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JOGOS DE AZAR

"Comecei com R$ 20": Vício em apostas online fez moradora da região perder R$ 200 mil em oito meses

Apostas online prometem dinheiro fácil, mas acumulam perdas financeiras entre apostadores

Publicado em: 03/10/2024 às 15h:41
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O vício em apostas online tem causado uma preocupação generalizada no Brasil. A promessa de dinheiro fácil costuma atrair os apostadores, mas conforme se aventuram pelos aplicativos de apostas – também conhecidos como bets – as perdas e os riscos começam a aparecer.

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Ana Paula perdeu R$ 200 mil em jogos de azar online.  | abc+



Ana Paula perdeu R$ 200 mil em jogos de azar online.

Foto: Letícia Breda/GES-Especial

Foi esse descontrole pelo jogo que prejudicou completamente a vida da empreendedora Ana Paula Schmitt, de 31 anos. Moradora de Estância Velha, ela começou a apostar em maio de 2023 e viu sua situação financeira despencar em questão de meses.

“Eu seguia várias blogueiras que divulgavam plataformas de jogos online. Comecei com um valor de R$ 20, que de primeira virou R$ 100, mas logo fui perdendo tudo o que tinha”, conta.

FIQUE POR DENTRO: Proibição do uso de cartões de crédito em apostas e jogos online é antecipada

A empreendedora chegou a perder R$ 200 mil em apostas. Segundo Ana Paula, a percepção de que precisava de ajuda veio após o refinanciamento do próprio carro. “Me dei conta que a situação saiu totalmente do controle quando vendi meu carro e consegui R$ 22 mil, que em uma tarde perdi no jogo”, disse.

Com a situação, buscar apoio da família foi complicado. A vergonha e o medo de assumir o problema assolaram a vida da moradora, que precisou pedir socorro ao marido e aos pais. “Estou tentando seguir minha vida, não sei se vai voltar ao normal. Vai demorar muito para eu me estabelecer”, lamenta Ana Paula.

O vício em jogos online fez a empreendedora estourar os limites dos cartões de crédito e apelar por dinheiro emprestado de outras pessoas. Hoje, Ana Paula está desde agosto sem apostar, o que tem sido conquistado com muita luta. “Quando se ganha, é uma sensação muito boa. Só que quando perdemos, a culpa te assola e queremos recuperar. Foi assim que vício me cegou”, expõe.

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“Dinheiro amaldiçoado”

Submersa no mundo das apostas online, Ana Paula chegou a receber propostas de plataformas para divulgar os jogos. A empreendedora achou que essa era uma maneira de conseguir uma renda extra, mas logo percebeu as contravenções acerca das apostas.

“Me chamaram para divulgar os aplicativos, mas eu vi que aquele dinheiro que estava entrando era amaldiçoado. Estava ganhando grana em cima da tristeza das pessoas”, afirma.

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Com o objetivo de incentivar a população a falar sobre o vício em jogos virtuais e alertar os riscos, a moradora de Estância Velha publicou um relato em suas redes sociais sobre a situação. O depoimento em vídeo teve mais de 50 mil visualizações e dois mil compartilhamentos até esta quinta-feira (3). O relato culminou em mensagens de apoio, mas também críticas.

“Muitas pessoas falaram que ninguém me obrigou a jogar, só que em nenhum momento eu falei que alguém me forçou. Porém, fui influenciada pelas blogueiras falando em renda extra fácil e me iludi”, disse.

Existe tratamento para vício em jogos

Assim como o álcool e as drogas, os jogos de azar também podem levar as pessoas à dependência patológica, condição que é chamada de ludopatia. A doença é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1980.

A aposta pode causar a liberação de dopamina, neurotransmissor associado ao prazer e à satisfação. No entanto, de acordo com a professora Lisiane Bizarro, do Instituto de Psicologia, Serviço Social, Saúde e Comunicação Humana da Universidade Federal do RS (UFRGS), o problema não é a substância que o cérebro libera, mas sim a maneira que os apostadores se comportam diante disso.

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Gastar tempo excessivo em apostas é um dos sinais de alerta para o vício, o que também é notado por aqueles que convivem com o dependente. “As pessoas falam porque se preocupam com o tempo e dinheiro que está sendo despendido em uma atividade que pode acarretar uma espiral de problemas”, afirma Lisiane.

