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PRESERVAÇÃO

Como a aplicação da Lei das Águas poderia evitar muitas perdas no Rio Grande do Sul; relembre como foi criada

Não cumprimento da lei tem impacto direto em desastres naturais, como as enchentes

Eduardo Amaral
Publicado em: 15/03/2024 às 07h:54 Última atualização: 19/04/2024 às 18h:53
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Em 1994, o Rio Grande do Sul marcava sua história como pioneiro na proteção dos rios com a aprovação da primeira Lei das Águas do País. O texto sancionado ao final daquele ano serviu de inspiração para a criação de uma Lei Nacional das Águas, em 1997. E todo esse movimento começou justamente no Vale do Sinos, com a criação do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos (Comitesinos).

Rio dos Sinos | abc+



Rio dos Sinos

Foto: Comitesinos/Divulgação

Com a criação do Comitesinos, pela primeira vez na história o Brasil tinha um grupo oficial com participação da sociedade civil interferindo diretamente na gestão das águas. O grupo serviu de inspiração para a criação de outros comitês, que tiveram um papel fundamental para a criação da Lei das Águas.

Porém, passados 30 anos, o Estado ficou para trás neste cuidado. Em uma série de três reportagens, o ABC vai contar o que levou a criação da lei, seus avanços e também aquilo que não saiu do papel e os motivos.

Um rio morto

No dia 17 de março de 1988 foi criado oficialmente o Comitesinos, o primeiro comitê deste tipo no Brasil. Essa organização da sociedade civil veio em um dos momentos mais críticos do Rio dos Sinos, que apresentava um nível preocupante de poluição. “A grande preocupação naquele momento era com a poluição industrial, principalmente do setor calçadista. Tinham detectado que o rio estava praticamente morto”, lembra a atual presidente do Comitesinos, Viviane Feijó Machado. A partir de então começaram os debates que culminaram na lei 10.350 de 1994.

Nesta lei foi definida como deveria ser a composição dos Comitês de Bacias em todo o RS. O texto prevê uma maior participação da sociedade civil do que dos governos: 20% das vagas são ocupadas por órgãos da administração direta estadual e federal; 40% para representação da população; e outros 40% para usuários – quem retira água diretamente do rio para atividades econômicas, como indústrias, fazendas, empresas de saneamento e abastecimento, entre outros.

Exploração

Para que empreendimentos possam utilizar a água diretamente dos rios é preciso receber uma outorga concedida através do Sistema de Outorga de Água do Rio Grande do Sul. O órgão estadual regulamenta o quanto daquele rio ou açude pode ser utilizado.

Especialista em recursos hídricos e saneamento básico da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Marco Antônio Amorim afirma que a discussão no Comitesinos foi um marco para a gestão de águas. “Se viu naquele movimento o anseio por uma gestão que fosse descentralizada, com a participação tanto do poder público, da sociedade civil e dos próprios usuários de água”, explica Amorim, lembrando que o modelo gaúcho, que depois se tornaria nacional, buscou inspiração na lei aplicada na França naquele momento.

Sem avanços concretos até aqui

Mas ao longo de três décadas, muito do que se colocou no papel como forma de melhorar a qualidade das águas no Rio Grande do Sul ainda não evoluiu. Um dos pontos mais importantes que segue sem avanço é a cobrança aos usuários, que não foi aplicada por nenhum dos 25 comitês. O Comitesinos está em tratativas avançadas, mas ainda sem data para acontecer de fato.

Outro mecanismo de gestão deixado de lado foram os Planos de Bacia Hidrográfica. Mesmo em casos em que os mesmos foram escritos, como o da Bacia do Sinos. Finalizado apenas em 2014, o plano não passa de estudos no papel, sem aplicação efetiva.

Promotora de Justiça Regional Ambiental em Taquara, Ximena Cardozo Ferreira aponta os principais responsáveis por causar entraves ao pleno funcionamento da lei. “Os maiores usuários são os que estão impedindo que isso seja destravado. Falando aqui na nossa região, na Bacia do Sinos, esses maiores usuários estão na indústria e na agricultura, mas também as empresas de abastecimento de água, boa parte municipais, e a própria Corsan, que agora é Aegea”, aponta Ximena.

Por que implementar a lei?

Ximena é taxativa ao apontar como a implementação de todos os elementos da lei gaúcha poderia ter evitado uma série de problemas que se tornaram quase comuns ao longo dos anos.

“Temos na Bacia do Rio dos Sinos muitos casos de ocupação de planície de inundação e com a consequência da inundação posteriormente, justamente porque foi autorizado ocupação do solo em áreas que deveriam estar reservadas ao movimento hidrológico. Se tivéssemos tido esse cuidado anteriormente, muitos danos teriam sido evitados, danos patrimoniais e também humanos”, avalia a promotora, que desde 2008 atende a região da Bacia do Rio dos Sinos.

A letargia governamental colocou o Ministério Público no jogo, que em 2008 abriu o primeiro inquérito que buscava investigar os motivos para os diferentes governantes que passaram pelo Palácio Piratini não terem avançado no cumprimento da lei. O primeiro resultado veio justamente em 2014, quando foi finalizado o Plano de Bacias do Rio do Sinos, e na sequência foi finalizado o da Bacia do Rio Gravataí.

Mas outros inquéritos foram abertos, todos seguindo a mesma linha, uma tentativa de forçar os gestores públicos a fazerem cumprir uma lei de quase três décadas que, como apontam estudiosos, poderia ter evitado perdas econômicas e humanas.

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