Apesar de sua relevância na história da aviação brasileira, o Aeroporto de Porto Alegre nunca foi tão falado em todo o País quanto nesses quase seis meses em que esteve fechado após a enchente de maio. Você sabe quem foi Salgado Filho, personalidade que empresta o nome ao aeroporto da capital dos gaúchos?
Presidente do PTB e homem de confiança do ex-presidente Getúlio Vargas, o senador Joaquim Pedro Salgado Filho tinha planos importantes para o fim de julho de 1950. O político trabalhava tanto na campanha de Vargas para voltar à Presidência quanto na sua própria, para o governo do Rio Grande do Sul.
A seu favor, Salgado Filho contava com importantes feitos na administração do País, como o fato de ter sido o primeiro ministro da Aeronáutica do Brasil. Mas seus planos de assumir o Palácio Piratini terminaram, coincidentemente, em uma tragédia aérea.
A história começa na noite de sexta-feira, 28 de julho de 1950. Uma chuva leve caia sobre Porto Alegre quando o voo 099 da Panair do Brasil se aproximou da capital gaúcha. Com todas as 44 poltronas ocupadas, o avião havia saído há pouco mais de três horas do Rio de Janeiro, então capital do País.
Com nuvens baixas e turbulência, as condições de pouso no aeródromo da Base Aérea de Gravataí não eram ideais, mas a manobra foi autorizada e o luxuoso avião de quatro motores Lockheed Constellation começou a descida.
Seus faróis foram vistos do chão e tudo indicava que ele pousaria com tranquilidade. “O Constellation, porém, arremeteu em curva à esquerda, apagou os faróis e sumiu na noite”, conta o comandante Carlos Ari César Germano da Silva, no livro O rastro da bruxa: história da aviação brasileira no século XX através de seus acidentes.
Sem conseguir visibilidade para pousar, o avião acabou chocando-se contra o Morro do Chapéu, na cidade de São Leopoldo, hoje Sapucaia do Sul. Segundo reportagem do jornal Estadão do dia 30 de julho de 1950, “o estrondo produzido pelo choque do aparelho com uma rampa de pedras foi ouvido por habitantes de cinco cidades próximas do local”.
Todas as 51 pessoas a bordo morreram, no que se tornou uma das maiores tragédias aéreas da história do Rio Grande do Sul — tornada ainda mais amarga pelo boato que logo começou a circular no Rio de Janeiro: o senador Joaquim Pedro Salgado Filho, ex-ministro da Aeronáutica, estaria no avião.
O boato era infundado, mas tinha um fundo de verdade que ainda não foi totalmente esclarecido. A reportagem do Estadão da época relata que “o candidato do PTB ao governo gaúcho pretendia seguir para Porto Alegre. Entretanto, quando se dirigiu à agência da Panair, já não havia passagens”.
Já o livro O rastro da bruxa indica que o senador teria, sim, uma passagem no avião da Panair, mas a cedeu para um “amigo que tinha pressa em viajar”. Ambas as versões, contudo, concordam que Salgado Filho pegou outro avião para a capital gaúcha e escapou da tragédia. Ao menos dessa vez.
O segundo acidente de avião
O livro do comandante Germano da Silva relata que o senador, depois de chegar em Porto Alegre, “mostrava-se consternado” pelo acidente da Panair. Mas ele tinha agenda a cumprir. Enviou suas condolências para as vítimas, participou de convenção do PTB e já na manhã fria e chuvosa do domingo, 30, pretendia atravessar o Estado rumo a São Borja, para visitar Getúlio Vargas, que se refugiava em sua Fazenda do Itu.
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O avião para essa viagem era um pequeno bimotor Lockheed Lodestar da Sociedade Anônima Viação Aérea Gaúcha (Savag), apelidado de São Pedro do Rio Grande. O piloto era o próprio dono da Savag, Gustavo Cramer, ex-comandante da Panair do Brasil e piloto.
Às 10h58 de 30 de julho de 1950, o avião deixou Porto Alegre com 10 pessoas a bordo e em condições meteorológicas desfavoráveis, com chuva e nuvens baixas. Eles teriam partido esperando que o clima melhorasse, mas, depois de uma hora no ar, o piloto mudou seu plano de voo.
Em O rastro da bruxa, o comandante Germano da Silva especula que as condições eram piores do que o piloto imaginara, “porém Cramer já penetrara na armadilha que armara para si próprio. Se subisse para uma altitude de segurança, perderia de uma vez por todas o contato visual com o solo e teria de retornar a Santa Maria ou Porto Alegre, frustrando irremediavelmente a expectativa de Salgado Filho de se encontrar com Vargas naquele mesmo dia”. Isso teria selado o destino da viagem.
O piloto seguiu voando baixo. Segundo reportagem do Estadão de 1º de agosto de 1950, moradores das imediações do município gaúcho de São Francisco de Assis relataram que “o avião voava a pequena altura, dando a impressão de que o seu piloto procurava descer, quando foi de encontro ao morro, explodindo”.
Em O Rastro da Bruxa, o autor reforça que “por volta das 13 horas, Primo Cortelini ouvia no rádio as últimas notícias sobre o acidente do Constellation da Panair do Brasil quando escutou o ruído dos motores de um avião que se aproximava. Seus familiares saíram de casa ainda a tempo de avistar o Lodestar em voo baixo sumir na espessa cerração. Instantes depois, ouviram o estrondo produzido pela colisão do avião com o morro próximo”.
Todos os ocupantes morreram no local. Segundo apuração do Estadão à época, Salgado Filho só pode ser reconhecido por seu relógio de pulso. Seu corpo foi removido e levado para o Rio de Janeiro já no dia 2 de agosto. Ele morreu aos 62 anos.
Apesar do luto, eleições continuaram
Em meio ao luto no Estado pelas duas tragédias, as eleições seguiram. O PTB substituiu Salgado Filho por Ernesto Dornelles na disputa pelo governo gaúcho. Dornelles já havia sido interventor federal no Rio Grande do Sul durante a ditadura do Estado Novo e voltou ao Palácio do Piratini, desta vez por eleição direta, derrotando o candidato da situação, Cylon Rosa (PSD).
Getúlio Vargas, aliado que Salgado Filho queria encontrar em sua última viagem, também foi vitorioso na campanha política de 1950 e voltou, eleito, para o governo do País. Ficou no cargo até que uma crise no governo levou-o ao suicídio, na madrugada de 23 para 24 de agosto de 1954.