Era 22 de outubro de 1995 e o aeroclube de Canela promoveu um domingo festivo em alusão do Dia do Aviador. A tarde de voos já se encaminhava para o final quando dois aviões de pequeno porte colidiram no ar próximo ao Lago Negro. Ambos caíram e nove pessoas morreram na hora. Uma adolescente de 12 anos sobreviveu.
Camila Martins é natural de Canela. Sua família vivia perto do aeroclube e, por volta das 17 horas, ela embarcou no que seria seu primeiro voo. Poucos minutos depois da decolagem, no entanto, o Cessna em que ela, o tio e mais duas pessoas estavam foi atingido no ar por um avião Sertanejo com seis ocupantes.
Hoje com 41 anos, Camila é dentista e mora em Santa Catarina. A tragédia do último domingo (22) envolvendo o avião da família Galeazzi a fez reviver aquele fim de tarde de outubro de 1995. “É avassalador. É um filme que volta na cabeça, o mesmo ambiente, essa mesma dor”, destaca.
A sobrevivente lembra que o entardecer estava lindo, sem uma nuvem no céu, e o voo tranquilo sobre a cidade até que o avião em que estava foi atingido por outro. “Nem sabíamos que um outro avião tinha se chocado com o nosso. Depois que eu soube que o avião bateu em cima do nosso e caiu”, relembra.
O Cessna em que Camila estava continuou voando. “Eu era criança, mas eu tinha consciência de que eu não sairia dali viva. Começou a passar um filme na cabeça de momentos da minha vida, meus pais. Tudo muito rápido, como se eu estivesse me despedindo”, conta, dizendo que rezava muito alto.
“O Luiz [Omero Hoffmann, de 32 anos] era um piloto experiente e tentou achar um lugar para pousar, mas tinha muita árvore. A gente sabia que ia cair. O avião perdeu altitude e caiu no açude de um sítio”, lembra.
Localizado em Linha Tapera, o sítio pertencia ao policial rodoviário Éder Rudimar Oro Oliveira. Ele, a esposa Jaqueline e o irmão Jonimar, também policial militar, ajudaram no resgate. “Foi sorte do destino. Pessoas certas no lugar certo”, avalia, lembrando também da atitude do tio, Marco Antônio Athaídes.
“Na hora que o avião estava caindo, meu tio tirou o cinto dele e me colocou no colo, como se fosse um casulinho. Ele disse no meu ouvido que era para eu não me preocupar que ele ia me tirar dali. Ele se doou por mim”, diz.
Com o impacto, Camila teve um ferimento na cabeça e fratura no braço. Ficou três dias internada em Gramado e depois foi liberada para voltar para casa. Na época, morava em Novo Hamburgo com os pais.
“No meio disso tudo, uma linda história de amor nasceu. Nós somos uma grande família. Eu chamo o Éder e a Jaque de pai e mãe. Nós criamos um laço que não sei nem explicar. Foi um presente que aquele momento trouxe”, comenta.
Em março de 2011, Camila casou-se em Canela e fez questão de aproveitar a ocasião especial para homenagear quem a retirou do avião caído no açude naquele fim de tarde de domingo.
Camila diz que, desde o acidente, celebra duas datas de aniversário: 1º de setembro, quando nasceu, e 22 de outubro, quando foi a única sobrevivente de uma tragédia de nove mortos.
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“Eu comemoro com muita gratidão por Deus ter me dado essa chance e ter colocado esses anjos no meu caminho. Só quem sobrevive a uma situação dessas entende como se muda. O sentido das coisas mudam. Eu era uma criança, mas eu tinha muita consciência de tudo que estava acontecendo, da dor da minha família”, lamenta.
Pelo trauma vivido, Camila teve ajuda psicológica. “Eu queria muito viajar, mas tinha muito medo de quando seria a minha primeira viagem de avião. Não vou dizer que eu não sinto medo, mas não é um medo que me paralisa de fazer as coisas. É um medo que me impulsiona para viver”, atesta.