Mais de um mês após o início da tragédia que atingiu quase todo o Estado, famílias ainda tentam recuperar parte de suas histórias e seguir em frente. Para auxiliar neste processo de reconstrução, voluntários, empresas, instituições e entidades da região têm realizado iniciativas que vão desde a limpeza das casas afetadas com as águas, passando pela construção e doação de móveis até tornar o espaço um lar, doce lar.
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Quando a água começa a recuar, o primeiro passo é a limpeza das residências. O processo não é fácil. Inclui destroços, lama, forte odor e muita sujeira e entulhos. É aí que entram os grupos organizados por voluntários em diversas cidades do RS. Um dos projetos é o Meu Lar de Volta liderado por um grupo de amigos, o desenvolver Guilherme Hipolito, o futurista Felipe Menezes, o desenvolver Fábio Borges e o ux designer Felipe Machado.
“Somos apaixonados por tecnologia. Nos reunimos para pensar como poderíamos ajudar, isso logo no começo das enchentes, em 5 de maio. Criamos esta plataforma que conecta quem precisa de ajuda com quem quer ajudar. O sucesso dela é porque é bem simples, são apenas dois botões. As pessoas que precisam de ajuda preenchem o cadastro e aparece o pin no mapa para quem quer ajudar entrar em contato”, explica Menezes.
Outra forma da iniciativa que une a tecnologia e a solidariedade, é o mutirão. Segundo Menezes, são cerca de 100 mutirões de limpeza por semana. “O grande propósito é promover recomeços dignos para quem perdeu tudo ou praticamente tudo”, completa o futurista.
Recentemente o projeto, que ganhou abrangência nacional, ganhou uma importante aliada. A marca de produtos de limpeza Ypê já doou 2 mil kits e faz parte oficialmente da “maior faxina do mundo”.
A plataforma solidária deve ter continuidade. “Entendemos que pode ter continuidade. Não colocamos no nome ‘enchente no RS’, ou algo assim, justamente por isso. Infelizmente existem outras situações que vivemos de aquecimento global e crise climática, devemos ter outros contextos que possamos ajudar”, afirma Menezes.
Uma das famílias atendidas com a ajuda da tecnologia é da Teresinha Henika, que mora em Encantado. “Toda a solidariedade e ajuda neste momento tão difícil nos faz acreditar em dias melhores. Meu enorme agradecimento aos voluntários que me ajudaram com a limpeza da minha casa, onde deram o seu melhor. Vocês são verdadeiros anjos enviado por Deus”, diz Teresinha.
Produção de móveis
Após a limpeza das casas, é hora de verificar os danos em móveis e eletrodomésticos. Neste momento entra a união de quem pode produzir e fornecer materiais para as famílias.
Uma das ideias que tem mobilizado a comunidade e gerado parcerias é a da empresa Steelfort, que é conhecida pela fabricação de móveis no estilo industrial. A sede fica em uma das cidades mais atingidas pela enchente, São Leopoldo. Por isso, o proprietário decidiu fabricar móveis para auxiliar moradores.
“A ideia de criar o projeto foi decidida quando fui ajudar as famílias e vi, com meus próprios olhos, a situação que as pessoas estavam e com o psicológico também afetado. Ajudar essas famílias é meu objetivo no momento. Tenho familiares que perderam tudo e estão ficando na minha casa até eles conseguirem voltar para seus lares. Toda essa situação me impactou muito”, conta o proprietário da empresa de São Leopoldo, Vinícius Gomes.
De acordo com Gomes, o projeto tem a ajuda de assistentes sociais e voluntários que estão entrevistando pessoas nos abrigos. “Vamos fazer uma visita nas famílias necessitadas e ver qual é a urgência delas. Também queremos fazer as doações por meio de sorteio em nossas redes sociais. Nosso objetivo é ajudar o máximo de famílias que conseguirmos, para isso acontecer precisamos de ajudar também, com a comprar de materiais. Já estamos desenvolvendo móveis para sala, esse é o primeiro passo, conseguimos materiais por meio de doação e do nosso estoque”, explica.
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A iniciativa conta com a parceria de uma empresa de Canoas, outra cidade bastante impactada com as cheias. “Eles foram afetados com a enchente, a parte de ferragem enferrujou. Mas, como conseguimos usar produtos pra recuperar estes ferros, eles entraram em contato e ofereceram parte desta ferragem. No momento o que mais usamos é o que temos no nosso estoque. Parte é da minha fabricação interna, parte do valor vai para o caixa pra comprar mais materiais pra ajudar as famílias que precisam”, comenta o empresário.
A produção e doação de mobiliário também é o foco de estudantes de Arquitetura e Urbanismo da universidade Feevale, com sede em Novo Hamburgo. Através do projeto MobiLar, os alunos, em parceria com estudantes de Design de Interiores, empresas parceiras e voluntários da comunidade, fabricam bancadas de pia de cozinha, camas e roupeiros, a partir da reutilização de materiais. Inicialmente, os mobiliários serão doados às comunidades mais atingidas de Novo Hamburgo, mediante cadastro das famílias afetadas.
A ideia é expandir o alcance das doações para outras localidades, a partir de outros grupos de trabalho. Para isso, serão disponibilizados projetos para mobiliários completos e manuais de execução, além de todo o processo de produção. O projeto busca voluntários para a produção dos itens e o auxílio de empresas parceiras para transporte de insumos e móveis. Interessados podem entrar em contato por meio do perfil @projeto_mobilar no Instagram.
Um lar de verdade
Casa limpa, mobília encaminhada. E como resgatar parte das memórias que foram levadas pela água? As amigas de Novo Hamburgo, Sapiranga e São Leopoldo, Fernanda Lindner, Pamela Ghilardi, Julia Rolim, Jaqueline Lopes e Amanda Espinosa lançaram recentemente a campanha “Lar Doce Lar”, que arrecada materiais que remetem ao aconchego e também a funcionalidade de um lar como xícaras, porta-retrato, talheres, potes e tapetes.
“A ideia começou comigo e a Pâmela, sentadas no sofá do meu estúdio. Eu tinha um valor ainda no pix das doações e ela no dela, e pensamos: ‘o que fazer agora?’ Já fizemos marmita, doamos roupas e kits de limpeza, limpamos casas. Sentimos no coração que faltava algo para fazer. Aí pensamos: ‘e se fizéssemos kits de coisas para deixar a casa com cara de casa?’ ”, conta Fernanda, que atua na área da beleza.
Para o grupo de amigas esta foi a forma encontrada para deixar a casa com jeitinho de um lar de verdade. “É o jeito de trazer amor, carinho. Já é muito doloroso a pessoa voltar e não ter nada, olhar e ver que acabou tudo, que as memórias se foram. É hora também de reconstruir estas memórias. Como um vaso de flor em cima da mesa, o tapete na frente da pia, uma almofadinha”, detalha Fernanda.
A campanha está unindo as doações e alguns itens também serão comprados pelas voluntárias. “Queremos deixar junto kit de higiene e produtos de cesta básica e atingir o maior número de pessoas. Vamos ver também a necessidade de cada família”, relata Fernanda.
Para participar da ação é necessário morar na região. Para agendar a entrega/retirada, o contato pode ser feito pela página no Instragram @lardocelar.rs e combinamos a entrega/retirada. As doações por pix são mediante contato de e-mail: amigosdapaghilardi@gmail.com
“Estamos recebendo cadastros, então se a pessoa foi atingida pela enchente ou se conhece quem foi e precisa pode enviar o nome, endereço completo e telefone pelo perfil da campanha no Insta”, ressalta a maquiadora de Novo Hamburgo.