Na primeira semana do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), uma declaração do recém empossado ministro do Trabalho, Luiz Marinho (PT), levantou um debate sobre a manutenção da modalidade de saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Criado no fim de 2019 e em vigor desde 2020, o modelo permite ao trabalhador retirar parte do dinheiro disponível no fundo no mês em que faz aniversário, mas restringe a retirada do restante do saldo em caso de demissão.
Na primeira manifestação pública sobre o assunto, na quarta-feira (4), Marinho disse em entrevista ao jornal O Globo que pretendia acabar com a modalidade.
Após repercussão que dividiu opiniões, o ministro baixou o tom. “A manutenção ou não do saque-aniversário do FGTS será objeto de amplo debate junto ao Conselho Curador do FGTS e com as centrais sindicais”, escreveu o titular da pasta do Trabalho, no dia seguinte, em sua conta no Twitter. “A nossa preocupação é com a proteção dos trabalhadores e trabalhadoras em caso de demissão e com a preservação da sua poupança”, acrescentou.
De acordo com a Caixa Econômica Federal, cerca de 29 milhões de empregados com carteira assinada estão com a modalidade ativa no País. Ao todo, entre 2020 e 2022, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), aproximadamente R$ 35 bilhões foram resgatados do FGTS por meio do saque-aniversário.
‘Vai fazer falta se houver mudança’
Uma abrangente avaliação sobre o assunto é também o que espera a cozinheira Rosilei Aparecida Branquier Muraro, de 56 anos. Moradora de Três Coroas, no Vale do Paranhana, ela disse que recebeu a notícia do possível fim da modalidade com pesar. “Logo que surgiu, me cadastrei. Foi por necessidade mesmo, era um dinheiro que viria em uma boa hora. Desde então, optei por usar todos os anos”, relata.
Ela destaca que no último novembro, mês em que faz aniversário, fez a retirada do valor disponível e que o plano era seguir com o saque anual em 2023. “Vai fazer falta se houver a mudança”.
Roselei conta que a quantia já tinha um destino definido. “Geralmente uso para pagar contas, seja alguma que está em atraso ou então contas de luz e água. Já usei para pagar o IPTU também”. Conforme menciona, no restaurante em que trabalha, todos os colegas aderiram à modalidade. A maioria, segundo ela, para quitar dívidas ou para suprir alguma necessidade, como compra de remédios ou renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
“É um dinheiro com o qual a gente já conta, até nos programamos para receber aquele valor. É um extra, para dar um alívio. Eu vou lamentar muito caso termine.”
Economista e professor da Universidade Feevale, José Antônio Ribeiro de Moura acredita que ainda é cedo para que alguma alteração no funcionamento do FGTS seja confirmada. Além disso, ressalta, caso a suspensão do saque-aniversário se confirme, o governo deve anunciar alternativas que substituam o valor. “O trabalhador não vai perder. Vão apresentar outras formas de ele ter outra renda, vai haver um substituto”, avalia.
Valor extra para necessidades
O ideal é que o saque-aniversário, se usado, seja destinado ao pagamento de contas, assim como Roseli costuma fazer. E somente em casos de extrema necessidade. É o que defende o professor Moura, que acrescenta: a retirada do valor para investimento, por exemplo, esperando que o dinheiro renda mais em outra conta, pode não ser “saudável financeiramente” no futuro.
“A gente sempre pensa na essência do FGTS. Então, se for usar o saque-aniversário para investir, não o faça”, orienta Moura. “Essa não é uma grande vantagem para o trabalhador, porque ele vai receber uma parcela [no ano] e pode ser prejudicado depois por não poder sacar [o restante do FGTS]“, sustenta. “É para quem realmente precisa.”
Também considerando que o dinheiro do Fundo de Garantia é um importante suporte para momentos complicados, o economista Moisés Waismann, coordenador do Observatório Unilasalle: Trabalho, Gestão e Políticas Públicas, entende que a proposta do saque-aniversário acaba por desvincular o FGTS de sua função original. Quando foi criado, na década de 1960, o Fundo de Garantia buscava atender duas finalidades principais: flexibilizar as demissões sem justa causa e proteger os trabalhadores; e formar um fundo que pudesse ser usado em obras de infraestrutura de longo prazo, como habitacionais e de saneamento.
