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CASO RARÍSSIMO

Como é viver com a doença que transforma pessoas em estátuas ao fazer músculos virarem ossos

Sintomas em hamburguense surgiram aos 4 anos e se acentuaram aos 18, com a perda de movimentos; entenda

Publicado em: 05/12/2024 às 15h:47 Última atualização: 06/12/2024 às 08h:46
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Quem vê Janaina Kuhn, 40, não imagina que ela porta uma rara doença genética que, quando qualquer músculo ou ligamento sofre alguma espécie de dano, em vez de se regenerar, o corpo cria ossos no local e começa, aos poucos, a restringir os movimentos da pessoa de forma permanente.

A Fibrodisplasia Ossificante Progressiva (FOP), também conhecida como a doença do esqueleto extra ou a doença que transforma pessoas em “estátuas”, afeta uma a cada 2 milhões de pessoas no mundo e, no Brasil, são apenas 105 casos confirmados, sendo 8 no Rio Grande do Sul.

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Janaína e a mãe Jacintha | abc+



Janaína e a mãe Jacintha

Foto: Weslei Fillmann/Especial

“A principal característica que marca uma criança, recém-nascida, como portadora de FOP é o dedão do pé mais curto e curvado. Praticamente todos (com essa característica) têm (FOP)”, comenta Janaína, que também é presidente da FOP Brasil.

Ela conta que o primeiro sinal significativo da doença, quando ainda não sabia que a tinha, surgiu aos 4 anos. Ao tentar escalar um muro, caiu e bateu as costas no chão, o que restringiu a movimentação do seu pescoço e deixou sua coluna rígida.

No entanto, ela afirma que teve infância e adolescência normais, correndo, jogando vôlei, brincando com as outras crianças. Mas, aos 18 anos, começaram as primeiras manifestações do que se mostraria algo muito mais sério.

“Comecei com dor, perdi o movimento do lado direito do quadril. [Durante uma cirurgia], abriram para ver o que tinha. Observaram e eu saí daqui [de Novo Hamburgo] com o diagnóstico de câncer”, relata. Na sequência, em Porto Alegre, a suspeita foi descartada.

O problema piorou quando ela fez a segunda cirurgia em um período inferior a um mês. “[Na segunda] cirurgia, o médico viu que o osso já estava enraizando no músculo. Só não sabia o que era. Depois, a bomba estourou”.

Ela perdeu o movimento dos dois ombros. “É horrível saber que tu tem algo que não tem cura, que pode te levar a ficar permanentemente imóvel em uma cadeira de rodas, seja sentada ou deitada”, comenta.

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Primeira suspeita veio em sessão de fisioterapia

Durante uma sessão de fisioterapia na Universidade Feevale, após um acidente em Estância Velha que afetou sua mandíbula, ela conta que a responsável pelo atendimento sugeriu que talvez fosse portadora da rara comorbidade.

Janaína acredita que ela tenha reparado no dedão do pé, sinal característico da FOP. “Nisso, eu me internei no hospital novamente. Pedi ao médico para verificar essa hipótese da FOP. Ele voltou [depois de um tempo] e falou: “agora a gente sabe o que tu tem”, relembra.

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“Tudo que o que tu não podia, a gente fez: tua doença não pode bater, não pode cair, não pode fazer cirurgia…”, desabafa.

Desde 2005 a doença estagnou. No período da pandemia da Covid-19, por ser uma pessoa de grupo de risco, ela precisou tomar a vacina e, para evitar complicações, tomou anti-inflamatórios por semanas. “Fiz a vacina e segui tomando por mais um mês, para não dar reação nenhuma e nem perda de movimentos”.

Quando era criança, ela chegou a cair de bicicleta e quebrou o cotovelo, mas a doença não se manifestou. “Até minha médica disse: tu é um caso da FOP bem das excluídas mesmo. Caí de escadas várias vezes. Antes dos 18 não dava nada”, brinca. Hoje, ela frequenta sessões semanais de hidroterapia, o que reduz os riscos de impactos que possam gerar novas lesões e aumento excessivo da massa óssea.

