QUAL A SOLUÇÃO?

Especialistas defendem que lei para proibir celular na escola não resolve problema; entenda

Tramita no Congresso Nacional um projeto de lei, aprovado pelo MEC, para proibir o uso em todas as escolas; São Paulo aprovou regra nesta semana

Publicado em: 15/11/2024 09:00
Última atualização: 15/11/2024 10:53

A discussão sobre o uso do celular em sala de aula saiu das escolas e foi parar no Legislativo. Nesta quinta-feira (14), os deputados estaduais de São Paulo aprovaram, por unanimidade, a proibição de aparelhos celulares para alunos nas instituições públicas e privadas. O equipamento só é permitido para fins pedagógicos, autorizado pelo professor. A proposta agora segue para sanção do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Na Câmara Federal, a Comissão de Educação também validou projeto de lei que proíbe o uso de telefone celular. O projeto será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, e para virar lei, precisa ser aprovado pelos deputados e senadores.

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Projetos de lei buscam frear o uso sem restrições de celular na sala de aula Foto: Adobe Stock

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O Ministério da Educação (MEC) defende a restrição do uso do celular nas salas de aula e apoia o projeto de lei que tramita no Congresso. “Isso porque o texto do projeto aprovado é resultado de uma parceria com o Executivo”, diz o MEC por meio de nota.

Diante do que se vive hoje, em que o celular é como se fosse uma extensão do corpo humano, uma lei será a solução para disciplinar o uso do equipamento no ambiente escolar? Doutor em Educação e professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara é categórico em afirmar que não.

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“O resultado dessa lei vai ser inócuo, mas vai dar divulgação pública para um grupo de parlamentares. Mas, na prática, para o estudante mesmo, não vai resultar em nada”, avalia. “O melhor caminho diante disso é fazer um acordo. Não tem sido tão fácil, mas é importante formular esse acordo”, defende.

No entanto, Cara lembra que a demanda pela lei de proibição partiu, principalmente, dos próprios professores. “Por que eles demandam? Porque eles perderam autoridade”, conclui.

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Especialistas tem alertado para o risco do uso excessivo de eletrônicos em crianças Foto: Pixabay

Pós-doutora em Educação, pesquisadora da Unisinos e coordenadora do Grupo Internacional de Pesquisa Educação Digital com 20 anos de atuação, Eliane Schlemmer também critica a postura adotada pelo governo federal. “Proibir não é educar, começa por aí. Então é mais uma lei em um País que já é cheio de lei que não funciona. Certo? Uma lei não vai resolver o problema”, destaca.

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Outra questão que Eliane chama atenção é para o ambiente tecnológico que as crianças aprendem. Para ela, isso não pode ser colocado de escanteio. ”Quais são os espaços que elas habitam? Elas não habitam só os espaços físicos, geográficos, como nós habitávamos na época em que nós íamos na escola. Elas habitam as plataformas digitais, elas habitam o universo dos jogos”, ressalta.

A pesquisa TIC Educação 2023 mostrou que 28% das escolas brasileiras proíbem o uso do dispositivo pelos estudantes. O percentual é maior nas instituições que atendem os anos iniciais do ensino fundamental, chegando a 43%.

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Já no ensino médio, apenas 8% dos colégios não permitem o uso do celular no País. O levantamento é o mais recente do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).

Capital carioca foi pioneira em proibir o uso do celular 

O Rio de Janeiro foi a primeira capital brasileira, por meio de decreto publicado em fevereiro, a determinar o recolhimento dos celulares durante as aulas.

Um semestre depois, 62% das escolas aderiu à nova regra e 38% apresenta média adesão, “ainda enfrentando algumas dificuldades naturais do processo de adaptação cultural”, conforme a Secretaria Municipal de Educação carioca.

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Sobre os benefícios trazidos à aprendizagem, a pasta encomendou a pesquisa Educação ON x Celular OFF, que apontou ganhos em relação à concentração, à participação nas aulas e ao desempenho dos alunos.


Celular nas escolas municipais do Rio de Janeiro devem ficar guardados dentro da mochila Foto: Alan Costa/SME-RJ

Segundo o levantamento, as chances de um aluno de 9° ano estar no nível adequado de aprendizado de matemática aumentam em 53%, caso ele esteja em uma escola onde a proibição é efetiva. Já para estudantes do 8°, as chances aumentam em 32%. A pesquisa também apontou uma redução significativa de episódios de cyberbullying praticados nos horários de intervalo.

