ESCOLA DE FRAUDE

Caso dos diplomas falsos nos vales do Sinos e Caí envolve até curso para polícia

Professor aprovado em concursos públicos na região recebeu mestrado e doutorado de uma fábrica de falcatruas na área da educação

Publicado em: 05/04/2023 07:10
Última atualização: 01/03/2024 09:23

Os diplomas falsos usados por um professor de Letras para passar em concursos públicos recentes nos vales do Sinos e Caí, conforme revelado pela reportagem, representam pequena amostra de uma fábrica de fraudes na área da educação. A "faculdade" responsável pelos certificados oferece até curso para polícia. E o dono, que assina os documentos, pode ser uma pessoa inventada.

Tenente-coronel é um catedrático inventado pelo esquema Foto: Reprodução

O Instituto Missão da Paz, de Goiás, que forneceu diplomas de mestrado e doutorado em Ciências da Religião para o professor de Canoas Jefferson Back Paiva, 36 anos, tirar nota máxima na prova de títulos em Portão e Salvador do Sul, também promove o insólito curso de capelania militar. O dono, que se identifica como pastor Washington Luiz Albernaz de Sousa Santos, aparece fardado e se diz tenente-coronel em Goiás.

Golpe

O programa curricular, que oferece pacote com "uniforme e patente militar", anuncia ingresso como oficial religioso nas polícias e Forças Armadas. Há suspeita de inscritos de vários Estados que pagaram os R$ 1,2 mil pela formação e caíram em golpe. O Instituto Missão da Paz, que usa os nomes "Faculdade e Seminário de Educação Teológica" e "Seminário de Educação Teológica Evangélico Cultural", tem como endereço de CNPJ um boteco na cidade de Catalão, quase na divisa com Minas Gerais.

Anúncio oferece pacote com "uniforme e patente militar"

"É um curso fajuto", afirma capelão da Brigada Militar

"É um curso fajuto, porque não tem reconhecimento por nenhuma igreja. Para ser capelão, é necessário vínculo de mínimo cinco anos com instituição religiosa e curso superior de Teologia credenciado pelo MEC (Ministério da Educação)", afirma o capelão da Brigada Militar, padre Alexandre Silveira Chaves. "Estou acionando nosso jurídico porque recebi informações de um curso desses usando imagens nossas."
Nas Forças Armadas e Estados onde a capelania faz parte do quadro de servidores militares, o ingresso é por concurso público para a função, equiparada à patente de oficial.

"Aqui na Brigada Militar, é um trabalho voluntário exercido pela Igreja Católica, assim como evangélicas. Eu, por exemplo, não uso farda porque não sou membro efetivo da instituição", observa o padre.

"Essa pessoa não existe", diz agente de Goiás sobre "reitor" dos diplomas

A Polícia Militar de Goiás passou a apurar, por meio de informações da reportagem, a situação do homem que se apresenta como capelão da corporação. "Ele não é da PM de Goiás. Estamos buscando mais dados", declara o chefe da Comunicação Social da instituição, tenente-coronel Wallace Moraes.

Um policial civil goiano vai além: "Essa pessoa não existe. Não dá para saber se o nome condiz com a pessoa da foto, pois, como possível golpista, é pouco provável que vá vincular seu verdadeiro nome e imagem." Além de tenente-coronel, o diretor do Instituto Missão da Paz menciona que já atuou como escrivão de Polícia no mesmo Estado. "Washington Luiz Albernaz de Sousa Santos não é policial civil em Goiás", afirma a chefe da Divisão de Comunicação da instituição, delegada Paula Meotti.

A reportagem apurou que pessoa de mesmo nome recebeu R$ 3,7 mil de bolsa família em Catalção, entre abril e dezembro de 2020. No vasto currículo, Washington se apresenta como pós-doutor em Ciências Sociais e bacharel em Direito por Harvard (EUA).

Balcão de títulos

Professor segue em Portão e é aprovado em São Sebastião do Caí

O processo administrativo segue sem prazo de conclusão na prefeitura de Portão, onde o professor Jefferson está há um ano no cargo de supervisor educacional. O Ministério Público acompanha o caso. O investigado não quer se manifestar. "Isso está sendo respondido na Justiça", resume.

No último dia 23, teve a posse anulada como professor de espanhol em Salvador do Sul, também sob acusação de uso de documento falso. Na semana passada, foi publicada a aprovação dele em concurso público em São Sebastião do Caí para o cargo de Serviços de Atendimento Educacional Especializado. As três seleções foram organizadas pela empresa Legalle, de Caxias do Sul. Ela não esclareceu à reportagem como fez a avaliação dos diplomas do suspeito.

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