EDUCAÇÃO
Cresce movimento pela revogação do novo ensino médio; entenda as principais críticas ao modelo
Professores, estudantes e especialistas em educação fazem manifestações por todo o País
Última atualização: 26/02/2024 11:53
O início do ano letivo de 2023 está sendo marcado pela implementação do novo ensino médio aos alunos do segundo ano. O modelo aumenta a carga horária de língua portuguesa e matemática e inclui novas disciplinas. No primeiro ano, os alunos têm aula de projeto de vida, para direcioná-los para a área de conhecimento que pretendem seguir. No segundo e terceiro, podem optar por itinerários formativos de acordo com a área escolhida.
Contudo, o novo ensino médio nem bem chegou a ser implementado em sua totalidade e é alvo de contestação e críticas, por parte de professores, estudantes e especialistas em educação. As críticas, que já ocorriam desde a sanção do projeto, em 2017, se intensificaram nas últimas semanas. Tanto a implementação quanto a mudança de comando no governo federal tiveram peso no começo de um movimento que pede a revogação do modelo. A pauta é defendida em carta aberta assinada por cerca de 300 profissionais e entidades ligadas à educação no País.O novo currículo propõe grandes mudanças, enquanto as escolas públicas têm dificuldade de superar problemas históricos como a estrutura precária e a falta de professores. A voz dissonante vem do ensino privado. O sindicato que representa as escolas particulares no Estado é favorável à manutenção do modelo. No ensino médio gaúcho, 87,7% dos alunos estudam em escolas públicas e 12,3% em particulares, de acordo com o Censo Escolar 2022
No início do mês, o ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou que a revogação não estava nos planos do governo. Pressionado, dias depois, o MEC lançou uma consulta pública, para reformular o novo ensino médio. Durante 90 dias, serão realizadas audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas nacionais com estudantes, professores e gestores escolares.
Reclamações
Na quarta-feira (15), foram realizadas manifestações em pelo menos 50 cidades brasileiras. No RS, o Cpers Sindicato e a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) fizeram uma aula pública em frente ao Colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, além de atos pelo interior.
Entre as principais críticas estão a falta de diálogo com os atores envolvidos no processo educacional e a falta de estrutura das escolas, assim como de formação dos professores para as disciplinas recém-criadas. Também há a avaliação de que o modelo amplia desigualdades entre as redes pública e privada.
Especialista aponta que a rejeição é alta
"Uma aversão à reforma do ensino médio é praticamente uma unanimidade entre educadores e pesquisadores da educação, como mostram as mais de 280 assinaturas de sindicatos, entidades representativas, grupos de pesquisa, associações científicas e movimentos sociais com atuação destacada na educação ao subscreverem a Carta Aberta pela revogação da reforma", afirma o professor da Feevale Gabriel Grabowski, doutor em Educação e integrante do Observatório do Ensino Médio.
O grupo criado em 2019 reúne professoras e professores da educação básica e superior pública, comunitária e privada, estudantes de graduação e pós-graduação e defende a revogação.
Grabowski sustenta que o Estado não preparou as condições para as mudanças, que se restringiram apenas a alterações curriculares. "Isto não é reforma", define.
"A implementação começou ainda na pandemia, sem discussão com professores e estudantes, com escolas fechadas, sem investimentos em infraestrutura, laboratórios e equipamentos. A formação continuada de professores também não foi realizada, até porque todos estavam muito envolvidos com as condições do ensino remoto."
Para o especialista, a mudança trará agravamento da desigualdade educacional entre escolas públicas e privadas, que se refletirá na preparação para o Enem e o ensino superior.
Cpers destaca falta de estrutura para projeto
Na avaliação do Cpers, que representa os professores da rede estadual, o modelo "vendeu um produto que não está sendo entregue" ao criar a expectativa de que os estudantes poderiam escolher itinerários formativos. É o que diz o vice-diretor, Alex Saratt.
"Criou-se a impressão de que a escola estaria super aparelhada e estruturada para oferecer de fato esse modelo. O que temos no Brasil e no Estado ainda são escolas sucateadas com falta de estruturas mínimas, como energia elétrica, conexão à Internet e biblioteca", diz Saratt.
Em relação às novas disciplinas, Saratt afirma que "muitas não têm sequer um fundamento teórico e científico suficiente para dizermos que são áreas de conhecimento. Fica a impressão de um enjambre, de um arremedo de disciplina".
O sindicato entende que o modelo anterior estava defasado, mas considera que a reforma piorou a situação geral do ensino médio no País.
