A região é predominantemente branca. É isso o que aponta dados sobre cor e raça do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Dos 40.134 moradores de Gramado, 33,6 mil se declaram brancos, ou seja, quase 84%. Além deles, são, ao todo, 5,1 mil pardos, 1,2 mil pretos, 44 indígenas e 21 amarelos.
Em Canela, o percentual é um pouco menor. Dos 48.946 residentes, 36,9 mil se intitulam brancos (75%). O município tem 9,4 mil pardos, 2,3 mil pretos, 131 indígenas e 31 amarelos.
Os números mostram o desafio para se combater casos de racismo. E eles têm aumentado, principalmente dentro das escolas, conforme informações da Defensoria Pública de Gramado e do Coletivo Sankofa, que atua na região no combate à discriminação. Inquéritos também estão abertos pela Polícia Civil.
Apuração e responsabilização
O defensor público gramadense, Igor Menini, descreve que mais de uma dezena de denúncias estão tramitando em ambas as cidades. Segundo ele, há registro de estudantes organizando grupos de mensagens para discriminar professores ou hostilizar outros colegas. E um caso ainda mais preocupante que resultou em violência até mesmo fora da escola. “Racismo é um crime grave. Por isso, a Defensoria instaurou um procedimento administrativo de danos coletivos, chamado de Padac, pois tem casos em escolas de diferentes níveis”, resume.
Para o defensor, é importante entender como as denúncias estão sendo tratadas no ambiente escolar. “A Defensoria Pública vai lutar para que Gramado e Canela sejam vistas como cidades universais, que elas possam acolher e receber de braços abertos todas as pessoas sem qualquer tipo de preconceito, principalmente nos locais onde elas mais buscam proteção e acolhimento, que são as escolas”, aponta, ressaltando que realizou encontros e palestras em instituições de ensino ao longo do ano para falar sobre a temática.
“A partir do momento que existe uma organização para cometer atos preconceituosos, tanto em relação à cor como à origem das pessoas, me causa muita preocupação”, complementa.
O defensor público salienta que é preciso apurar os casos para que haja responsabilização se necessário. Igor frisa, ainda, que Gramado assinou um termo de cooperação contra o racismo, em que se compromete em executar ações para promover a igualdade racial.
Denúncias podem ser repassadas diretamente ao órgão, através do WhatsApp (54) 9 9262- 2110.
“Quando se diminui as formações, aumentam as denúncias”
Um dos movimentos da região em prol da comunidade negra é o Coletivo Sankofa, que foi criado por professores em meados de 2020. Marini Ferreira e Lis Reis são duas fundadoras do grupo, além de servidoras da rede municipal gramadense.
“Muitos dos casos de racismo chegam até a gente como uma conversa, um desabafo, pessoas que encontram no Sankofa um local seguro e de acolhimento”, descreve Marini. Ela conta que o coletivo sempre questiona a vontade da vítima.
“Nos colocamos à disposição, seja com indicação de um advogado, psicólogo, o que for”, revela. “Mas é importante deixar claro que a gente não obriga ninguém a fazer denúncia”, corrobora Lis.
No ambiente escolar, ambas apontam a importância de uma formação continuada de toda a equipe pedagógica. “Quando se diminui as formações, aumentam as denúncias”, esclarece Lis. Existe uma lei que determina o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no Brasil.
Instituída há 30 anos, a lei 10.639 estimula que a importância da cultura negra na formação da sociedade brasileira seja abordada. “E isso pode ser feito de diversas formas, através da música, literatura, das artes. Precisamos tratar o racismo como algo estruturado na nossa sociedade e não somente como casos pontuais”, enfatiza a professora.
“A gente trabalha com crianças e não se fala sobre violências com elas, mas sim, sobre valorização, construção, pensamento empático, falamos sobre a antiviolência”, acentua Lis. Para Marini, o tema precisa ser tratado durante todo o ano e não somente em novembro, que é dedicado à Consciência Negra.
“É preciso que as escolas percebam que racismo é um crime e que criem regimentos para tratar das denúncias”, sugere. Também, ela destaca sobre o acolhimento. “É ruim quando você vai buscar acolhimento e recebe indiferença. Muitas das vezes, a criança que foi agredida é que precisa pedir desculpas. Isso acaba traumatizando e relativizando aquela dor”, diz.
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“É delegado aos professores que se baseiam na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para organizar o planejamento do ano, sempre tem um aparato burocrático, mas essas denúncias parecem que não são tratadas com o mesmo profissionalismo”, revela Lis. “Sonhamos em ter os encaminhamentos corretos dos casos, mas é algo até então inexistente. Precisamos reforçar as formações, o letramento racial, conversar sobre o tema na comunidade escolar”, conclui Marini.
O Coletivo Sankofa, que é um movimento apartidário e em alusão aos direitos humanos, também conta com espaço para denúncias. O link está disponível no perfil do Instagram do grupo, que é @sankofagramadors.
Em nota à reportagem, a Procuradoria-geral da Prefeitura de Gramado aponta que casos que vierem a ocorrer serão tratados com máxima prioridade e que serão tomadas as medidas cabíveis. Ainda, cita a assinatura do termo de cooperação, em março deste ano, e a realização de um seminário de capacitação antirracista para professores e gestores da educação, no mês de novembro.
Canela tem resolução para ensino da cultura negra e indígena nas escolas
Em Canela, o município conta com uma resolução que institui uma política curricular em que os professores precisam ensinar a história e cultura africana, afro-brasileira e indígena nas instituições de ensino infantil e fundamental. A normativa é de outubro de 2021. Segundo a secretária de Educação, Janete da Silva Santos, o trabalho, que é realizado durante todo o ano, busca prevenir casos de discriminação e de preconceito.
Em cada turma, os alunos criam projetos durante o ano letivo e os apresentam em novembro. Neste ano, foi realizada a segunda edição do seminário cultural municipal, em que cerca de dez escolas expuseram os trabalhos no Cidica.
“Discutimos muito com as equipes diretivas das escolas sobre prevenção a casos de racismo ou qualquer tipo de preconceito. Pedimos que tenham atenção e que escutem os alunos. Criamos a resolução para fazer com que esse trabalho não pare, porque o Rio Grande do Sul está muito atrasado nessa área”, pondera Janete.
Para auxiliar no trabalho e na inclusão, a secretária diz que o Executivo adquiriu obras do cacique Maurício Salvador, que é o líder da aldeia Kógunh Mág, que vive na Floresta Nacional de Canela. O livro infantil “A araucária e a gralha azul: uma história dos antigos Kaingang” já recebeu o selo de altamente recomendável, na categoria Reconto, concedido pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).
“Também estamos comprando outros livros lúdicos para que as crianças façam teatros, por exemplo, além das aulas de capoeira, que acentuam essa atuação cultural nas escolas”, acrescenta.
Janete cita, ainda, que um grupo de docentes participou de formação na área, promovida pela Associação de Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), e que atua como multiplicador das informações obtidas. Outro ponto reforçado pela secretária é que a Educação contratou uma assistente social para a pasta, que está disponível para dar suporte às famílias que precisam.
Neste ano, estavam sob responsabilidade da Secretaria da Educação em torno de 5,7 mil estudantes, divididos entre 14 escolas de ensino fundamental e oito de educação infantil. “E eu falei bastante nas formaturas deste ano a importância do amor ao próximo, do respeito a si, ao outro, e às diferenças”, declara a gestora da Educação canelense.