Um fenômeno climático extremo, que deixou um rastro de destruição e tornou-se um divisor de águas na meteorologia brasileira. Há quase 20 anos, em 27 de março de 2004, o furacão Catarina – um gigante com 400 quilômetros de extensão – chegava às costas catarinense e gaúcha. Ao todo, cerca de 40 cidades foram atingidas por ventos de até 180km/h, deixando pelo menos quatro mortos, sete pescadores desaparecidos e 38 mil casas destelhadas ou destruídas. O total dos prejuízos foi estimado em R$ 1 bilhão.
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“Já aconteceu uma vez, e pode acontecer de novo”
Em entrevista ao Grupo Sinos em 2014, Clóvis Corrêa, da Meteorologia do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia (Ciram), órgão ligado ao governo catarinense, contou que, há quase 20 anos, estava literalmente no olho do furacão. Ele e sua equipe foram os responsáveis por monitorar e identificar o Catarina, dando o alerta à Defesa Civil e à população.
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Como o furacão Catarina foi identificado?
Corrêa – O Catarina é um marco na meteorologia brasileira, pois foi um fenômeno que nunca havia sido registrado na era do satélite. Não quer dizer que não aconteceu há 100 anos, apenas não temos como identificar. Consistiu em um ciclone tropical, e não extratropical, ou seja, um furacão. Desde então, a população e os meteorologistas começaram a ter uma visão mais voltada para o mar. Hoje, qualquer tempestade que ocorre na costa brasileira é monitorada. Seu diâmetro era de 400 quilômetros e o olho totalizava entre 40 quilômetros e 50 quilômetros.
Em que momento se constatou que o Catarina era um furacão e não de um ciclone extratropical?
Corrêa – Como um furacão nunca havia acontecido [antes do Catarina], estávamos monitorando desde quinta-feira aquela que era uma tempestade bastante severa e que poderia chegar à costa catarinense, muito antes do Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos. Quando os norte-americanos se manifestaram, isso só contribuiu para reforçar nossas colocações.
Suas características são bem típicas de formação, com diferenças entre um sistema extratropical e um furacão tropical. Na nossa região, acontecem com frequência ciclones extratropicais, que pegam a costa Sul, chegando até o Sudeste. No caso do Catarina, sua formação e alimentação eram totalmente diferentes. Seu deslocamento foi do oceano para o continente, o que é muito diferente. Percebemos que era totalmente atípico e, próximo ao seu olho, tinha uma nebulosidade muito intensa, o que não ocorre no ciclone extratropical, onde é mais afastada do olho.
Quais foram as cidades mais atingidas pelo furacão Catarina?
Corrêa – A mais atingida foi Araranguá, cidade catarinense que estava no centro. Havia duas formações de ventos chegando. A primeira borda pegou Torres, Passo de Torres e Araranguá. Mas a maior intensidade foi na divisa com o Rio Grande do Sul. Depois, inverteu-se o processo. O olho ficou bem caracterizado e Araranguá estava no seu centro, onde se enxergavam até as estrelas. Na sequência, veio com força total.
O furacão Catarina foi subestimado?
Corrêa – O furacão Catarina foi algo fora dos padrões, muito tenso. Parte da população levou a sério, parte não. Em Santa Catarina, estamos acostumados com as previsões de ciclones extratropicais. Solicitamos a evacuação de praias próximas a Araranguá antes do furacão chegar, o que foi atendido. Se isso não tivesse ocorrido, a situação seria bem mais grave.
Um novo furacão como o Catarina pode acontecer?
Corrêa – Já aconteceu uma vez. Há várias junções atmosféricas que têm que acontecer, não apenas uma. Juntando todos esses fatores, pode acontecer de novo, mas não sabemos quando. Não é, porém, um fenômeno que vai se repetir a toda hora. Pode ocorrer pelo aquecimento do oceano e também porque é cíclico. O Catarina foi registrado justamente em março, quando as águas estão mais quentes, formando-se a partir de um ciclone extratropical que perdeu força e foi reativado no oceano.
Entre 40% e 50% dos furacões que ocorrem na costa norte-americana têm essa característica. Para isso, é preciso uma espécie de bloqueio atmosférico que crie um ambiente com características tropicais. Uma tempestade tropical pode acontecer a qualquer momento, mas um furacão é mais difícil. Porém, se for detectado na costa brasileira novamente, não vai haver nenhuma divergência entre meteorologistas, que já têm a experiência de um furacão.
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