"Queremos uma formação que dê ao estudante a capacidade de se colocar no mundo como cidadão, podendo fazer a reflexão crítica e construtiva da realidade e também que tenha uma introdução nas temáticas de tecnologia, mundo do trabalho e da produção, coisas que o novo ensino médio passa ao largo."
Estudantes querem participar da discussão do novo modelo
Vice-presidente regional da Ubes no RS, o estudante Kaick Silva afirma que a dificuldade na contratação de professores não foi superada e acabou agravada com as novas disciplinas.
"A gente não tinha nem professor de matemática, português, geografia. Às vezes demorava até metade do ano letivo para completar o quadro. Com a nova grade, além da falta, os professores não têm preparação para dar as aulas. Novas matérias foram criadas e não temos nem o entendimento de pra que servem", afirma o jovem, que foi estudante de uma das escolas-piloto na implantação do novo modelo, em Caxias do Sul.
A principal reivindicação da entidade secundarista é que os estudantes possam contribuir com a construção de um novo modelo."Queremos discutir a escola do futuro."
Escolas privadas defendem continuidade do processo
Diante da mobilização pela revogação do novo ensino médio, o Sindicato do Ensino Privado (Sinepe) se manifestou publicamente contrário a este movimento. Para o sindicato, o novo modelo traz uma perspectiva diferente, flexibiliza o currículo e moderniza a formação dos jovens.
"Desde a promulgação da Lei, o Sinepe/RS orientou as escolas privadas em relação às suas determinações, na capacitação das coordenações e de seus professores, na disponibilidade de uma infraestrutura física capaz de proporcionar condições para o desenvolvimento das atividades pedagógicas e no esclarecimento junto aos alunos e famílias", diz a entidade. "O que era necessário ser feito, o ensino privado fez."
O sindicato pondera que ajustes fazem parte, mas que "será um retrocesso injustificável impedir a continuidade do processo para aquelas escolas, seus professores, seus alunos e suas famílias que não mediram esforços para cumprir a lei e se adequaram às novas exigências impostas por ela."
O início do ano letivo de 2023 está sendo marcado pela implementação do novo ensino médio aos alunos do segundo ano. O modelo aumenta a carga horária de língua portuguesa e matemática e inclui novas disciplinas. No primeiro ano, os alunos têm aula de projeto de vida, para direcioná-los para a área de conhecimento que pretendem seguir. No segundo e terceiro, podem optar por itinerários formativos de acordo com a área escolhida.
Contudo, o novo ensino médio nem bem chegou a ser implementado em sua totalidade e é alvo de contestação e críticas, por parte de professores, estudantes e especialistas em educação. As críticas, que já ocorriam desde a sanção do projeto, em 2017, se intensificaram nas últimas semanas. Tanto a implementação quanto a mudança de comando no governo federal tiveram peso no começo de um movimento que pede a revogação do modelo. A pauta é defendida em carta aberta assinada por cerca de 300 profissionais e entidades ligadas à educação no País.O novo currículo propõe grandes mudanças, enquanto as escolas públicas têm dificuldade de superar problemas históricos como a estrutura precária e a falta de professores. A voz dissonante vem do ensino privado. O sindicato que representa as escolas particulares no Estado é favorável à manutenção do modelo. No ensino médio gaúcho, 87,7% dos alunos estudam em escolas públicas e 12,3% em particulares, de acordo com o Censo Escolar 2022
No início do mês, o ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou que a revogação não estava nos planos do governo. Pressionado, dias depois, o MEC lançou uma consulta pública, para reformular o novo ensino médio. Durante 90 dias, serão realizadas audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas nacionais com estudantes, professores e gestores escolares.
Reclamações
Na quarta-feira (15), foram realizadas manifestações em pelo menos 50 cidades brasileiras. No RS, o Cpers Sindicato e a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) fizeram uma aula pública em frente ao Colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, além de atos pelo interior.
Entre as principais críticas estão a falta de diálogo com os atores envolvidos no processo educacional e a falta de estrutura das escolas, assim como de formação dos professores para as disciplinas recém-criadas. Também há a avaliação de que o modelo amplia desigualdades entre as redes pública e privada.
Especialista aponta que a rejeição é alta
"Uma aversão à reforma do ensino médio é praticamente uma unanimidade entre educadores e pesquisadores da educação, como mostram as mais de 280 assinaturas de sindicatos, entidades representativas, grupos de pesquisa, associações científicas e movimentos sociais com atuação destacada na educação ao subscreverem a Carta Aberta pela revogação da reforma", afirma o professor da Feevale Gabriel Grabowski, doutor em Educação e integrante do Observatório do Ensino Médio.