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O estudo utilizou os resultados das avaliações bimestrais dos alunos e também consultas feitas com os diretores. “Quanto maior a série escolar, maior o hábito do uso de celulares entre crianças e adolescentes. Por isso, o recorte dos alunos do 8º e 9º ano é fundamental para entender as mudanças de comportamento, já que a maioria desses alunos têm acesso a aparelhos celulares”, explica o secretário de Educação, Renan Ferreirinha.

“E nosso intuito é que a conexão do aluno, seja com a escola, com os amigos, com os professores, e não com o celular”, conclui.

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São Paulo passa a responsabilidade para as secretarias

De acordo com a lei paulista, é proibido o uso de dispositivos eletrônicos com acesso à internet pelos alunos nas escolas públicas e particulares. A justificativa é baseada, entre outros argumentos, na recomendação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para os gestores públicos proibirem os celulares nas escolas, “devido ao seu efeito negativo no processo de aprendizagem”.

Segundo a Unesco, o tempo prolongado de exposição à tela pode afetar de forma negativa o autocontrole e a estabilidade emocional, aumentando a ansiedade e a depressão.

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A lei aprovada em São Paulo prevê que os protocolos para armazenamento dos aparelhos sejam definidos pela Secretaria Estadual da Educação, em parceria com as secretarias municipais. O texto não fala em quais punições podem ser aplicadas para quem descumprir a regra.

Os aparelhos poderão ser usados somente quando houver necessidade pedagógica, para a utilização de conteúdos digitais ou de ferramentas educacionais, além de casos em que seja preciso auxílio tecnológico para alunos com deficiência.

A proposta prevê ainda que a pasta e as escolas da rede privada deverão criar canais acessíveis para a comunicação entre pais e responsáveis e a instituição de ensino, já que os filhos não poderão se comunicar com os pais enquanto estiverem no colégio.

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MEC diz que defende garantia de aprendizado

Sobre a proposta que está no Congresso, o MEC informa que ouviu os conselhos estaduais e municipais da Educação, conversou com especialistas e pesquisou iniciativas de outros países. “As experiências relatadas revelaram prejuízos, como o déficit de atenção, provocado pelo uso de aparelhos celulares ou equipamentos digitais dentro de sala de aula. A escola é um espaço importante para a garantia da qualidade no aprendizado e, também, para a cidadania digital”, diz em nota.

O MEC explica ainda que defende o uso do aparelho celular e dos equipamentos tecnológicos para finalidades exclusivamente pedagógicas.

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Qual proposta de lei avaliada em Brasília?

O projeto que está em análise no Congresso proíbe o uso do telefone celular e de outros aparelhos eletrônicos portáteis por alunos da educação básica em escolas públicas e particulares. Além disso, não permite o porte de celular por alunos da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, ou seja, alunos até 10 anos.


Projeto que tramita no Congresso quer proibir celular na escola para crianças até 10 anos Foto: Adobe Stock

A proposta permite o uso de celular em sala de aula para fins “estritamente pedagógicos”, em todos os anos da educação básica, da educação infantil até o ensino médio. A utilização é autorizada ainda para fins de acessibilidade, inclusão e condições médicas.

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Conforme o relator do Projeto de Lei 104/2015, o deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), pais que acreditam que o porte de celular é um instrumento de segurança para crianças de até 10 anos devem olhar também para os desafios e prejuízos que o uso pode apresentar na escola.

“Crianças nessa faixa etária não têm maturidade para discernir quando e como usar esses dispositivos de forma adequada”, defende. A partir dos 11 anos, a lei permitiria o uso para fins pedagógicos, desde que o professor autorize.

Pesquisador aponta risco de segurança na lei paulista

O professora Daniel Cara lembra que o uso exagerado do celular tira a atenção da aula, problema que ocorre desde a educação infantil até a universidade. Sobre a lei de São Paulo, ele apresenta uma questão para o debate relacionada à segurança das escolas. O aparelho tem um valor de mercado, que tem preço médio entre R$ 400 e R$ 1 mil, dependendo do tipo de equipamento.

