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ECONOMIA SUSTENTÁVEL

Créditos de carbono são aposta para financiar reindustrialização brasileira

Brasil pode sair na frente do mercado mundial, mas ainda carece de regulamentação do setor

Eduardo Amaral
Publicado em: 16/07/2024 às 13h:47 Última atualização: 16/07/2024 às 13h:48
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Na última terça-feira (14) o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou o Plano de Transformação Ecológica para o país. Com recursos do novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), as propostas apontam para um caminho de descarbonização da economia brasileira.

Empresa sediada em Montenegro, Tanac estuda entrar no mercado de créditos de carbono | abc+



Empresa sediada em Montenegro, Tanac estuda entrar no mercado de créditos de carbono

Foto: Divulgação/Tanac

Transição energética, substituição de combustíveis fósseis, estão entre as metas do governo para os próximos anos. Mas um tema se torna central e está em debate na Câmara dos Deputados para viabilizar essas ações, a regulação do mercado de carbono.

Mercado com potencial bilionário, a comercialização dos chamados créditos de carbono despertam cada vez mais interesse de empresas e governo. O Brasil é apontado como uma provável potência neste novo modelo de negócios, e o avanço na regulamentação do mercado é apontado como essencial para o país se estabelecer na competição global.

Professor do Programa de Pós-Graduação em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale, André Rafael Weyermuller, se mostra um entusiasta do novo mercado. “O crédito de carbono era, continou sendo e ainda é, um ativo bastante interessante que movimenta uma quantidade bastante expressiva de dinheiro no mundo”.

O professor não é o único entusiasta da proposta, que encontra eco no governo federal através da Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

Estudo realizado pela ICC Brasil, projeta que nos próximos 30 anos o Brasil pode alcançar até US$ 100 bilhões de dólares com a comercialização dos créditos de carbono. Mas para entrar nesse mercado, as empresas precisam estar atentas às mudanças de mercado

Secretário de Economia Verde, Rodrigo Rollemberg, entende que o Brasil pode sair na frente de outras potências econômicas. “Temos aqui uma matriz energética limpa em relação ao restante do mundo. Hoje 46% da nossa matriz energética é de origem renovável e em torno 85% da nossa matriz elétrica é de origem renovável. Portanto isso traz um diferencial de competitividade muito grande.”

Rollemberg aponta que a aposta neste modelo de negócios é um caminho importante para a descarbonização, e cita o Estado como exemplo. “O Rio Grande do Sul mesmo tem um grande potencial eólico e isso pode ser um indutor de um novo processo industrialização dando mais competitividade às indústrias brasileiras.”

 

Afinal, o que são créditos de carbono?

Foi em 1992 após o encontro de Kyoto, no Japão, que pela primeira vez os créditos de carbono foram apresentados ao mundo. Usando a lógica econômica, se criou uma espécie de moeda ambiental, com a qual empresas e países que reduzem as emissões de gases causadores do efeito estufa, negociam com aqueles que não conseguem os mesmos resultados.

“É como se fosse uma ação na bolsa de valores medida de acordo com vários critérios, leva em consideração o valor que a empresa tem”, resume Weyermuller, que complementa explicando a lógica por trás da proposta. “Já que não consigo diminuir minhas emissões eu compro de quem consegue, e isso pode ser visto como espécie de monetarização do meio ambiente.”

Dessa forma, países e empresas que conseguem adotar práticas sustentáveis e de baixa emissão vendem essas “ações” que são chamadas de créditos de carbono. Cada tonelada a menos de emitida na atmosfera tem um valor específico, determinado pelo mercado.

Um exemplo é o caso do Parque Eólico de Osório, que por gerar energia elétrica sem queima de combustíveis fósseis, pode ganhar créditos negociáveis com mercados internacionais.

“Para cada megawatt produzido com energia eólica se tem um ganho ambiental porque, em tese, eu deixo de produzir essa energia com uma fonte que queima combustível fóssil”, avalia Weyermuller.

