Que fevereiro é o mês do carnaval, ninguém duvida. E, por outro lado, que o carnaval não é mais o mesmo de antigamente, todo mundo sabe também. Então por que voltar a falar da festa mais popular do Brasil, que atrai turistas de todos os cantos do mundo? Há de se falar, sim. E muito.
Ainda mais porque há uma roupagem da festa do momo que vem ganhando força na região. Sob embalo caloroso de escolas de samba e outros grupos musicais, espaços na rua tornam-se democráticos para receber o público, que poderá dançar e cantar com quem curte esse período que está garantido no calendário.
Resgate de antigas formas de brincar
Pesquisadora associada ao Banco de Imagens e Efeitos Visuais (Biev) na Ufrgs, que estuda a memória coletiva, os itinerários de grupos urbanos e suas formas de sociabilidade, a antropóloga Margarete Fagundes Nunes explica que esse formato resgata antigas formas de brincar que estiveram na origem do carnaval brasileiro, os chamados blocos e cordões, e que hoje vêm ganhando força novamente pelo seu caráter popular, espontâneo e criativo.
Durante muito tempo, essas manifestações mais espontâneas foram marginalizadas em prol do modelo das escolas de samba do Rio. Hoje, essas manifestações tradicionais se inserem nas programações oficiais de várias cidades.
Maior visibilidade às festas urbanas
Em vez de uma padronização estética, as cidades apresentam uma variedade de formas de brincar o carnaval. “Essa carnavalização de rua, por meio dos blocos ou outras formas, dá mais visibilidade à festa, fomentando e fortalecendo o carnaval produzido pelas escolas de samba.
O público pode começar brincando com um bloco, de forma mais espontânea, e ficar atraído pela produção estética das escolas de samba.
Acredito que estimula ainda mais o nosso carnaval como um todo”, sintetiza Margarete Nunes, autora do livro “Memória Negra”.
“O desfile da escola de samba é uma das ações do carnaval, mas não é o carnaval como um todo. Então, essa retomada desse significado, desse tipo de atividade, que acontece nas últimas décadas, sim, é o carnaval como um todo”, complementa Andrea Rahmeier, coordenadora do curso de história da Faccat.
Origem histórica popular é destaque da retomada
Jornalista, fotógrafo e mestre em Processos e Manifestações Culturais, Leonardo Rosa explica que, em São Leopoldo, os blocos se originaram dos grandes clubes de elite, enquanto em Novo Hamburgo os blocos vieram das áreas periféricas e da comunidade negra.
“O carnaval tem o seu apogeu, tanto em São Leopoldo quanto em Novo Hamburgo, quando os negros se tornam os grandes protagonistas”, explica.
Conforme Rosa, o carnaval do Vale do Sinos, como no território brasileiro, é inicialmente marcado pela elite branca. No entanto, a festa do momo só ganha popularidade e tem o seu apogeu com a presença negra, seja com a instrumentalização, seja com a dança. “Toda essa questão da comunidade negra faz comque o carnaval se popularize”, completa.
Eventos na região
Os eventos na região não são competitivos. A primeira festa inicia no bairro histórico de Novo Hamburgo, na Avenida Doutor Maurício Cardoso, no dia 11, das 15 às 22 horas, sob o nome de ‘Hamburgo Velho Folia’, em frente à Casa da Cultura Dalilla Sperb. A programação contará com carnaval infantil, João Maurício e o Bloco do Céu, escolas de samba Protegidos e Cruzeiro do Sul e show com Calamares.
O próximo será em Campo Bom. O Carnaval de Rua ocorre no dia 18, a partir das 17 horas, no Centro, na Avenida Adriano Dias, junto ao Largo Irmãos Vetter. As atrações são Pagode do Madre, Bambas da Orgia e Escola de Samba Império do Sol.
E no Vale do Paranhana, em Taquara, a Folia na Júlio será no dia 2 de março, das 17 às 23 horas, na Rua Júlio de Castilhos, próximo da Praça Marechal Deodoro.
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Os foliões irão se divertir com apresentação de William Marins e banda, Bloco Infantil de Taquara, escola de samba Mocidade Independente do Jardim do Prado, show com a Banda Saldanha e bloco Império da Lã.
Ações para todas classes em Taquara
Vanessa Sanches, coordenadora geral do Instituto Pró-Cidadania, explica como o carnaval mostra sua força ao chegar em todas as classes sociais. O Instituto nasceu em Taquara como escola de samba e atua em diversas áreas da cultura e em projetos sociais.
Vanessa conta que houve uma remodelação no carnaval de Taquara. Em 2017, o evento foi cancelado por não ter PPCI: “Carnavalescos perceberam que não podiam deixar mais somente nas mãos da administração pública. Além do mais, o carnaval era violentado nas redes sociais, porque o discurso era de que o dinheiro empregado no carnaval seria mais valioso na saúde e educação, como se não existisse um orçamento dedicado.”
A alternativa foi pesquisar o passado. Foi aí que a Mocidade Independente Jardim do Prado sugeriu que o carnaval começasse mais cedo e fosse até meia-noite, com apelo familiar, com momento infantil, grupo de pagode e escolas convidadas dos blocos.
Tudo começou em 2018 de uma forma muito simples, em 2019 foi melhor e 2020 o público gostou demais. Em 2021 foi lançado o documentário contando a história do carnaval, no ano seguinte uma exposição sobre a origem e 2023 voltou a ser feito na Rua Júlio de Castilhos, começando e encerrando cedo.
Escolas de samba participam
Novo Hamburgo contará com a Protegidos e a Cruzeiro do Sul. Em Campo Bom estarão as escolas de samba Império do Sol (São Leopoldo) e Bambas da Orgia (Porto Alegre). Em Taquara, a abertura será com um cortejo pela Júlio com a Escola de Samba Mocidade Independente do Jardim do Prado e da Escola Acadêmicos do Sol Nascente.
A presidente da Protegidos, Lana Flores, salienta que a primeira edição em 2023 do Hamburgo Velho Folia foi um sucesso e prevê o mesmo para este ano. “É um projeto interessante, bem bacana, porque tem muita gente que não viaja no feriadão e gosta de carnaval. Vimos nesses eventos de rua com as escolas de samba que tem muita gente que gosta de carnaval e que está por aqui nestes dias”, frisa.
“Para nós é um prazer cada nova apresentação. Isso motiva nosso grupo e apresenta nosso trabalho para comunidades que não frequentam as quadras. É um momento de alegria sem o compromisso do desfile. A cultura desempenha um papel fundamental na retomada do convívio social. Estamos ansiosos para viver novamente esta experiência”, complementa o presidente da Cruzeirinho, Deivis Rafael da Silva.