Investigação
'Agora acabou tudo', diz dono de corretora que não pagou investidores no Vale do Sinos
Negócio em São Leopoldo, com cerca de 700 clientes atraídos por juros de 10% ao mês, já tinha aberto empresa na Alemanha
Última atualização: 18/03/2024 19:56
Depois de fechar a empresa e ir embora sem avisar os cerca de 700 investidores do Vale do Sinos, no último dia 21, o dono da Escolha Resultados Consultoria Financeira, Fabiano Quines Monteiro, 43 anos, vinha afirmando que todos seriam pagos. Apesar de dizer que não tinha mais dinheiro por causa de golpe que teria sofrido, alimentava a esperança dos clientes. Na manhã de ontem, mudou o discurso. “Agora acabou tudo”, sentenciou. O caso já está com a Polícia, que vai apurar os milhões arrecadados e devidos aos investidores da corretora de São Leopoldo.
A reação apocalíptica do dono foi em razão da reportagem desta terça-feira do Jornal NH, que revelou irregularidades do negócio e as suspeitas ensejadas pela promessa de rentabilidade de 10% por meio de operações na bolsa de valores. Desde 10 de junho, ninguém mais recebia rendimentos e o capital. A corretora não tem autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia do governo que regula o setor financeiro, para atuar no setor.
Ofegante
“Vocês devem estar sabendo que saiu no jornal uma matéria. Nesse momento meu corpo jurídico já está trabalhando em cima pra tentar descobrir até quem foi essa pessoa, mas provavelmente minhas contas vão ser bloqueadas”, disse Fabiano, por meio de ofegante áudio nos grupos de WhatsApp da corretora de valores.
Suspeito culpa vítimas
O trader joga a culpa nos clientes que foram à Polícia e falaram com a reportagem. Entre as vítimas, há quem ficou sem dinheiro até para comida por ter acreditado no negócio. “Não adianta mandarem mensagem pra mim, não adianta me ligar. Porque eu deixei bem claro que, no momento que minhas contas fossem bloqueadas, eu não teria o que fazer. Dou os parabéns para essa pessoa que não quis esperar mais uns dias para receber.”
A reportagem apurou que ainda não houve qualquer movimento policial para bloquear as contas. Ou seja, Fabiano ainda pode pagar os clientes.
"Ele está quase virando santo"
O desabafo comoveu clientes lesados, que acabaram se solidarizando com o trader. “Ele está quase virando santo”, relata uma investidora, que já registrou ocorrência e vai acionar Fabiano na Justiça pelas perdas. Mesmo implorando pelo dinheiro aplicado para fazer uma cirurgia, uma mulher fez questão de dizer que não falou com a imprensa e que ainda acredita no pagamento.
E Fabiano fala: “Não tenho dinheiro. Minhas contas serão bloqueadas. Pedi 30 dias pra começar a fazer os pagamentos e daí vem pessoa com má intenção, que deve estar nadando em dinheiro. Não sei se vocês sabem, mas têm pessoas milionárias no grupo. Que botaram R$ 200 mil e ganharam R$ 1 milhão, investindo, reinvestindo, sacando. Só lamento pelos outros.”
Caso deve ir à Polícia Federal
A corretora funcionava em casa alugada na Avenida Presidente João Goulart, bairro Morro do Espelho, com fachada de salão de beleza. O caso está inicialmente com a delegada da 1ª DP de São Leopoldo, Cibelle Savi, que não foi localizada nesta terça para falar sobre a evolução das investigações. Ela já havia antecipado que pode encaminhar para a Polícia Federal.
Negócio de trader
Fabiano operava com a esposa, a esteticista Sabrina Pimentel Monteiro, 31, e há suspeita de sócios ocultos. Todos se denominam “traders”, significado para investidor do mercado financeiro que busca ganhar dinheiro com operações a curto prazo. Fabiano não atende telefonemas. Só se manifesta aos clientes por áudios em grupos de WhatsApp.
Alega que foi embora por causa de ameaças de morte feitas por investidores. “Nossas vidas estão em risco. Se acontecer alguma coisa conosco, aí é que as pessoas não vão receber nada.” O golpe sofrido, segundo ele, foi cometido por outros traders. “O golpe que a gente levou foi muito, muito grande. Só não posso passar mais detalhes porque isso tá com o jurídico.”
Uma empresa foi aberta na Alemanha
Fabiano chegou a abrir uma empresa na Alemanha para regularizar transações de moedas virtuais, mas abandonou o projeto na última fase, em maio, que era assinatura na Câmara de Comércio Exterior daquele país. A abertura da empresa teria custado R$ 290 mil. “Iam pegar bitcoins, transferir para a carteira no exterior e essa empresa faria a gestão, o que tem amparo legal”, explica o economista Eduardo Cereja Raymundo, que é agente da CVM.
"Avisei que podia dar problema"
O agente da CVM, que já trabalhou em bancos na Europa, assessorou Fabiano e dois sócios na abertura da empresa na Alemanha. Ele afirma que avisou sobre a ilegalidade na captação de investimentos da empresa de São Leopoldo. “Orientei para que liquidassem os contratos. Avisei que podia dar problema. Na CVM não havia a mínima hipótese de registro. Se não há licença do Banco Central para trabalhar como agente financeiro, está ilegal.”
O economista também aponta crime financeiro. “Garantir 10% é absurdo. Prometer isso vai contra o código moral e ético da CVM. Quando um investidor vai a uma corretora séria, com licença, assina termo aditivo em que se diz ciente do risco de perder tudo. O papel é orientar sobre bons investimentos, mostrar tendências de alta e baixa."
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