A morte de policiais militares durante o trabalho expôs uma insatisfação entre PMs e o governo do Rio Grande do Sul. Em uma das cinco despedidas deste ano, familiares não aceitaram a presença do governador Eduardo Leite. À reportagem, a assessoria do Executivo informou que a família decidiu fazer uma cerimônia discreta. Apesar disso, a apuração jornalística descobriu que a negativa presencial às condolências de Leite ocorreu a partir de um impasse que começou em 2019.
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Conforme a Brigada Militar, até outubro deste ano, cinco policiais militares morreram durante trabalho do Rio Grande do Sul. O primeiro deles foi o sargento Fabiano Oliveira, de 47 anos, morto durante confronto com assaltantes no Aeroporto Hugo Cantergiani, em Caxias do Sul, no dia 19 de junho. Na mesma cidade, dois morreram em acidente na BR-116 nesta semana. Anderson de Souza Lourenço, 29, e Maximiliano da Silva Argiles, 25, que faziam parte do 4º Batalhão de Polícia de Choque.
E no Vale do Sinos, o maior tiroteio da história de Novo Hamburgo também deixou cicatrizes na corporação. Os soldados Everton Kirsch Júnior e Rodrigo Volz, ambos de 31 anos, não resistiram aos ferimentos do ataque a tiros que aconteceu entre a noite de terça e a manhã de quarta-feira, em 22 e 23 de outubro. Os dois participaram do cerco policial que durou 9 horas no bairro Ouro Branco.
Kirsch foi enterrado na quinta-feira (24), no mesmo município do massacre, em uma cerimônia acompanhada por familiares e amigos, além da imprensa, do governador do RS, Eduardo Leite, que prestou as condolências pessoalmente à família, e representantes da segurança pública.
Enquanto ocorria o sepultamento no Jardim da Memória, foi confirmada a morte cerebral do colega de farda Rodrigo. A despedida foi reservada à família e aos representantes da segurança pública em Canoas, na sexta-feira (25).
A reportagem apurou que a presença do governador foi recusada pela família. O motivo estaria relacionado a uma medida legislativa criada por Leite. Rodrigo era um dos sete policiais militares da família, que se sentiam prejudicados pela decisão. No entendimento dos parentes, a medida limita o pagamento do benefício para os dependentes do trabalhador militar que morre em serviço.
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O primo Maicon Volz, também policial militar e presidente da Associação dos Servidores da Brigada Militar e Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul (Abamf), disse que “dentro do governo Eduardo Leite foram mudadas legislações que deixam a família, principalmente as viúvas daqueles policiais que morrem em serviço, completamente desamparadas”. A fala faz parte de um vídeo publicado por Volz em manifestação sobre o veto à presença da imprensa e do governador.
A norma em questão é a Lei Complementar n° 14.142, de 2018, alterada pelo atual governador durante o primeiro mandato. O trecho que está em discussão faz parte do artigo 12, que passou a valer em setembro de 2019 para companheiros e companheiras de PMs que morrem em serviço. O argumento é que o novo texto limita o tempo de pensão de acordo com as idades dos cônjuges. O pagamento do benefício segue uma tabela.
Por exemplo, se a viúva estiver com 21 anos ou menos na data do óbito, o benefício será vigente por 3 anos; se tiver entre 21 e 26 anos, a pensão segue por 6 anos; entre 27 e 29 anos, recebem por 10 anos; entre 20 e 40 anos, 15 anos; entre 41 e 43, 20 anos; apenas se o cônjuge tiver 44 ou mais, o benefício passa a ser vitalício.
“Quando nós ingressamos na Brigada Militar, nós fizemos um juramento de defender a sociedade, mesmo com o risco da própria vida. O que isso significa? ‘Pra’ salvar a sua vida, do seu pai, do seu filho, o policial poderá sacrificar a vida dele”, expôs.
Além da crítica à pensão previdenciária, Volz citou uma cota familiar que consta nessa lei, mas que, conforme a Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul (PGE-RS), não se aplica aos servidores militares em função do Art. 24B do Decreto-lei nº 667, que mantém o valor total da pensão aos beneficiários.
Assunto complexo
Os professores Emerson Mattje, do curso de Direito da Universidade Feevale, e Lucas do Nascimento, de Direito Público da Ftec Novo Hamburgo, classificam o assunto como complexo, mas explicam que há ainda um artigo no Estatuto dos Militares Estaduais que diz que, nestes casos, as vítimas deixarão “a seus dependentes pensão correspondente aos vencimentos integrais do grau hierárquico imediatamente superior ao que possuir na ativa”.
Além disso, a família possui direito à chamada pensão infortunística, que tem o objetivo de indenizar os dependentes em função da perda. “Há debate na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul sobre a possibilidade ou não dos dependentes desse policial militar acumularem essa pensão por morte infortunística com a pensão por morte previdenciária. Ora o Tribunal entende pela possibilidade de cumulação, ora pela impossibilidade”, expõe Nascimento.
O procurador-geral do RS, Eduardo Cunha da Costa, esclarece que a pensão infortunística é paga administrativamente, em caráter vitalício para as viúvas, de forma cumulada com a pensão previdenciária desde 2022.
Ainda sobre a Lei Complementar de 2018, há uma cláusula que aplica a pensão por morte vitalícia para o cônjuge de servidores civis. Questionado pela reportagem, Cunha explica que não se aplica aos policiais militares em função da família ter direito à pensão infortunística.
O presidente da Abamf faz questão de classificar a pensão infortunística como “benefício de forma indenizatória” e que não deve ser confundida com a pensão por morte. Ele ainda rebate a manifestação do Estado e diz que muitos familiares tiveram que reivindicar o direito à pensão infortunística na Justiça. “Só passaram a pagar porque o pessoal estava ganhando na Justiça, é isso. Aí eles acabaram reconhecendo, então dizem que estão pagando. Eu recebi várias mensagens de colegas dizendo isso, ‘a minha mãe teve que entrar na Justiça para ganhar esse benefício infortunístico porque o governo não pagava’.”
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Afinal, o que a família tem direito?
A PGE-RS elencou os direitos dos dependentes dos policiais militares por meio de nota. Veja abaixo:
“Conforme as leis e as orientações jurídicas da PGE/RS, a viúva de militar estadual que vier a falecer em serviço receberá cumulativamente:
– uma pensão previdenciária correspondente ao valor da integralidade do subsídio de seu posto ou graduação (se a viúva tiver mais de 44 anos, a pensão previdenciária será vitalícia);
– uma pensão infortunística vitalícia, de natureza indenizatória, autônoma e cumulável, de valor equivalente ao subsídio do posto ou graduação do falecido acrescida da diferença entre o valor do soldo do posto ou graduação titulado no momento do falecimento e o soldo do posto de 1º Tenente.
Com isso, verifica-se que a viúva de um soldado que vier a falecer em serviço perceberá, a título de pensão previdenciária, o equivalente ao subsídio de soldado (pelo tempo determinado na lei) e, cumulativa e autonomamente, uma pensão infortunística, essa de caráter vitalício, independentemente da idade da viúva, de valor equivalente ao subsídio de soldado acrescido do valor da diferença entre o soldo do soldado e o soldo de 1º Tenente, ou seja, a viúva perceberá mais do que o dobro do que a remuneração do militar falecido, sendo que uma das pensões será vitalícia e de caráter indenizatório independentemente da idade da viúva e a outra será vitalícia se a viúva tiver mais de 44 anos de idade e temporária se inferior a isso.”