ESCOLA DE FRAUDE
Caso dos diplomas falsos nos vales do Sinos e Caí envolve até curso para polícia
Professor aprovado em concursos públicos na região recebeu mestrado e doutorado de uma fábrica de falcatruas na área da educação
Última atualização: 01/03/2024 09:23
Os diplomas falsos usados por um professor de Letras para passar em concursos públicos recentes nos vales do Sinos e Caí, conforme revelado pela reportagem, representam pequena amostra de uma fábrica de fraudes na área da educação. A "faculdade" responsável pelos certificados oferece até curso para polícia. E o dono, que assina os documentos, pode ser uma pessoa inventada.
O Instituto Missão da Paz, de Goiás, que forneceu diplomas de mestrado e doutorado em Ciências da Religião para o professor de Canoas Jefferson Back Paiva, 36 anos, tirar nota máxima na prova de títulos em Portão e Salvador do Sul, também promove o insólito curso de capelania militar. O dono, que se identifica como pastor Washington Luiz Albernaz de Sousa Santos, aparece fardado e se diz tenente-coronel em Goiás.
Golpe
O programa curricular, que oferece pacote com "uniforme e patente militar", anuncia ingresso como oficial religioso nas polícias e Forças Armadas. Há suspeita de inscritos de vários Estados que pagaram os R$ 1,2 mil pela formação e caíram em golpe. O Instituto Missão da Paz, que usa os nomes "Faculdade e Seminário de Educação Teológica" e "Seminário de Educação Teológica Evangélico Cultural", tem como endereço de CNPJ um boteco na cidade de Catalão, quase na divisa com Minas Gerais.
"É um curso fajuto", afirma capelão da Brigada Militar
"É um curso fajuto, porque não tem reconhecimento por nenhuma igreja. Para ser capelão, é necessário vínculo de mínimo cinco anos com instituição religiosa e curso superior de Teologia credenciado pelo MEC (Ministério da Educação)", afirma o capelão da Brigada Militar, padre Alexandre Silveira Chaves. "Estou acionando nosso jurídico porque recebi informações de um curso desses usando imagens nossas."
Nas Forças Armadas e Estados onde a capelania faz parte do quadro de servidores militares, o ingresso é por concurso público para a função, equiparada à patente de oficial.
"Aqui na Brigada Militar, é um trabalho voluntário exercido pela Igreja Católica, assim como evangélicas. Eu, por exemplo, não uso farda porque não sou membro efetivo da instituição", observa o padre.
"Essa pessoa não existe", diz agente de Goiás sobre "reitor" dos diplomas
A Polícia Militar de Goiás passou a apurar, por meio de informações da reportagem, a situação do homem que se apresenta como capelão da corporação. "Ele não é da PM de Goiás. Estamos buscando mais dados", declara o chefe da Comunicação Social da instituição, tenente-coronel Wallace Moraes.
Um policial civil goiano vai além: "Essa pessoa não existe. Não dá para saber se o nome condiz com a pessoa da foto, pois, como possível golpista, é pouco provável que vá vincular seu verdadeiro nome e imagem." Além de tenente-coronel, o diretor do Instituto Missão da Paz menciona que já atuou como escrivão de Polícia no mesmo Estado. "Washington Luiz Albernaz de Sousa Santos não é policial civil em Goiás", afirma a chefe da Divisão de Comunicação da instituição, delegada Paula Meotti.
A reportagem apurou que pessoa de mesmo nome recebeu R$ 3,7 mil de bolsa família em Catalção, entre abril e dezembro de 2020. No vasto currículo, Washington se apresenta como pós-doutor em Ciências Sociais e bacharel em Direito por Harvard (EUA).
Professor segue em Portão e é aprovado em São Sebastião do Caí
O processo administrativo segue sem prazo de conclusão na prefeitura de Portão, onde o professor Jefferson está há um ano no cargo de supervisor educacional. O Ministério Público acompanha o caso. O investigado não quer se manifestar. "Isso está sendo respondido na Justiça", resume.
No último dia 23, teve a posse anulada como professor de espanhol em Salvador do Sul, também sob acusação de uso de documento falso. Na semana passada, foi publicada a aprovação dele em concurso público em São Sebastião do Caí para o cargo de Serviços de Atendimento Educacional Especializado. As três seleções foram organizadas pela empresa Legalle, de Caxias do Sul. Ela não esclareceu à reportagem como fez a avaliação dos diplomas do suspeito.