MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Depois de um ano, ciclone extratropical ainda deixa marcas pelo Estado

Em junho de 2023, 16 vidas foram perdidas no episódio que, na época, foi chamado de pior desastre climático da história. De lá pra cá, situação só piorou

Publicado em: 14/06/2024 07:00
Última atualização: 14/06/2024 07:55

Neste fim de semana, completa-se um ano do primeiro evento climático extremo que deixou marcas profundas no Rio Grande do Sul neste período de 12 meses. Nos dias 15 e 16 de junho de 2023, chuvas intensas, acompanhadas de fortes ventos, deixaram um rastro de destruição no litoral norte e inundaram, como nunca antes se tinha visto até então, algumas cidades do Estado.


Lindolfo Collor enfrentou maior desastre climático de sua história em junho do ano passado Foto: Arquivo/GES-Especial

Uma delas foi Lindolfo Collor, que teve 17% da população retirada de casa porque o município ficou abaixo d’água. Pessoas foram resgatadas de telhados por helicópteros e faltaram barcos para atender as centenas de pedidos de socorro.

Na época, o episódio foi classificado como um dos maiores desastres climáticos do Estado. Foram dois milhões de gaúchos afetados, com 3,2 mil desabrigados e 4,3 mil desalojados e 16 mortes, com 34 cidades com situação de emergência homologada pelo Estado.

Em Novo Hamburgo e São Leopoldo, a enchente do Rio dos Sinos deixou dezenas de famílias desabrigadas e uma discussão entre os dois municípios teve início por causa da manutenção da casa de bombas no bairro Santo Afonso, o que exigiu uma intermediação do Ministério Público.

  1. Moradores da região recebem cartões de R$ 2 mil nesta sexta-feira; veja quais cidades

Caraá foi o município que teve mais vítimas, com cinco pessoas mortas por causa do ciclone. Além disso, a cidade de 7,3 mil habitantes viu seu território ser destruído, estragos que até hoje, doze meses depois, ainda não foram sanados. E a frase “nunca tinha acontecido antes”, que tanto se ouviu naquela época, se repetiu mais vezes no Rio Grande do Sul e os eventos extremos se potencializaram com as mudanças climáticas.

Lindolfo Collor lida com novos prejuízos após cheia de maio

Há um ano, Lindolfo Collor via o Rio Feitoria chegar a 7,4 metros. Situação que afetou 1.057 dos 6,1 mil habitantes. A água chegou na altura do telhado de 318 casas.

A maioria dos estragos deixados em junho de 2023 foram consertados, mas a chuvarada do mês passado causou novamente destruição. Dois exemplos são a calçada próxima à ponte da área central e a quadra do ginásio, que foi reinaugurada em março. Agora, o espaço está interditado e será refeito com concreto polido, com acabamento em pintura epoxi emborrachado, de modo a resistir a uma nova inundação.

O município criou um grupo de WhatsApp, com 979 participantes, para informar a população imediatamente sobre alertas climáticos. Além disso, são realizadas rondas de monitoramento pela Defesa Civil nos locais onde há risco de inundação.


Muita destruição na área rural de Caraá após passagem de ciclone extratropical Foto: Amanda Bernardo/GES-Especial

Mortes e passivo ambiental em Caraá

Com cinco vidas perdidas no desastre de junho do ano passado, Caraá ainda não conseguiu reparar todos os danos que sofreu naquela situação. Conforme o coordenador municipal de Defesa Civil, Antônio Augusto Borges, o município tem um passivo ambiental “gigante”, com assoreamento de rios e arroios, e comprometimento de mata ciliar. O cenário foi agravado pelas chuvas de setembro, novembro e o último episódio do mês passado, que também causaram inundações. “Não no mesmo volume de junho de 2023”, pontua.

Segundo Borges, ainda há muito o que fazer para recuperar a malha viária e o município aguarda repasse de recursos do governo federal para a reconstrução de 42 casas levadas pela cheia do ano passado.

Sobre isso, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) informa que a verba de quase R$ 6 milhões está empenhada e que a prefeitura precisa entregar documentos referentes ao processo de contratação.

Borges explica que a atuação da prevenção aos desastres desde o ano passado tem sido mais intensa, já que as repostas dos rios têm sido diferentes. “Aquele conhecimento que tínhamos de como eram as fases de inundação, em função do volume de chuva, mudou”, comenta. Segundo ele, o município acompanha o volume de chuva minuto a minuto e, eventualmente, dispara protocolo para as pessoas abandonarem suas residências porque a área é de risco.

Borges frisa que é preciso viver a partir de uma nova realidade. “Que não se esqueça o que aconteceu. Desastres ambientais devem ser uma preocupação constante e precisam estar na agenda dos gestores. É preciso investir na preparação”, pontua.

Falta preparo

Karina Bruno Lima é doutoranda de Climatologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e coordena o projeto “O que você faria se soubesse o que eu sei”, que divulga ciência do clima. A cientista explica que os ciclones extratropicais não são incomuns na nossa região e muitas vezes não são notícia por serem menos intensos ou estarem distante da costa.

“Mas com o aquecimento global antropogênico, temos mais energia para intensificação de fenômenos, então a tendência é de aumento de intensidade dos eventos, o que eleva as chances de desastres ocorrerem”, ressalta.

No ano passado, o planeta estava sob influência do El Niño, o que contribuiu para a intensidade dos eventos meteorológicos. Na quarta-feira, o Instituto Nacional de Meteorologia(Inmet) comunicou o fim do El Niño. Com isso, não haverá mais aquecimento acima do normal. No entanto, Karina chama atenção que isso não quer dizer que podemos “baixar a guarda”, pois o aquecimento global continua aumentando.

Para a pesquisadora, apesar do cenário de mudanças climáticas, não há preparo por parte do poder público para enfrentar a situação. “O desastre ocorre quando há a junção de eventos extremos e vulnerabilidades locais, e tivemos vários desastres no Rio Grande do Sul em um período de um ano”, ressalta. “É preciso trabalhar para aumentar nossa resiliência, a fim de diminuir os danos à população e aos ecossistemas”, conclui.


Resgates de helicóptero viraram cena comum no Estado Foto: Reprodução

Estatísticas dos desastres

Levantamento da Defesa Civil de 2023 mostra que quatro desapareceram e 81 gaúchos foram mortos pelo clima no ano passado, 80 deles de junho em diante, sendo 56 em setembro, quando a enxurrada atingiu o Vale do Taquari.

Em 2024, o número de vítimas já chega a 181, com seis mortes entre janeiro e abril e 175 em maio. As enchentes históricas do mês passado ainda somam 38 pessoas desaparecidas e 323 cidades em estado de calamidade pública.

Em setembro de 2023, foram 20 cidades em situação de calamidade pública e 63 em estado de emergência reconhecidas pelo Piratini. Em novembro, 40 decretaram situação de emergência. São Sebastião do Caí foi reconhecida como atingida pelo Estado em junho, setembro, novembro e em maio.

Gostou desta matéria? Compartilhe!
Matérias Relacionadas