de amigos de classe média e alta para ganhar espaço entre a população.

No ano seguinte é fundada a Rádio Farroupilha, que não economizou na sua inauguração, trazendo como convidados nada menos do que Carmem Miranda, já uma estrela nacional, e Mario Reis, um dos principais intérpretes das composições de Noel Rosa naquele momento.

Para além das disputas e apostas econômicas e políticas, uma coisa era fundamental para que o rádio crescesse e se viabilizasse como negócio no Estado, e vem então a primeira revolução, na avaliação do professor Ferraretto. “Acho que a primeira revolução técnica chega no início do rádio, que é um aparelhinho que as pessoas montavam com base num cristal de chumbo chamado galena, esse receptor de rádio não precisava nem de energia elétrica, ele pegava as ondas eletromagnéticas, captava com aquele cristalzinho de chumbo. Isso aí começou a ajudar um pouco a popularizar o rádio, porque o equipamento era muito caro”, conta.

Os avanços tecnológicos foram determinantes ao longo das décadas para aumentar o público. Ferraretto cita como exemplo a criação do rádio de pilha, na década de 1960, e a chegada das rádios em frequência modulada, a chamada FM, que tinham ondas de menor alcance, porém maior qualidade de som.

Estúdio da Rádio Sociedade Farroupilha  | abc+



Estúdio da Rádio Sociedade Farroupilha

Foto: Revista do Globo, Porto Alegre: Livraria do Globo, ano 9, n. 210, p. 47, 24 jul. 1937

Música de um lado, notícia do outro

Foi em 1968 que o Brasil teve as primeiras transmissões em FM, justamente o ano de instalação do Ato Institucional número 5 (AI-5), que viria a ampliar a censura do regime militar imposto com um golpe militar quatro anos antes. Ao mesmo tempo, Brasil e o mundo viviam momentos de ebulição cultural.

Movimentos estudantis tomaram as ruas de Paris, Beatles e Rolling Stones já eram realidades consolidadas no Reino Unido, enquanto Jovem Guarda e o Movimento Tropicália mostravam uma juventude brasileira cheia de vontade de mostrar a cara e soltar a voz. Um cenário perfeito para que as FMs aproveitassem a melhor qualidade de som para investir em programações musicais.

Enquanto isso, os modelos de rádios mais populares, e mesmo mais faladas e com foco em reportagens, ficou nas ondas de amplitude modulada (AM). Por décadas essa divisão funcionou até como forma de segmentar o público. As chamadas rádios jovens ganhavam cada vez mais espaço no Brasil e, claro, no Estado.

Com o tempo, as FMs se tornaram também a caixa de ressonância de movimentos musicais, a segmentação foi aumentando, com rádios dedicadas a certos estilos musicais específicos. No Rio de Janeiro, já na década de 1970, surge a Fluminense FM, a rádio maldita, que foi fundamental para a disseminação do rock brasileiro.

Não demorou para a moda chegar também ao Rio Grande do Sul e, em 1983, a Ipanema se torna uma a versão gaúcha da emissora carioca. Aqui ela não era chamada de “maldita”, mas se autodenominava “a ovelha negra”.

Relação com o público

Seja voltado à música ou às notícias, o rádio desenvolveu uma relação muito diferente com os ouvintes na comparação com outros veículos de comunicação. Para o comunicador Mauro Borba, justamente um dos fundadores da Ipanema e um dos maiores nomes do chamado segmento jovem do Estado, a relação se diferencia a começar pelo fator imaginação.

“O rádio tem uma coisa muito mágica, que vem do tempo que o rádio era só som e não tinha imagem. Então as pessoas tinham muito mais a imaginação de que o rádio proporcionava pelo efeito auditivo”, avalia Borba, em consonância inclusive com o professor Ferraretto. Ambos lembram de um tempo em que a voz de um locutor era um grande mistério, quando os ouvintes criavam a imagem que bem entendiam em suas mentes. “ Essa coisa da voz agradável, da voz que as pessoas gostam de ouvir, né. Isso é uma coisa muito forte na vida de um comunicador”, diz Borba.

Além da imaginação, a conversa direta com e entre os ouvintes também são fatores lembrados por Borba. “A gente tem uma frase que se usa muito, que o rádio é hábito. A gente se habitua a ouvir aquilo, ele está ali sempre naquele dia, naquele horário. E as pessoas formam uma comunidade dos ouvintes.”

Futuro

Quando a televisão chegou ao mundo e foi ganhando cada vez mais espaço se decretou a primeira morte do rádio. Nos anos 2000, com os MP3 e o crescimento da internet, muito se falava do fim das rádios de música, afinal ninguém mais precisava esperar tocar sua música preferida para gravar em uma fita cassete e fazer seu próprio repertório.

Os últimos anos têm sido marcados pelo avanço dos serviços de streaming e criação de podcasts. Mas como essa fênix em ondas médias e longas sempre sobreviveu, os estudiosos acreditam que este será apenas mais uma morte decretada de forma precipitada. “O podcast pode ser ao vivo, mas as pessoas não dão muita importância para o ao vivo na internet, porque tu sabe que vai ficar ali”, fala Borba ao traçar uma comparação entre os programas de podcast e as rádios tradicionais.

Ferraretto acredita que mesmo com mudanças, conversar com ouvintes ainda será algo contínuo. “A gente ouve uma transmissão de áudio criando imagens e essas imagens são só nossas. Então isso explica essa proximidade com o áudio, explica a proximidade com a leitura, independentemente de que seja.”

Sem fechar as portas para outros modelos, o professor identifica que eles podem viver em espaços diferentes. “Quando eu tenho um evento, um fato, um acontecimento ao vivo que canaliza muito a atenção, ganha espaço o rádio, com essa transmissão como oferta, não como demanda”, avalia Ferraretto, sobre como podcasts e rádio tradicional poderão conviver ainda.

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