TEXTO SEGUE PARA O SENADO
MARCO TEMPORAL: O que prevê o PL aprovado pela Câmara sobre demarcação de terras indígenas
Demanda dos ruralistas, projeto foi votado sob protestos de parlamentares de esquerda e movimentos indigenistas
Última atualização: 26/03/2024 14:43
A Câmara impôs derrota ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e aprovou o texto-base do projeto de lei 490/2007, o chamado PL do Marco Temporal, por 283 votos a 155. A votação ocorreu nesta terça-feira (30). O projeto busca estabelecer em lei que somente territórios ocupados por indígenas na data da promulgação da Constituição de 1988 possam ser demarcados como terras indígenas. O texto segue para o Senado.
Demanda dos ruralistas, o projeto foi votado sob protestos de parlamentares de esquerda e movimentos indigenistas. Governistas já falam em judicializar a votação em que saíram derrotados.
Na prática, se promulgada, a lei vai paralisar todos os processos de demarcação em andamento. Há pelo menos 303 em tramitação. Hoje, o Brasil tem 421 terras indígenas homologadas. Elas somam 106 milhões de hectares e têm cerca de 466 mil indígenas.
Recado ao STF
Com a aprovação, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), e a cúpula da Casa pretendiam passar um recado ao Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte retomará um julgamento sobre demarcação de terras indígenas na próxima terça-feira (6).
"Tenho certeza que a sinalização da Câmara, aprovando esse projeto de lei, fará com que Supremo reflita e pelo menos paralise essa querela jurídica que está marcada para se julgada em junho", afirmou Arthur Maia (União-BA), autor do texto aprovado.
"Estamos mandando a nossa mensagem ao Supremo, a de poder harmônico, mas altivo. Não podemos aceitar que outros Poderes invadam nossa prerrogativa".
Divergências
Os deputados favoráveis à proposta argumentam que ela foi construída à luz do julgamento do Supremo sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em 2009. Na ocasião, o marco temporal foi considerado. Para eles, as condicionantes daquele julgamento devem ser tratadas como paradigma.
Os contrários ao texto, porém, ressaltam que o debate não foi esgotado pelo Supremo e que há diversos precedentes que afirmam que o marco temporal e as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol são aplicáveis somente para a demarcação daquela terra indígena específica.
Para a deputada governista Juliana Cardoso (PT-SP), o projeto é um retrocesso. "É o projeto da morte, da perversidade do lucro acima da vida humana. Esse 'PL da morte' quer acabar de novo com direito adquirido e promover a injustiça. É um crime contra os povos indígenas", disse.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que tentou articular o adiamento da votação, mas foi superado. "Respeitando aqueles que são d governo e votam a favor, mas o governo não tem como encaminhar o voto 'não' a essa matéria porque compreende que é um erro votar esse projeto agora", disse, na discussão.
Segundo estimativas da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), principal fiadora da proposta, as terras indígenas são cerca de 14% do território nacional. Se todos os processos de demarcação em curso fossem encerrados, seriam 30%. A produção agrícola abrange 24% do território brasileiro.
Contato com povos que vivem em isolamento
Apesar de a chamada tese do "marco temporal" ser o principal item do PL 490/2007, ele altera políticas indigenistas que vigoram há décadas. Uma delas reacende a possibilidade de contato com povos que vivem em isolamento voluntário, prática que marcou a relação da ditadura militar com indígenas.
O texto cria a possibilidade de contato com indígenas que vivem em isolamento voluntário para ações de "utilidade pública", inclusive por meio de "entidades particulares, nacionais ou internacionais", contratadas pelo Estado. O projeto não especifica quais seriam as atividades de utilidade pública admitidas.
Por se tratar de expressão genérica, parlamentares e movimentos contrários ao projeto temem que o dispositivo permita o contato forçado até para missões religiosas.
O relator, deputado Arthur Maia, afirmou que o texto atrela o contato ao controle da Fundação Nacional do Índio (Funai) e que seu objetivo foi o de apenas evitar que organizações não governamentais estrangeiras acessem povos isolados no Brasil sem a fiscalização do governo.
Antes da aprovação do texto, o governo sofreu duas derrotas expressivas. Primeiro, apresentou requerimento para retirar o projeto da pauta. Obteve apenas 123 votos favoráveis, contra 257 contrários. Depois a oposição, pediu para abreviar a discussão e conseguiu 311 apoios. O governo, só 137.