RECOMEÇO
Como cidade da região se recupera após enchente histórica que atingiu 17% da população
Quatro meses após cenário de destruição, que teve até moradores resgatados de helicóptero, comunidade mostra como está a reconstrução de Lindolfo Collor
Última atualização: 25/10/2023 06:50
Em de junho de 2023, a passagem de um ciclone extratropical pelo Rio Grande do Sul causou a maior catástrofe já registrada em Lindolfo Collor. Em cerca de três horas, a água do Arroio Feitoria transbordou entre a noite de quinta e a madrugada de sexta-feira (16 de junho), e inundou a pequena cidade da Encosta da Serra, com pouco mais de 6 mil habitantes.
Em torno de 350 famílias foram afetadas, muitas delas precisaram de resgate ao ficarem ilhadas sobre os telhados de suas casas, onde a água atingia. Um homem ficou seis horas agarrado em uma árvore até ser socorrido. Em outro caso, um bebê de um ano estava sendo retirado de casa pela mãe, dentro de um balde, quando a correnteza o levou, felizmente, um vizinho conseguiu salvá-lo ileso. Até mesmo um helicóptero foi necessário para resgatar os moradores.
Cerca de 17% da população foi atingida e mais de R$ 3,1 milhões foram contabilizados em prejuízos somente pela Prefeitura. Casas foram danificadas, famílias perderam tudo e precisaram de doações para se reerguerem. Nos dias seguintes, o cenário na Avenida Capivara, que corta o município, era de escombros. Pilhas de móveis e entulhos, cobriam as calçadas e os varais não davam conta de tanta roupa estendida.
Volta por cima
Passados quatro meses, os moradores conseguiram dar a volta por cima graças à solidariedade. E para aquilo que não foi reconquistado, o trabalho continua. As casas foram lavadas para tirar a lama que mostrava onde a água chegou, mas marcas da destruição ainda podem ser vistas.
O piso do Ginásio Municipal Herbert Oscar Enzweiler, que é de madeira, inchou e se curvou. Terá que ser todo trocado. Atrás do ginásio, uma quadra de areia teve seus postes e telas derrubadas, assim como a cerca ao redor da pracinha infantil. A calçada e o asfalto da Avenida Capivara foram levados pelas águas em alguns pontos, mas já encontram-se novos.
Conforme o prefeito Gaspar Behne, o município recebeu R$ 551.878,36 da Defesa Civil Nacional. Esse valor será utilizado para reconstrução do piso do ginásio, limpeza urbana e reconstrução dos cercamentos. “Perdemos três veículos (que tinham seguro), tivemos problemas em motores de maquinários da Secretaria de Obras. O almoxarifado, que fica no andar de baixo da Prefeitura, foi atingido por mais de dois metros de água, então perdemos muitos equipamentos eletrônicos e outros materais”, conta.
Aos poucos, as salas do Centro Comercial estão sendo pintadas e os móveis substituídos. A Biblioteca Pública Municipal também teve seu acervo destruído, e agora conta com doações para ser reposto. “Em função da enchente, muita sujeira acabou entrando no rio, como madeiras, móveis, objetos particulares, lixo em geral. Isso acaba represando em pontos do rio, ocorrendo assim mais alagamentos”, diz a assessoria de imprensa da Prefeitura.
Perdas e memórias que não voltam
Entre os moradores afetados, está a aposentada Iraci Lopes, de 63 anos. Na época em que a enchente quase cobriu sua casa, sua mãe, Iracema, 83, ainda morava com ela. As duas precisaram sair da residência e se alojar na casa da vizinha Rosângela Grutzmann, 38, que mora em frente, mas em uma área mais alta. Iraci perdeu praticamente tudo o que tinha dentro de casa, inclusive as peças que vende em seu brechó.
Hoje, leva uma vida praticamente como a que tinha antes da inundação. Porém, sua mãe, com medo de passar por isso novamente, foi morar com outra filha, em Parobé, no Vale do Paranhana.
Mas o que mexe profundamente com os sentimentos de Iraci, é a perda das fotos e lembranças da filha Alice, que faleceu em março deste ano, aos 35 anos. “Nós ainda estávamos muito abalados pela partida da Alice e aconteceu isso. Algumas fotos a gente tem no celular, mas a maioria foi perdida”, conta emocionada.
A vizinha Rosângela vive com mais quatro pessoas em casa, mas naquela noite, outras 11 buscaram refúgio em seu lar. Além deles, a casa abrigou também oito cachorros e cinco gatos, um deles, salvo pelo filho Gustavo, de 10 anos, que resgatou o animal debaixo do box de uma cama, quando estava prestes a se afogar. Apesar da água não ter entrado em sua casa, a família perdeu o carro, que estava na garagem abaixo.
Foi da moradia de Rosângela, que Iraci viu as águas marrons do Feitoria praticamente cobrirem as paredes de sua casa. Quando o nível baixou, já no dia seguinte, o cenário de destruição apareceu, mas as lembranças da filha Alice desapareceram. “Foi muito cruel, mas assim como as rosas floresceram de novo mesmo com o lodo, a gente segue em frente. Acabei ganhando uma filha de coração”, diz Iraci referindo-se à vizinha.
A arte do recomeço
Gaiteira, trovadora, tradicionalista, marceneira, mas acima de tudo, artista. Assim pode ser definida Edilamara Azevedo, 65, a Xirua. Ela mora ao lado da casa de Iraci, e assim como a vizinha, teve a casa tomada e destruída pela enchente.
Da perda, ela viu a oportunidade de recomeçar, mas do seu jeito. Com serra, pregos e martelo em mãos, ela mesma fez novos móveis: um roupeiro, duas cômodas, cadeiras, mesa, armários da cozinha, bancos, estantes. Tudo construído e pintado por ela. “Eu nunca gostei de pedir nada, então, apesar de ter perdido muita ferramenta, resolvi fazer tudo do meu jeito. Eu respiro arte”, conta.
O que não pode ser reconstruído, são os DVDs e fotos de suas apresentações tradicionalistas pelo Estado e pela América do Sul. Mesmo assim, isso não lhe abate. “A história a gente reescreve”, define.