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Claudio Strassburger: Relembre duas das últimas entrevistas do empresário ao Jornal NH

Strassburger morreu nesta quarta-feira e deixa como legado a exportação do calçado brasileiro para o mundo

Publicado em: 02/11/2023 18:11
Última atualização: 02/11/2023 18:14

Falecido nesta quarta-feira (1º) aos 95 anos, o empresário, ex-deputado e ex-vice-governador do Rio Grande do Sul Claudio Strassburger levava uma vida discreta após décadas de atividades em prol do desenvolvimento regional e do setor calçadista.


Claudio Strassburger foi vice-governador do Rio Grande do Sul entre 1983 e 1987 Foto: Ibtec/Divulgação-Arquivo

Nos últimos anos Strassburger concedeu poucas entrevistas. Uma delas foi em 2015 (texto abaixo) para a reportagem especial do Grupo Sinos "Calçado: do apogeu aos tempos de crise", assinada por Adair Santos e Diego da Rosa, e outra em novembro de 2017 para o colunista Alejandro Malo (veja o vídeo abaixo).

O patrono da exportação de calçados

O empresário Claudio Ennio Strassburger é considerado não apenas um dos grandes responsáveis pela expansão do segmento, como também o patrono da exportação. "Não fomos os primeiros no Brasil a exportar calçados, mas os pioneiros a exportar com sucesso e a continuar vendendo para o exterior", lembra ele, ainda residindo em Campo Bom.

A atuação em defesa das causas do setor também o levou à carreira política: em 1978 foi eleito deputado federal pela Arena e, em 1982, vice-governador na chapa de Jair Soares, pelo PDS. Além disso, atuou como secretário no governo de Sinval Guazzelli.

Apostando na sandália Franciscano, o grupo chegou a ter 15 fábricas e a gerar 5,5 mil empregos diretos e mil indiretos, mas acabou sucumbindo à crise iniciada em 1994, com o Plano Real, e fechou as portas em 1997.

Atualmente (2015, quando a reportagem foi publicada), dedica-se à criação de gado e cavalo em suas fazendas no Uruguai e no Rio Grande do Sul, atividades que não têm mais qualquer relação com o calçado.

A seguir, Strassburger relembra a epopeia que foi vender para empresas inglesas nos primórdios da exportação. "Hoje está mais difícil exportar o calçado popular, pois os impostos brasileiros oneram em grandes proporções. A saída das empresas é vender sapato mais elaborado, mais fino", salienta.

Grupo Sinos: Quais foram as dificuldades em exportar nos anos 60, época em que foi preciso desbravar esse novo nicho de mercado que se abria?

Claudio Strassburger: A região contava com a mão de obra e com o couro, o que me fez ter a ideia de construir algo em torno da exportação. Isso surgiu após visita, em uma comitiva, aos Estados Unidos, em 1960. O Vale do Sinos tinha uma grande dificuldade no preço do calçado e estávamos começando a perder terreno porque o Norte e o Nordeste produziam sandálias sem pagar impostos, e nós pagávamos. Mas a excelência da mão de obra estava aqui.

Grupo Sinos: Foi preciso diagnosticar o gosto do estrangeiro, no caso o consumidor inglês...

Strassburger: Eu tive a felicidade de conseguir fazer um calçado, uma sandália como o inglês e o canadense queriam e, logo depois, como o norte-americano queria. Viajávamos para as feiras da Europa e, em uma ocasião, nos aproximamos muito do pessoal que fabricava. Em um jantar, um exportador me disse: '‘Não perca teu tempo indo para qualquer lugar, vá para a Inglaterra, que está começando a lançar moda'’. E os Beatles tinham acabado de explodir. Em 1965 eu já havia exportado, mas não obtive sucesso.

Grupo Sinos: Quais foram os motivos do fracasso naquela ocasião?

Strassburger: Eu não consegui fabricar exatamente o que o importador e o consumidor norte-americano desejavam. exportei o que eu produzia, e não era assim. Eles importavam o que queriam consumir, e não o que a gente queria vender.

Grupo Sinos: Quais foram as pessoas importantes nesses contatos?