Alguns críticos da medida veem a comercialização dos créditos de carbono como uma forma de países e empresas incapazes de reduzir suas emissões disfarçarem essa incapacidade comprando de quem produz de forma mais sustentável. “Eu não concordo muito com essa crítica, porque me parece que essa atividade de compra e venda de carbono são positivas”, avalia Weyermuller.

Para o professor, o mercado de carbono permite uma melhora na questão ambiental, mesmo que nem todos reduzam suas emissões. “Muitas vezes esse esforço não é algo possível a se fazer por algumas empresas ou governos.”

 

Mas é preciso preparo

Só que para se inserir nesse mercado é preciso mais do que boa vontade, as empresas precisam realizar uma série de processos para se credenciarem para a comercialização de créditos de carbono.


Como funcionam os créditos de carnono | Jornal NH



Como funcionam os créditos de carnono

Foto: Gráfico Carbono


Gestora Ambiental e doutora em engenharia civil, Joice Pinheiro Maciel, trabalha atualmente orientando empresas interessadas em tornarem seus processos sustentáveis e reduzir a chamada “pegada de carbono.”

Cofundadora da empresa Apoena Socioambiental, empresa com sede em São Leopoldo, Joice avalia que atualmente o maior desafio das empresas está em elas entenderem melhor qual o impacto ambiental que suas operações causam. “O serviço que oferecemos começa no sentindo de compensação, na importância de neutralizar as emissões.”

De acordo com Joice, o primeiro desafio das empresas é entenderem o impacto que suas operações causam no meio ambiente. “A maioria não faz seus inventários, então elas desconhecem o quanto estão emitindo de CO2 ou o quanto tem mitigado ou neutralizado essa emissão.”

Estes inventários são os levantamentos feitos para que as empresas saibam quanto de CO2 estão emitindo e também quais ações já podem estar sendo tomadas para mitigar essas emissões.

A partir desses documentos, ela consegue se inserir no mercado. “Para gerar créditos ela precisa garantir e comprovar que não está emitindo CO2”, esclarece Joice

Empresa sediada em Montenegro, a Tanac realizou o seu primeiro inventário de gases de efeito estufa há 15 anos. O relatório de 2022 mostrou que para cada tonelada de CO2 emitido pela na atmosfera, ela consegue recuperar, ou sequestrar como é diz o jargão, sete toneladas em suas florestas.

A Tanac trabalha com a produção de extratos vegetais, cavacos e pellets de acácia negra. No caso da empresa, ela consegue recuperar, através de suas florestas, o CO2 emitido na atmosfera. Em 2022, para cada tonelada do gás lançado na atmosfera, a Tanac conseguiu recuperar 7 toneladas em emissões.

“Isso fez com que a gente olhasse para dentro e para fora da companhia de forma a verificar que a gente realmente tem um papel importante dentro da sociedade para ajudar nessa missão de descarbonização”, relata João Soares, presidente da empresa.

Mas para Joice, não são apenas empresas florestais que podem e devem estar atentas às suas emissões. “Acho que todos os ramos de atividade precisam ter mapeado esses impactos, e conheçam primeiro suas emissões”

No caso da Tanac, mesmo com esses resultados, a empresa ainda não entrou de cabeça no mercado internacional de carbono. “Ainda estamos no começo, avaliando uma série de oportunidades, mas ainda não atuamos efetivamente”, afirma Soares.

 

Falta regulamentação

Um dos motivos para que a Tanac e outras empresas ainda não entrem de cabeça neste mercado é a falta de uma legislação segura. Como explica Joice, as negociações de crédito de carbono se dão de duas formas: voluntariamente ou regulado.

No mercado voluntário, as empresas negociam e determinam, de acordo com cada projeto, entre si os valores dos créditos. “Ele já está em funcionamento no Brasil, mas tem que ter um projeto aprovado e os tipos de compensação precisam estar claros”, explica Joice.

Já nas negociações reguladas, como acontece na União Europeia, cabe ao Estado definir regras para essas negociações. Assim, cabe ao governo determinar o valor de cada tonelada de CO2 sequestrada ou com emissão reduzida na atmosfera.

