Em busca de um lar
CATÁSTROFE NO RS: Famílias inteiras rumam ao litoral norte à procura de abrigo
Casas de veraneio se tornam lar para quem perdeu tudo nas cheias; em Imbé, familiares e amigos de Canoas e Porto Alegre se reúnem para se abrigar
Última atualização: 10/05/2024 19:07
Muitas pessoas da região metropolitana atingidas pelas cheias migraram para o litoral norte, para praias como Imbé (onde o prefeito chegou a decretar calamidade e recuou na medida - após muitas críticas - porque pessoas buscavam abrigo nas casas de veraneio da cidade) ou Tramandaí.
Estima-se que milhares de pessoas migraram para Imbé, Tramandaí, Capão da Canoa ou para praias mais próximas à capital, como Pinhal e Cidreira.
Uma migração em busca de abrigo seguro com água, luz e, principalmente, um local seco para dormir e se alimentar.
De crianças a idosos, as famílias formam uma corrente de solidariedade e, em mutirão, cozinham, buscam roupas, cobertores e um alento em meio à tragédia que vivem.
Muitos perderam tudo: o lar com os móveis, eletrodomésticos, roupas e recordações ou até mesmo toda casa que se foi em meio à força das águas. O que resta agora é sobreviver, ajudar uns aos outros e buscar formas de se reerguer em meio à tempestade que ainda segue.
O casal Mari Cardoso Martins e Adroaldo Costa Martins, que são de Porto Alegre e têm familiares e amigos em Canoas, juntamente com a filha Angélica Martins, organizaram um abrigo na casa de praia da família e de vizinhos, em Balneário Presidente, Imbé.
Já são quase trinta pessoas abrigadas, entre familiares e amigos. Todos têm suas histórias da tragédia. A maioria perdeu tudo, com as suas casas totalmente inundadas
Muitos, com crianças pequenas, ficaram ilhados à espera de resgate; outros foram saindo de suas casas antes que fossem tomadas e buscaram abrigo em casas de outros familiares, que, com o avanço das cheias, também acabaram tendo que abandonar tudo.
O drama de ver tudo perdido
Regina Lippert destaca: "sem palavras, não tem como descrever isso o que a gente está vivendo". Segundo ela, a tragédia pela qual passou só não foi pior porque ela deixou a casa, em Canoas, antes dela ser totalmente inundada.
"Assim que soube que a água iria vir, fui para a casa do meu filho, e depois fui para casa do outro; depois fui para Porto Alegre, e, finalmente, vim aqui para a praia. A minha casa ficou totalmente alagada. Não se enxerga nada... até o telhado."
Já Andressa Camargo, ao lado da família, teve que deixar tudo para trás no bairro Harmonia, em Canoas. "Eu e mais 20 pessoas ficamos ilhadas na casa do meu tio, que hoje também é minha casa. Ela tem dois pisos e nesse segundo piso já estava chegando a água. Se passou acho que umas 20 horas e não chegava resgate. A gente via eles resgatando outras pessoas, mas nós não. Escureceu, e depois de muito grito que tinha criança (e aí Andressa se emociona), aí eles nos resgataram. Hoje a gente tá aqui, vivo, e isso é o que importa. E só quero agradecer a todos pela ajuda."
Ana Carolina, filha de Andressa, e que trabalha com Angélica no Atelier das Flores, conta que teve que deixar a casa no bairro Mathias Velho quando as águas começaram a avançar. "Quando água passou do dique, eu e meu esposo fomos para minha mãe. E aí a gente foi resgatada domingo. Minha casa segue embaixo d'água."
Fátima Camargo, também relata situação trágica da família: "Nunca imaginei que iria passa por uma situação dessas. A minha sobrinha estava querendo que eu subisse lá para cima - a gente mora no primeiro andar e aí no segundo tem a minha filha - e eu duvidei. Achei que não chegaria a este ponto. É muito triste ver a tua casa ser invadida pelas águas e tu não poder fazer nada. Fomos resgatados aos poucos, nós e as crianças, com chuva, porque éramos 20 e tinha pouco barco".
"Não temos mais nada, nem casa..."
Já Judite Camargo, ao lado do marido, também moradora do bairro canoense Rio Branco, conta que saiu antes da água subir e se abrigou na casa da filha. "Mas, infelizmente, não deu para ficar. A água foi subindo, e subindo muito; e gente ficou sem água, sem luz e depois teve vazamento de gás e a gente pedia socorro e nada. Até que foi um anjo que socorreu agente num barco de pesca, já escuro e chovendo. Aí andamos uns 40 minutos dentro da sem saber onde a gente andava. Mas graças a Deus a gente conseguiu chegar em lugar seguro e estamos com saúde."
Buscando conter o choro, ao lado do marido, Judite relata a dor da perda. "Perdemos tudo, não temos nada mais. Nem casa. Minha casa foi toda embora. Nossa casa era muito, de madeira, e hoje sei que não tem mais nada lá."
Romario Lopes, que também trabalha no Atelier das Flores, relata que teve que passar por três casas para se livrar da água. "Hoje eu não consigo ver o telhado da minha casa. Muito triste isso. A gente trabalha uma vida inteira para construir uma coisa, ter alguma coisa e, literalmente, vai tudo por água abaixo."