RIO DOS SINOS
Dúvidas pairam sobre verba para sistema de contenção de cheias na região
Gestores têm opiniões divergentes sobre recursos e gerenciamento
Última atualização: 14/09/2024 16:12
Três semanas após o governo federal anunciar um pacote de R$ 7,4 bilhões, sendo R$ 6,5 bilhões para obras de prevenção aos efeitos das enchentes, ainda não se tem uma definição de como se dará a distribuição dos recursos e o gerenciamento das futuras obras. Conforme portaria do Ministério das Cidades, o prazo de conclusão para análise do plano de trabalho, projetos e documentação técnica termina nesta sexta-feira (23).
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Para o sistema de contenção da bacia do Rio dos Sinos, a União anunciou R$ 1,9 bilhão, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Seleções. O recurso, que será também para elevação e construção de novos diques, vai envolver obras em Canoas, São Leopoldo, Nova Santa Rita, Sapucaia do Sul, Novo Hamburgo, Campo Bom, Igrejinha, Rolante e Três Coroas.
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Enquanto que a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano (Sedur) informa que faz tratativas para que o repasse da União seja realizado para o Estado, há municípios esperando os recursos no seu caixa para fazerem as obras.
Nesta quarta-feira, inclusive, foi realizada uma reunião do Consórcio da Associação dos Municípios da Região Metropolitana da Grande Porto Alegre (Granpal) com representantes do governo federal para discutir o assunto. Na ocasião, a Granpal manifestou interesse em coordenar as obras no sistema de proteção de cheias.
Apesar do governador Eduardo Leite ter anunciado no final de maio que o Estado tem interesse de gerir o sistema de contenção de cheias, que há cerca de três décadas não conta com uma coordenação articulada, gestores municipais já manifestarem que pensam diferente.
Canoas cogita Granpal
Conforme o prefeito de Canoas, Jairo Jorge, uma das sugestões é que a Granpal seja a responsável pelo sistema. De acordo com ele, Canoas deve receber R$ 994 milhões, dos R$ 1,9 bilhão, para executar as suas melhorias. São R$ 770 milhões para os bairros Mathias Velho, Rio Branco e parte do São Luiz, e R$ 224 milhões para melhorias no limite com Esteio.
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"Eu vou lançar licitações e talvez entregar para Granpal fazer a gestão. Ainda não está bem decidida como será", cogita Jairo Jorge.
Novo Hamburgo quer articulação regional
Em Novo Hamburgo, a prefeita Fatima Daudt anunciou, na semana passada, que a administração municipal receberia R$ 18 milhões. Para ela, o modelo de gestão que foi apresentado em um primeiro momento, onde cada prefeitura faz as suas obras de maneira individual, é preocupante. "Mas daí cada município faz o que quiser e isso vai virar uma colcha de retalhos. Quem vai ser o responsável pelo sistema? Quem vai assinar esses projetos? Tem que haver uma unidade", declarou ela na oportunidade.
A chefe do Executivo hamburguense defende ainda que a gestão não seja realizada por consórcios municipais, por conta da mudança de gestores a cada mandato. "O Estatuto das Cidades prevê uma autoridade metropolitana. Aqui seria a Metroplan, mas está em extinção", comentou.
As prefeituras de Campo Bom e Esteio, na terça-feira, informaram que não receberam nenhuma informação oficial do governo federal e estadual sobre o assunto.
São Leopoldo vai licitar obras
Já a Prefeitura de São Leopoldo informa que vai licitar os seus projetos no valor de R$ 197 milhões, também referentes ao montante do R$ 1,9 bilhão do sistema da bacia dos Sinos. Segundo o titular da Secretaria Geral de Governo, Olger Peres, há um debate em nível de governo federal para saber qual é a melhor destinação e a que dá mais agilidade para o uso dos recursos. "Não está exatamente sedimentado ainda, não está fechado, mas a tendência é que de fato as prefeituras executem no âmbito do seu território as obras necessárias para o sistema", comenta.