Como destaca Soares, o governo já avançou nesse processo, mas ainda há um longo caminho a percorrer. “O governo em 2022 criou a primeira regulamentação transformando o mercado de carbono em um ativo financeiro. Mas ainda é incipiente e o mercado de carbono está atuando basicamente no mercado voluntário.”

Por sua vez, o governo já tenta fazer andar no Congresso projetos para a regulação do mercado. Rollemberg é otimista, e acredita que o texto deve ser aprovado nos próximos meses. “Tenho muita convicção que aprovaremos isso ainda neste semestre, antes da Cop-28 em Dubai.”

O secretário explica a confiança em razão da forma como as propostas de regulação do mercado vêm sendo discutidas. “Esse é um tema econômico de interesse do país e eu não vejo nenhuma resistência. E ele foi construído conjuntamente com o setor produtivo, então há muito consenso em relação ao texto produzido pelo governo.”

Na lista de prioridades do governo, Rollemberg garante que a regulação do mercado de carbono está no topo, atrás apenas do arcabouço fiscal, já aprovado, e da reforma tributária, texto em discussão.

A proposta desenhada em Brasília é de regular todas as atividades econômicas que emitam mais de 25 mil toneladas de carbono ao ano. Com modelo, o governo deve adotar um sistema semelhante ao utilizado na Inglaterra.

 

Papel do Estado

Mas além de regulamentar o mercado, que outros papéis cabem aos governos nesta “bolsa de valores ambiental”?

Para o professor Weyermuller, este é um mercado que já está em andamento no qual a interferência estatal terá pouca interferência. “O crédito de carbono é algo que fica autônomo do setor estatal, porque na verdade ele é um ativo econômico”, avalia.

Mas se tem pouco poder para interferir no mercado, o governo brasileiro mostra que aposta sim nessa medida. Rollemberg demonstra que para a União, os créditos de carbono são a forma de financiar a chamada reindustrialização brasileira.

“Entendemos que a transição energética oferece uma grande oportunidade de neo industrialização no Brasil, o mercado de carbono é um instrumento”, projeta Rollemberg. Para isso, financiamento é um dos caminhos fundamentais para fazer com que as empresas adotem ações sustentáveis.

O governo do Estado garante ter uma posição ao governo federal. “O estado busca aproveitar as oportunidades econômicas e ambientais oferecidas pelos créditos de carbono, visando não apenas reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas também promover a preservação dos ecossistemas e impulsionar a economia sustentável”, afirma a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado do Rio Grande do Sul (Sema/RS).

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já tem linhas de crédito para compra de créditos de carbono.

Já no caso do Rio Grande do Sul, a Sema aponta como medida mais efetiva de descarbonização o programa de hidrogênio verde, uma forma de incentivar o potencial de produção a partir de fontes renováveis como energia solar e eólica.

 

Sair na frente

“O Brasil tem uma vantagem comparativa em relação ao resto do mundo e temos que transformar essas em vantagens competitivas”, aponta Rollemberg. Porém, ao mesmo tempo em que o governo fala em renovação energética e descarbonização da economia, ele lança um programa para que a população compre carros movidos à combustíveis fósseis.


 Joice Pinheiro Maciel trabalha ensinando empresários a como medirem suas emissões de carbono | Jornal NH



Joice Pinheiro Maciel trabalha ensinando empresários a como medirem suas emissões de carbono

Foto: Divulgação


Rollemberg não considera isso uma contradição. “Foi uma política cíclica feita no momento que as indústrias passavam por uma dificuldade muito grande e com ameaça de desempregar, e que foi um sucesso porque estimulou a compra de carros populares. Mas um dos critérios era justamente de maior eficiência energética.”

Ao avaliar a posição do país no cenário global de descarbonização como um todo, Rollemberg aponta que o Brasil tem nas mãos a chance de sair na frente de outras potências, uma chance que não pode ser desperdiçada. “Estamos na pole position em relação a transição energética, mas temos que largar e acelerar e chegar na frente, porque essa também é uma corrida e não vai ter espaço para todo mundo.”

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