Strassburger: O segundo secretário Ferreira Lopes, do consulado na Inglaterra, fez os contatos com os compradores, e eu cheguei à British Shoe Corporation. O comprador, chamado Robert, olhou meus sapatos e disse: ‘‘Nada disso me interessa’’. Depois saiu e voltou com quatro modelos de sandálias. Atirou no chão e disse que seu eu conseguisse fazer igual com preço compatível, compraria de mim. Peguei o primeiro avião de volta e desenvolvi um couro, que era um pouco mais grosso, e um acabamento mais natural, com menos tinta, especial na cor que eles queriam. Em 10 dias, voltei com as amostras e, de cara, firmei a encomenda de 15 mil pares.

Grupo Sinos: Por quanto tempo perduraram as exportações?

Strassburger: Por mais de dez anos. A British Shoe Corporation tinha duas mil lojas na Inglaterra e 500 em outros países. Mas adquirimos novos clientes depois. Um americano apareceu, mandado por um grupo europeu, para desenvolver um sapato para os Estados Unidos. A gente achava até que ele era espião, pois ia em várias fábricas. Depois que foi embora, coincidentemente começaram os problemas nas exportações. Mas sabíamos que era preciso aproveitar porque, em 10 ou 15 anos, eles fabricariam calçados mais populares. Demorou 25 anos, mas aconteceu.

Grupo Sinos: Quais os entraves da época?

Strassburger: Não havia cotação para calçados e o preço por metro cúbico no navio era superior a 100 dólares, mas conseguimos depois uma taxa reduzida de 50 dólares. Quando o governo lançou o lema '‘Exportar é a solução'’, me agarrei com unhas e dentes.

Grupo Sinos: Como ingressaste no setor?

Strassburger: Meu pai, Carlos Strassburger Filho, ia perder seu contador na fábrica em Campo Bom e disse que precisava de alguém de confiança. Era junho de 1945 e eu estudava Direito na PUC. O carro-motor, bonde que ia pelos trilhos de Campo Bom a Porto Alegre em uma hora e 20 minutos, foi a minha grande sala de aula.

Grupo Sinos: Como ocorreu a expansão?

Strassburger: A fábrica tinha 60 funcionários e fui incrementando, inventando métodos. Meu pai me deu uma cota, mas havia irmãos e tios como sócios, formando um grupo familiar. A fábrica já havia sido fundada por um sócio alemão, que deixou-a após alguns anos. Em uma oportunidade, nos anos 60, comprei um concorrente, a calçados Piloto.

Grupo Sinos: O senhor aprendeu todas as funções do chão de fábrica?

Strassburger: Sim, e também a aprimorá-las. Fomos aos poucos aumentando a fábrica e fizemos o grupo nos tempos da exportação. Nestor Schneider, o Fips, foi muito importante para nós, atuando como relações públicas e recebendo autoridades e a maioria dos presidentes da época no Rancho da Amizade, a nossa fazendola em Campo Bom.

Grupo Sinos: E como o senhor acabou entrando para a política?

Strassburger: Sempre que tinha uma dúvida, o governo mandava me chamar. Foi então que comecei a me tornar uma figura pública. Após, fui deputado federal, secretário da Indústria e Comércio do Guazzelli e vice-governador. Sempre trabalhei pelo setor.

Grupo Sinos: Mas a sua ausência acabou coincidindo com a decadência das suas empresas...

Strassburger: Acredito que minha ausência tenha sido ruim, pois a empresa fechou as portas. Começou uma concorrência forte da parte da Coreia, já que minhas fábricas produziam tênis e começaram a entrar esses produtos também da China a preços baixíssimos, sem pagar impostos. Não dava para concorrer, como ocorre até hoje.

Grupo Sinos: Porém, em 1997 o senhor já estava de volta à administração das empresas...

Strassburger: Sim, mas não tive como conter a falência porque o governo desmontou o sistema de exportação das empresas alocadoras de mão de obra, como calçado, têxtil e brinquedos. E aí começou o desemprego.

Grupo Sinos: Hoje o foco é na qualidade?

Strassburger: Temos bons artesãos, embora a China tenha levado muita gente. Acho que o que vai acontecer com o Brasil será o mesmo que aconteceu com a Espanha: especializar-se em calçados de melhor qualidade. Deve renascer a capacidade de produzir sapatos melhores, já que perdemos mercado para o Nordeste e, depois, para a Coreia e para a China. A região tem potencial para continuar com fábricas menores e mais especializadas.

Grupo Sinos: Só que atualmente a vocação do vale já não é mais exportadora...

Strassburger: O Estado perdeu o potencial exportador porque os mandatários não se preocuparam no desenvolvimento com relação à energia elétrica, espantando investidores. Poderíamos estar hoje no mesmo nível de São Paulo.

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