De acordo com ele, o prefeito Ary Vanazzi defende que a gestão posterior do sistema seja realizada pelo Consórcio Público de Saneamento Básico da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos (Pró-Sinos).
Olger explica que, embora ainda não tenha ocorrido de fato o pagamento dos recursos da União, São Leopoldo fará a licitação dos projetos, a partir dos estudos da Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), para adiantar os trâmites. "Nós vamos agora fazer um debate sobre isso aí na próxima semana, principalmente com o grupo de trabalho que o prefeito criou", adianta Olger.
Responsabilidade deve ser partilhada
Os diques do Rio dos Sinos foram construídos pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), extinto em 1990 no governo Collor. Com isso, a responsabilidade de manutenção, que era do governo federal, ficou para as prefeituras.
Depois da enchente de maio, surgiu o debate público de quem era a responsabilidade do sistema. Para o doutor em Direito e professor do Programa de Pós-graduação de Qualidade Ambiental da Feevale, André Rafael Weyermuller, a responsabilidade é partilhada e o Brasil conta com um conjunto de leis relacionadas ao sistema de proteção de cheias.
A Constituição Federal, no artigo 23, diz que é competência comum da União, dos Estados e dos Municípios cuidar do meio ambiente e combater a poluição, o que já faz referência à proteção do rio. Além disso, Weyermuller lembra da Política Nacional da Defesa Civil, lei 12.608/2012, que fala das obrigações de adotar medidas de proteção de risco, como cheias e deslizamentos, e da atuação em conjunto das diferentes esferas de governo.
Ainda tem a Política Nacional dos Recursos Hídricos, lei 9.433/2007, que estabelece diretrizes tendo como delimitação territorial básica a bacia hidrográfica, já mapeada.
Por fim, outra norma que fala da responsabilidade relacionada ao sistema de contenção é o Estatuto das Cidades, lei 10.257/2001. O especialista pontua que o estatuto fala na criação de uma autoridade metropolitana, que envolve um trabalho de gestão em uma perspectiva intermunicipal. "Então, não é algo simples, de dizer que isso é meu, isso é teu."
Atribuições comuns e coordenação
De acordo com Weyermuller, o conjunto normativo relacionado ao meio ambiente aponta atribuições que são comuns entre todos os entes. Ele aponta para a necessidade de avaliar futuras intervenções levando em conta também o cenário de escassez de água, realidade também vivida no Rio Grande do Sul.
“Talvez os entes federados não estão conseguindo acompanhar a plenitude disso. É claro que precisa ter uma coordenação metropolitana”, avalia, lembrando que leis municipais, como o plano diretor, também precisam levar em conta o cenário regional.
Secretaria estadual trabalha no tema
Na semana passada, o titular da Sedur, Carlos Rafael Mallmann, garantiu que o Piratini já trabalha nos estudos e anteprojetos de engenharia para a bacia do Sinos. A intenção, inclusive, é protocolar os projetos na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) até fevereiro de 2025.
Por meio da assessoria de imprensa, a Sedur declarou que a verba de R$ 1,9 bilhão para a Bacia dos Sinos “não é para as prefeituras”, pois é um valor para o sistema de proteção contra cheias. O que os municípios receberão em seus caixas da União, conforme a Sedur, são os recursos para reconstrução.
Governador cobra governo federal
Em encontro ontem no Palácio do Planalto, em Brasília, o governador Eduardo Leite voltou a cobrar mais suporte do governo federal ao Estado, para dar auxílio aos prejuízos ocasionados pelas enchentes. Segundo ele, há um “descompasso” entre o que o governo federal anuncia e o apoio que está chegando na ponta.
A principal cobrança de Leite foi em relação ao programa de manutenção de empregos destinado ao Estado depois das enchentes.
“O governo federal anunciou R$1,2 bilhão neste programa, mas acabaram sendo acessados até aqui cerca de R$ 170 milhões. Não é porque as empresas não precisam, é porque as regras do programa ficaram muito engessadas e acabam limitando o acesso a esses recursos”, afirmou o governador. (AE)