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IMIGRAÇÃO

A repressão aos teuto-brasileiros durante o Estado Novo é tema de palestra

Décio Aloisio Schauren vai explanar sobre o assunto na Fundação Scheffel

Moacir Fritzen
Publicado em: 23/08/2024 às 07h:00 Última atualização: 23/08/2024 às 09h:08
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O pesquisador e escritor Décio Aloisio Schauren vai palestrar na Fundação Ernesto Frederico Scheffel, em Novo Hamburgo, neste sábado (24). O tema da palestra é “As perseguições aos alemães durante o Estado Novo (1937/45)”. O evento terá início às 15 horas e a entrada será gratuita. A promoção é do grupo GenealogiaRS.

“As comunidades teuto-brasileiras sofreram muito”, destaca Schauren, que lembra a proibição de falar e ensinar o idioma alemão – assim como o italiano e o japonês. Clubes tiveram que mudar suas denominações, escolas acabaram fechadas, pessoas foram presas e enviadas a campos de concentração, livros foram queimados e muitas outros atos violentos foram praticados e fazem parte da história para não esquecer.

Décio Aloisio Schauren | abc+



Décio Aloisio Schauren

Foto: Divulgação

Schauren estudou a fundo sobre o período histórico. “É um tema que não é tão citado na historiografia. Muitos pesquisadores tiveram medo de sofrer represálias”, avalia.

Para o pesquisador, as repressões aos teuto-brasileiros deixaram cicatrizes profundas nas comunidades e não havia motivos justificáveis. “Havia descendentes de alemães aqui, mas isso não significava que iriam pegar em armas a favor da Alemanha. Pelo contrário, o que essas famílias mais desejavam era a paz”, comenta.

A Loja Bromberg foi alvo de um incêndio criminoso em Porto Alegre após quebra-quebra e saque no ano de 1917. Isso já evidenciou que os teuto-brasileiros sofreriam perdas.

Depredação e incêndio na Loja Bromberg, em Porto Alegre | abc+



Depredação e incêndio na Loja Bromberg, em Porto Alegre

Foto: Arquivo

Schauren recorda de um episódio em que alguns jovens foram obrigados a desfilar nus pela cidade.

Pessoas eram presas pelo simples fato de serem flagradas falando alemão. “E pouca gente sabe, mas havia campos de concentração. Aqui no Rio Grande do Sul havia um em Charqueadas”, conta.

O pesquisador escreveu um artigo que fornece mais detalhes sobre o tema, que segue abaixo:

O “perigo alemão”: verdade ou mito?

Novo Hamburgo será o local de uma importante palestra sobre as perseguições às comunidades de origem alemã nos tempos da Campanha de Nacionalização do Estado Novo. A palestra ocorrerá no dia 24  de agosto de 2024, às 15 horas, na Fundação Scheffel, na Rua General Daltro Filho, 911, bairro Hamburgo Velho, em Novo Hamburgo. O assunto hoje é quase desconhecido do grande público. Foi distorcido, tangenciado e até “esquecido” pela historiografia oficial.

O palestrante será Décio Aloisio Schauren, professor e pesquisador de História da Imigração Alemã, que tem se dedicando a resgatar o tema, cuja pesquisa foi considerada suspeita durante muito tempo pelas  autoridades brasileiras. Só a partir da comemoração do Sesquicentenário, em 1974, é que houve um distensionamento em relação à política repressiva.

Em 1937, o Estado Novo promoveu a Campanha de Nacionalização cujo objetivo era a integração forçada de todos os grupos de imigrantes numa cultura única luso-brasileira. Para alcançar esse objetivo, foram impostas medidas repressivas, a cargo da polícia e do exército. O auge da repressão a alemães, italianos, japoneses aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial. Mesmo havendo adotado a cidadania brasileira e  tendo defendido o Brasil nas guerras contra o Uruguai, contra Rosas da Argentina e na Guerra do  Paraguai, os teuto-brasileiros foram acusados de “quinta-coluna” (traidores) pelas autoridades.

Pelo Decreto-Lei nº 406, de 04.05.1938, o Governo Vargas proibiu, entre outras medidas, a fala, o ensino  e qualquer manifestação cultural ou religiosa em língua estrangeira. Foram fechadas escolas, centros  culturais, sociedades de canto e clubes recreativos nas comunidades de origem alemã.

Medidas injustas e contraditórias

O Estado brasileiro isolou os alemães nas colônias e nunca havia contribuído para construir escolas e preparar professores para o ensino da língua portuguesa. O Estado Novo destruiu o sistema escolar existente e seu material didático, sem ter nada para dar em troca. Como poderia, então, proibir os colonos de falarem a única língua na qual sabiam se comunicar?