“Se coloca na secretaria [os celulares], na prática, você está chamando o crime para dentro da escola. Porque, no mínimo, você vai ter um patrimônio de R$ 400 mil na secretaria de uma escola”, analisa. “Então parece que é uma solução simples, mas, em termos de segurança, no ambiente escolar, é uma solução super complexa”, comenta Cara.

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O professor defende que um acordo sobre o momento certo de usar o celular é a melhor alternativa, mas também reconhece que falta autoridade dos docentes para fazer valer a combinação. “Tem essa incapacidade dos professores de exercer autoridade sobre o que está combinado, ou seja, autoridade para firmar o combinado. Autoridade não pode ser autoritarismo”, pondera. 

O estudioso chama atenção para o fato do celular ser visto como uma extensão do corpo na sociedade contemporânea, mas que precisa de um uso mais racionalizado.


Daniel Cara, doutor em Educação Foto: Victor Thomé/Ales

Questionado sobre como resolver o problema do aluno que leva o celular para escola, ele sugere o uso de um móvel transparente para depositar os aparelhos, onde os estudantes possam enxergar seus equipamentos. “Porque, senão, eles ficarão o tempo todo preocupados em saber onde o celular está”, diz.

Cara ainda critica a atuação do MEC que, na sua avaliação, até o momento não apresentou propostas concretas de melhoria na educação brasileira e nem sobre o problema do uso excessivo do celular em sala de aula.

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Para ele, o correto seria uma norma dos conselhos nacionais, dos conselhos estaduais e dos conselhos municipais, indicando um parecer sobre o assunto. “O que significa o uso do celular na escola, qual o prejuízo, como orientar o uso, em que momento pode ser usado, em que momento não pode ser usado, e uma proposta para a gestão democrática”, ressalta.

Smartphone integrado à rotina pedagógica

Estudiosa desde 1998 do mundo digital na educação, Eliane Schlemmer salienta que os aparelhos usados para as mais variadas conexões na sociedade atualmente são os smartphones, muito mais funcionais que celulares.

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“Então o que é preciso, na verdade, é a escola se apropriar dessas tecnologias e desse dispositivo para repensar a forma como se estrutura e se organiza numa sociedade onde não tem mais sentido você dizer se está offline ou online. A gente está sempre conectado”, enfatiza.

Para a pesquisadora, a sala de aula onde não há conexão com a tecnologia se torna um ambiente “artificializado”, por isso a escola precisa trabalhar com as tecnologias do tempo histórico e social vivido atualmente.


Eliane Schlemmer, coordenadora do Grupo Internacional de Pesquisa Educação Digital Foto: Divulgação

“Eu vou trabalhar com geolocalização, vou criar um objeto digital em cima do espaço físico geográfico, com a minha tecnologia digital, para que outras pessoas possam acessar e ler”, exemplifica.

Conforme Eliane, essas novas relações tensionam as instituições de ensino e apontam a necessidade de repensar as práticas pedagógicas. “A gente sabe que a escola tenta preservar aquilo que é o seu modo de operar. E por isso reage. E a autoridade para essa geração não é algo imposto, é reconhecido e legitimado”, avalia.

Por isso, ela aponta a necessidade de repensar a formação do professor e do sistema educacional como um todo. “Eu tenho certeza que essa demanda [proibição dos celulares] deve ter vindo dos próprios professores, mas por quê? Porque eles muitas vezes não sabem como trabalhar. Como eles vão desenvolver outras práticas que durante a graduação nunca tiveram?”, questiona.

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Eliane lembra que a implantação de outras mudanças na educação, como a impressão de livros e o uso da calculadora e do computador, também sofreram resistências. “As pessoas se agarram àquilo que elas têm segurança. Então, o que a gente precisa? É fazer formação de professores para que eles desenvolvam essa segurança, para que eles construam outras possibilidades”, defende.

A pesquisadora critica a forma como os projetos de lei são construídos pelos legisladores, sem consulta às pesquisas já realizadas sobre o assunto e sem ouvir os principais interessados na aprendizagem, que são os alunos.

“Eu, como pesquisadora, me sinto frustrada em relação a isso. Há elementos que o pessoal que elabora as políticas públicas poderia tentar entrar em contato, conhecer, traçar, pensar e não simplesmente ‘não, vou definir aqui, está definida uma lei e fim de papo’”, conclui. 

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