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HISTÓRIA DA REGIÃO

Documentário sobre o Sistema Salto apresenta os bastidores da construção pelo olhar dos trabalhadores

Obras de usinas e barragens contaram com cerca de 10 mil pessoas em quase duas décadas

Fernanda Steigleder Fauth
Publicado em: 13/09/2024 às 16h:47 Última atualização: 13/09/2024 às 16h:47
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Duas décadas de obras do Sistema Salto, retratadas em um livro, que tem como foco não a parte técnica, mas humana, agora também são apresentados por meio de um documentário elaborado em Canela.

Trabalhadores da obra da Usina do Canastra



Trabalhadores da obra da Usina do Canastra

Foto: Divulgação

A produção audiovisual denominada Sistema Salto – Trajetórias e Conquistas tem aproximadamente 30 minutos e é baseada na obra de Alexandre Beeck, com apoio do Centro de Memória do Trabalho de Canela.

O projeto realizado pela Sete Produções foi contemplado em edital canelense da Lei Paulo Gustavo de 2023 e será exibido em cinco escolas da cidade. Após, também deve ser levado para instituições de São Francisco de Paula. O vídeo também está disponível de forma gratuita no canal do Youtube da Cia Arte Consciência.

Proposta

A inspiração do documentário surgiu quando a produtora conheceu em 2022 um dos pesquisadores – Eneu Santos – que participou do livro. O pai de Eneu foi funcionário da CEEE.

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“Não queríamos fazer uma obra que fosse focada no técnico, que a barragem tem tantos metros, volume de água. Até tem os dados, mas isso é 5%. A gente quis fazer esse livro e o documentário captou isso, voltado para o trabalho. Nossas perguntas para os trabalhadores eram relacionadas às questões de trabalho”, explica o historiador Alexandre.

A partir de conversas, viu-se a oportunidade de deixar um legado também nas telinhas. “Eles já tinham materiais, quatro entrevistas filmadas entre 2005 e 2012 e mais de 35 áudios, os quais utilizaram para fazer o livro. Então quando o edital foi aberto e aprovado, fizemos essa montagem, que foi complexa, com escolha de trechos e fotos históricas”, pontua a Sete Produções.

São relatos desde o pedreiro, o topógrafo, engenheiro, servente até aquele que trabalhou a vida toda para a CEEE. “E isso tudo foi gravado e agora pode ser visto, é o mais importante”, complementa o autor do livro.

Entrevistas retratavam realidade dos trabalhadores e do Brasil

Cada entrevista tinha duração de uma hora e elas foram realizadas durante um período de sete anos. Os entrevistados residiam em Canela. Infelizmente, todos já faleceram. Na época da produção, os profissionais tinham entre 60 e 80 anos.

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As perguntas feitas iam desde a origem dos trabalhadores às condições de trabalho, segurança e lazer. Com as respostas, foi possível obter muitas informações históricas que podem ser relacionadas à época vivida, marcada pela industrialização, os direitos trabalhistas e a eletrização no Brasil.

A idade também não importava e jovens a partir de 14 anos até senhores de 60 eram aceitos, desde que tivessem condições de trabalho. Os modos como se labutava também foram questionados pelos pesquisadores. “Não havia nenhum cuidado em relação à vestimenta, trabalhavam com as roupas que tinham.”

Outro grande norteador das entrevistas foi sobre a segurança. “Havia muitos acidentes de trabalho, inclusive mortes nessas obras. Acidentes eram frequentes, greves, paralisações de trabalho por falta de pagamento”, relembra Beeck.

Já quando se falava em se divertir ou na alimentação, a divisão de classes era nítida. “O que faziam na folga, onde dormiam, como era o alojamento, a alimentação. Numa das obras, da Usina do Canastra, se ganhava um pouco melhor, fosse um engenheiro, coordenador, podia ir na alimentação A, mais elaborada. Se ganhasse menos, ia na B ou C, que não era tão qualificada.”

Formação de pequenas cidades

Solteiros geralmente ficavam em alojamentos. Já no caso de casais ou pessoas com famílias, casas eram construídas.

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“Principalmente na Barragem do Salto e na Usina do Canastra se formaram pequenas cidades, com comércio para abastecer a obra, cinema, time de futebol, igreja. Ou seja, toda uma infraestrutura para dar suporte. E interessante que depois que as obras terminaram, muito dessa estrutura acabou ficando, principalmente no Canastra e nos Bugres, para as famílias que ficaram trabalhando na operação. Porque antigamente elas não tinham muita autonomia, então existia uma equipe de 10, 15 funcionários, que ficavam responsáveis por turnos e processos dentro da usina”, conta o autor.

Estima-se que mais de 10 mil trabalhadores tenham passado nessas quase duas décadas. A maior obra foi a do Canastra, onde se fala em cerca de 3 mil trabalhadores. Ainda, muitos iam de uma para outra, entre Canela e São Francisco de Paula.

Depoimentos em cronologia

O livro foi separado por cronologia, que conta sobre a criação da CEEE, a escolha da região para a construção do Sistema Salto e sua topografia e, em seguida, por ordem histórica das obras: Passo do Inferno (1948), Barragem do Salto (1951), Usina dos Bugres (1952), Usina do Canastra (1956), Barragem do Blang (1958), Barragem da Divisa (1960) e Barragem das Laranjeiras (1961).

“E dentro de cada capítulo, pequenas frações sobre os aspectos que questionamos os trabalhadores. E é perceptível a evolução das obras a partir dos relatos, como por exemplo, quando falam dos maquinários e condições de trabalho”, revela Beeck.

Assim, uma linearidade é seguida e proporciona que sejam contadas desde informações sobre as mudanças para os trabalhadores até assuntos pontuais, como questões raciais e problemas que existiam.

“Uma das entrevistadas vivia em uma área próxima onde foi construída a Barragem do Salto. Ela conheceu o esposo na obra, era topógrafo. E ele tinha como hobby tirar fotos, na década de 1940 era algo raro. Ela nos deu um álbum com mais de 500 fotos que ele havia tirado durante a obra. O relato dela é muito interessante, porque não participou da obra em si, não pegou na picareta, mas acompanhou tudo e depois se formou professora. E tinha uma visão sobre essa questão social, que era percebido principalmente no divertimento, na folga, na ida ao baile, onde o branco frequentava locais essencialmente de brancos, mas podia ir nos salões onde o negro fazia os bailes, mas o contrário não era permitido”, diz.

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