Reconhecer a dependência e assumir que precisa de ajuda externa são os primeiros passos para largar as apostas. “Sozinho é muito difícil deixar uma dependência, o principal é admitir o problema e procurar ajuda. A abordagem em grupo é importante, como existem os Alcoólicos Anônimos (AA), que estão preparados para acolher essas demandas”, explica Lisiane.

Um grupo de apoio de Porto Alegre oferece ajuda às pessoas que apresentam vícios em jogos. Chamado de Jogadores Anônimos (JA), o grupo sem fins lucrativos atende em média 130 pessoas, divididas em sessões de terapia presencial e online.

O principal preceito do JA é a garantia do anonimato, uma segurança importante para quem busca por auxílio. Segundo um dos voluntários, que prefere não se identificar, os números de apostadores compulsivos têm crescido exponencialmente. “Em meados de 2022, a sala tinha umas 20 pessoas e hoje triplicou”, disse.

O grupo fica localizado em uma sala na Igreja São Geraldo, na Avenida Farrapos, número 2611, na capital. Interessados em participar da irmandade podem entrar em contato pelo WhatsApp (51) 98030-2002.

Defensoria Pública quer apurar danos

A Defensoria Pública do Estado (DPE) abriu um Procedimento para Apuração de Dano Coletivo (Padac) contra as maiores casas de apostas do País. O documento, assinado por defensores públicos do Núcleo de Tutelas Coletivas, quer que as plataformas apresentem informações sobre a ciência de eventuais danos causados aos consumidores.

A ação analisa situações como publicidade enganosa, falta de transparência nas regras de apostas e pagamentos de prêmios, participação de menores de idade e de pessoas portadoras de ludopatia, bem como a imposição de cláusulas contratuais abusivas.

“A DPE está muito preocupada com uma pandemia de superendividamento que o Brasil vem sofrendo já há alguns anos. Contudo, aqui no Estado, a situação foi intensificada por conta da crise climática que resultou em maior inadimplemento e miséria financeira das pessoas”, explica o defensor público Felipe Kirchner.

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A DPE acredita que a atividade das casas de apostas pode ser responsável por aumentar o superendividamento. “As bets realmente exploram grande parte da vulnerabilidade dos consumidores com marketing, que é intrusivo, utilizando inclusive figuras de apelo popular”, afirma.

Conscientização nas empresas

A preocupação com o crescimento exponencial das apostas online principalmente entre famílias de baixa renda também acendeu um alerta na Federação das Indústrias do RS (Fiergs). A entidade levou o Serviço Social da Indústria (Sesi-RS) a desenvolver um trabalho que está sendo levado às empresas a fim de apoiar os trabalhadores.

Os materiais buscam conscientizar colaboradores e orientar lideranças sobre os riscos da dependência de jogos, com palestras e rodas de conversas sobre os malefícios deste comportamento, além de sessões de terapia. “É uma questão muito séria que está comprometendo ainda mais os orçamentos das famílias, além de causar danos psíquicos e emocionais, já que causam vício”, reforça o presidente da Fiergs, Cláudio Bier.

Governo federal defende regularização

A partir do dia 11 de outubro, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) derrubará o acesso de pelo menos 600 plataformas de apostas online que não pediram autorização ao Ministério da Fazenda para operarem no Brasil. A lista de sites e aplicativos autorizados conta com 199 bets.

A orientação do governo federal é que os apostadores que tenham crédito positivo nas plataformas saquem os dinheiros antes do banimento. A consulta das empresas autorizadas está no Sistema de Gestão de Apostas (Sigap) do ministério.

A regularização desse mercado tem sido discutida com frequência pelo governo. O Banco Central (BC) estimou que o valor gasto em Pix pela população em apostas eletrônicas foi de R$ 20,8 bilhões por mês nos primeiros oito meses de 2024.

Outro dado alarmante diz respeito aos beneficiários do Bolsa Família. Só em agosto, segundo dados do BC, foram transferidos R$ 3 bilhões às bets, também via Pix. A análise técnica do banco aponta que cerca de 5 milhões de beneficiários – de um total de 20 milhões – fizeram apostas.

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