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O convívio com a FOP

Apesar de ser considerada uma portadora de grau leve da doença, ela enfrenta diversas dificuldades no seu cotidiano. “Sentar-se no chão não é possível, nem se agachar. Levantar também não. Para tomar banho, preciso da ajuda da mãe. No restante, a gente se vira”, comenta. Atualmente, Janaína mora em Dois Irmãos e convive, em um mesmo terreno, com seus outros irmãos.

A mãe Jacintha Kuhn comenta que sempre viu que tinha algo de diferente na filha. “Ela é irmã gêmea de um guri. Toda vez que eu falava para o pediatra, quando ela era pequena, que ela era diferente, na forma de caminhar, porque ela caía mais, ele falava que “a mãe tá vendo demais”. Todos os exames realizados na época não apontavam nenhuma anormalidade, alega.

Por ser presidente da FOP Brasil, Janaína mantém contato com outros pacientes, os quais a perguntam sobre procedimentos que ela fez para saber se podem fazer também. Contudo, ela explica que a doença se manifesta em cada um em intensidades diferentes.

Outra dificuldade relatada é a falta de conhecimento dos médicos da região. Todos que ela consulta, conta, sabem pouco ou nada a respeito da FOP. “Precisamos explicar o que é a doença, como é o tratamento, o que pode e o que não pode.”

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Suspeita da origem da doença na família

Em 2007, a família realizou um rastreamento genético para identificar de quem Janaína teria herdado a falha que gerava a calcificação em músculos e articulações. Segundo ela, a falha no gene chamado ACVR1, que ajuda a controlar o crescimento de novos ossos, não teria origem na mãe. Já o pai não participou deste rastreamento.

“Se eu tiver um filho, ele poderá ter a FOP. É uma loteria, porque não é garantido que será herdado”, comenta.

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Primeiros passos no Brasil

Médica consultora da FOP Brasil e membra do Conselho Clínico Internacional de Cuidados Clínicos e Tratamento da FOP, Patrícia Delai comenta que a doença despertou sua curiosidade no ano 2000, quando uma paciente com a doença apareceu na Santa Casa de São Paulo. Ela buscou diversas organizações e encontrou a entidade internacional.

Em contato com os demais integrantes, ela diz que assumiu a missão de encontrar os pacientes em território brasileiro. “Na época, não se sabia qual gene causava a FOP. Se sabia que era genética (a doença), mas não em qual e que precisava que a família tivesse mais que uma geração afetada para que fosse descoberto”, comenta Patrícia.

A médica, dermatologista de formação, destaca que, entre os casos confirmados, uma família no Brasil foi considerada ouro para identificação do gene defeituoso. “O pai tinha a doença, a mãe não tinha, o filho não tinha, mas as duas filhas tinham. Ela [a família] foi muito importante. O Brasil teve papel crucial na descoberta do gene que causa a doença”, avalia.

Ainda segundo Patrícia, há manejos clínicos destinados ao controle dos efeitos da doença, a partir da utilização de anti-inflamatórios e corticoides. Além disso, existem quatro drogas em estudos em todo o mundo, sendo três em testes clínicos no Brasil. As substâncias buscam agir em todo o percurso de formação óssea em locais errados.

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Ações para incentivar a identificação da FOP

A Associação Brasileira de Fibrodisplasia Ossificante Progressiva (FOP Brasil), fundada em 2004, busca divulgar e conscientizar pacientes para lidar melhor com a doença. Janaína a preside desde 2018.

O projeto de lei 5090/2020, de autoria do deputado Marcelo Aro (PP-MG), que está aguardando apreciação pelo Senado Federal, dispõe sobre a obrigatoriedade de exame clínico em recém-nascidos, a fim de identificar qualquer anomalia que caracterize a FOP. Desde 2022, o dia 23 de abril foi instituído como o Dia de Conscientização da Fibrodisplasia Ossificante para ampliar o conhecimento da população sobre a doença.

Janaína participará do Raro Talks, evento em Brasília que reúne pessoas com doenças raras que precisaram se reinventar como seres humanos, para contar suas histórias de superação e resiliência. O evento é gratuito e ocorrerá neste sábado (7), às 8 horas, no espaço Renato Russo. Não haverá transmissão do bate-papo.

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