O grupo criado em 2019 reúne professoras e professores da educação básica e superior pública, comunitária e privada, estudantes de graduação e pós-graduação e defende a revogação.
Grabowski sustenta que o Estado não preparou as condições para as mudanças, que se restringiram apenas a alterações curriculares. "Isto não é reforma", define.
"A implementação começou ainda na pandemia, sem discussão com professores e estudantes, com escolas fechadas, sem investimentos em infraestrutura, laboratórios e equipamentos. A formação continuada de professores também não foi realizada, até porque todos estavam muito envolvidos com as condições do ensino remoto."
Para o especialista, a mudança trará agravamento da desigualdade educacional entre escolas públicas e privadas, que se refletirá na preparação para o Enem e o ensino superior.
Cpers destaca falta de estrutura para projeto
Na avaliação do Cpers, que representa os professores da rede estadual, o modelo "vendeu um produto que não está sendo entregue" ao criar a expectativa de que os estudantes poderiam escolher itinerários formativos. É o que diz o vice-diretor, Alex Saratt.
"Criou-se a impressão de que a escola estaria super aparelhada e estruturada para oferecer de fato esse modelo. O que temos no Brasil e no Estado ainda são escolas sucateadas com falta de estruturas mínimas, como energia elétrica, conexão à Internet e biblioteca", diz Saratt.
Em relação às novas disciplinas, Saratt afirma que "muitas não têm sequer um fundamento teórico e científico suficiente para dizermos que são áreas de conhecimento. Fica a impressão de um enjambre, de um arremedo de disciplina".
O sindicato entende que o modelo anterior estava defasado, mas considera que a reforma piorou a situação geral do ensino médio no País.
"Queremos uma formação que dê ao estudante a capacidade de se colocar no mundo como cidadão, podendo fazer a reflexão crítica e construtiva da realidade e também que tenha uma introdução nas temáticas de tecnologia, mundo do trabalho e da produção, coisas que o novo ensino médio passa ao largo."
Estudantes querem participar da discussão do novo modelo
Vice-presidente regional da Ubes no RS, o estudante Kaick Silva afirma que a dificuldade na contratação de professores não foi superada e acabou agravada com as novas disciplinas.
"A gente não tinha nem professor de matemática, português, geografia. Às vezes demorava até metade do ano letivo para completar o quadro. Com a nova grade, além da falta, os professores não têm preparação para dar as aulas. Novas matérias foram criadas e não temos nem o entendimento de pra que servem", afirma o jovem, que foi estudante de uma das escolas-piloto na implantação do novo modelo, em Caxias do Sul.
A principal reivindicação da entidade secundarista é que os estudantes possam contribuir com a construção de um novo modelo."Queremos discutir a escola do futuro."
Escolas privadas defendem continuidade do processo
Diante da mobilização pela revogação do novo ensino médio, o Sindicato do Ensino Privado (Sinepe) se manifestou publicamente contrário a este movimento. Para o sindicato, o novo modelo traz uma perspectiva diferente, flexibiliza o currículo e moderniza a formação dos jovens.
"Desde a promulgação da Lei, o Sinepe/RS orientou as escolas privadas em relação às suas determinações, na capacitação das coordenações e de seus professores, na disponibilidade de uma infraestrutura física capaz de proporcionar condições para o desenvolvimento das atividades pedagógicas e no esclarecimento junto aos alunos e famílias", diz a entidade. "O que era necessário ser feito, o ensino privado fez."
O sindicato pondera que ajustes fazem parte, mas que "será um retrocesso injustificável impedir a continuidade do processo para aquelas escolas, seus professores, seus alunos e suas famílias que não mediram esforços para cumprir a lei e se adequaram às novas exigências impostas por ela."
Contudo, o novo ensino médio nem bem chegou a ser implementado em sua totalidade e é alvo de contestação e críticas, por parte de professores, estudantes e especialistas em educação. As críticas, que já ocorriam desde a sanção do projeto, em 2017, se intensificaram nas últimas semanas. Tanto a implementação quanto a mudança de comando no governo federal tiveram peso no começo de um movimento que pede a revogação do modelo. A pauta é defendida em carta aberta assinada por cerca de 300 profissionais e entidades ligadas à educação no País.O novo currículo propõe grandes mudanças, enquanto as escolas públicas têm dificuldade de superar problemas históricos como a estrutura precária e a falta de professores. A voz dissonante vem do ensino privado. O sindicato que representa as escolas particulares no Estado é favorável à manutenção do modelo. No ensino médio gaúcho, 87,7% dos alunos estudam em escolas públicas e 12,3% em particulares, de acordo com o Censo Escolar 2022