A repressão

Livros, Bíblias e documentos em língua alemã foram sequestrados pela polícia e queimados em praça pública. A concorrência luso-brasileira, com a conivência da polícia, promoveu saques, depredações e incêndios em firmas e indústrias de proprietários alemães, causando um retrocesso de décadas na economia. Muitos colonos alemães foram presos unicamente por falarem a língua alemã. Foram chamados de traidores e submetidos a castigos físicos e psicológicos degradantes: muitos apanharam de relho, sofreram torturas, foram obrigados a desfilar nus, a beber óleo de rícino e defecar em praça pública.

Cartaz emoldurado afixado na Delegacia de Polícia de São Lourenço do Sul informava sobre a proibição de falar alemão, italiano e japonês | abc+



Cartaz emoldurado afixado na Delegacia de Polícia de São Lourenço do Sul informava sobre a proibição de falar alemão, italiano e japonês

Foto: Arquivo

Outros foram levados para campos de concentração, como o de Charqueadas, no Rio Grande do Sul, e os  de Florianópolis, Joinville e Lajes, em Santa Catarina, e condenados a trabalhos forçados. O Estado brasileiro passou a tratá-los como inimigos e inicia um processo de demonização dos imigrantes dos países do Eixo na opinião pública. As humilhações foram tão traumáticas que muitos dos presos juraram jamais falar sobre isso.

O “perigo alemão”

As autoridades do Estado Novo justificaram as violações aos direitos humanos nas comunidades de  origem alemã, alegando o perigo de uma suposta invasão e anexação, por parte da Alemanha, das regiões de maior concentração demográfica de alemães. Ou seja, o “perigo alemão”.

A pergunta que muitos fazem: “Mas, é verdade que havia adeptos e apologia ao nazismo entre os imigrantes alemães?” A resposta é: “Sim, havia.” Houve até desfiles com a cruz suástica em cidades de maior concentração de alemães. Os filiados ao partido nazista tentavam se infiltrar nas escolas, igrejas e sociedades. Eram barulhentos nas manifestações públicas.

Mas, a bem da verdade, deve ser dito que eles eram uma minoria pertencente a uma elite que tinha vínculos com a Alemanha. Os imigrantes alemães e seus descendentes estavam longe de ser um grupo étnico homogêneo. As diferenças de classes eram marcantes. Em 1937 havia no Brasil 89.071 alemães natos, dos quais 2.822 eram filiados ao partido de Hitler. Eram pouco mais de 3%. Um número ínfimo, considerando que em 1940 havia mais de um milhão de descendentes de alemães no Brasil.

Se é certo que a maioria dos teuto-brasileiros preservavam a língua e a cultura alemã, isso não implicava numa transposição automática de simpatia com o nazismo. Já em 1931 o Deutsches Volksblatt, o mais importante jornal católico brasileiro em língua alemã, alertara seus leitores para a ideologia estranha e anticristã do nazismo.

Schauren entrevistou, no final da década de 1970, no decorrer das suas pesquisas, muitos colonos que viveram na época da Segunda Guerra Mundial. Entre eles, era consenso de que ninguém pegaria em armas para defender o Eixo. Pelo contrário, queriam distância da guerra.

Apesar de manterem a língua, costumes e tradições alemãs, eles haviam adotado uma nova pátria, onde haviam construído a vida de suas famílias. A Alemanha já era algo muito distante.

O partido nazista foi proscrito na Constituição do Estado Novo. As autoridades policiais sabiam onde ficavam os núcleos nazistas e tinham as listas de todos os filiados. Porque não tomaram medidas pontuais? A repressão e perseguição indistinta a todos os teuto-brasileiros e outros imigrantes foi uma tentativa de apagar sua cultura, o que já havia acontecido com índios e negros no período colonial.

Os equívocos da Campanha de Nacionalização Schauren conclui que hoje temos clareza da visão equivocada e excludente da Campanha de Nacionalização. A preservação do legado cultural das diversas nacionalidades não impede a integração e a harmonia entre todos os grupos que formam a nação brasileira.

No Rio Grande do Sul, hoje é absolutamente natural ver descendentes de alemães frequentando CTGs, usando bombachas, tomando chimarrão e apreciando um bom churrasco, ao mesmo tempo em que gaúchos das mais diversas origens frequentam as festividades de Kerb e da Oktoberfest, ao som de bandinhas típicas alemãs, tomando chope e saboreando linguiça assada, cucas, tortas e Apfelstrudel. A variedade e a riqueza das manifestações culturais, resgatadas pelos diversos grupos étnicos, hoje fazem parte do calendário de eventos de muitas cidades, atraindo turistas não só do Brasil, mas do mundo inteiro.

O amplo leque cultural faz do Brasil um país democrático, onde convivem em harmonia as diferenças de todas as etnias, tornando-o um país de todas as cores, belo e vibrante.

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