Desta forma, o economista Waismann observa que a oferta do saque-aniversário, uma vez que pode ser gasto “de qualquer forma”, dá ao empregado a falsa ilusão de que houve um aumento na renda. No entanto, para ele, o que acontece, na verdade, é a dilapidação de um patrimônio pessoal e da sociedade.
“Não precisamos de estímulos para comprar bens de consumo, e sim de trabalho e renda para os adquirirmos. Quando se está fazendo essas obras [com o dinheiro reservado no Fundo], fazendo casa, tratamento de esgoto e água, gera-se empregos. Isso vai fazer com que outras empresas vendam mais e contratem mais, aumentem os salários e, então, as pessoas vão comprar mais”, argumenta.
‘Retira-se um colchão e coloca-se um tatame’
Waismann pontua que, para o trabalhador, ter uma reserva diante de uma situação de emergência pode ser o suficiente para que ele consiga se reorganizar. Assim, o FGTS cumpre a função de servir de “colchão” durante a busca pelo novo emprego. No entanto, destaca o economista, no momento em que essa reserva é desfeita sem um grande propósito, o resultado pode ser prejudicial. “Retira-se um colchão e coloca-se um tatame.”
Embora compreenda a importância de pensar no futuro, a cozinheira Rosilei cita que os altos preços dos produtos, até mesmo básicos, fazem com que os planos sejam atropelados pelas necessidades imediatas. “Não se para para pensar se lá na frente esse valor vai fazer falta, o que se pensa é que agora ele vai agregar”, conclui a moradora de Três Coroas, que torce pela manutenção do saque-aniversário.
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O economista observa que a retirada do dinheiro por pessoas que estão com alguma dívida pontual, e que, com isso, conseguiriam se reorganizar financeiramente, pode ter um lado positivo, mas, para trabalhadores “endividados cronicamente”, mexer no fundo não seria o caminho mais recomendado. “As pessoas ganham muito pouco, e viver está muito caro, mas incorporar ao cotidiano o que seria o teu colchão é muito ruim”, frisa Waismann.
Fazer escolhas para sanar dívidas
Uma alternativa para se desfazer das dívidas atrasadas sem precisar sacar parte do Fundo de Garantia seria buscar negociar com os credores e adotar um estilo de vida no qual se consiga viver com o salário que recebe. É o que recomenda Waismann. “Isso parece impossível quando vemos um longo prazo, mas, pouco a pouco, a pessoa vai saldando as dívidas e vê que vai funcionando”, ressalta o economista, que pondera: “Mas é necessário fazer escolhas”.
Ele lembra ainda que a comunidade pode buscar ajuda para se organizar financeiramente junto a universidades. Os núcleos de Gestão, Contabilidade e Economia das instituições de ensino, explica o economista, costumam se dispor a auxiliar as pessoas que precisam na criação de tabelas de gastos e também com dicas e orientações.
Entenda o FGTS e o saque-aniversário
No início de cada mês, os empregadores depositam, em nome dos empregados, o valor correspondente a 8% do salário de cada funcionário em contas abertas na Caixa Econômica Federal. O FGTS é constituído pelo total desses depósitos mensais, e os valores pertencem aos empregados que, em algumas situações, podem dispor do total depositado em seus nomes.
Para o trabalhador, o Fundo de Garantia tem como finalidade ampará-lo no caso de demissão imotivada ou doença grave, bem como na adaptação à aposentadoria e para suprir necessidades emergenciais em caso de situações de calamidade pública. Outra possibilidade de utilizá-lo é para aquisição de moradia própria.
Tem direito ao FGTS todo o trabalhador brasileiro com contrato de trabalho formal, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), além de trabalhadores domésticos, rurais, temporários, intermitentes, avulsos, safreiros, diretores não empregados e atletas profissionais.
Além disso, o FGTS é também uma fonte de recursos para o financiamento de programas habitacionais, de saneamento básico e de infraestrutura urbana em todo o País.
Saque-aniversário
Instituído pela Lei 13.932/19, o saque-aniversário do FGTS permite ao trabalhador realizar o saque de parte do saldo de sua conta do FGTS, anualmente, no mês de seu aniversário. A adesão é opcional, mas quem adere à modalidade, caso seja demitido, poderá sacar apenas o valor referente à multa rescisória e não o valor integral da conta.
Quem opta pelo saque-aniversário pode ainda contratar empréstimo junto às instituições financeiras habilitadas, utilizando como garantia o valor a que fazem jus anualmente.
O trabalhador pode, no entanto, retornar à modalidade de saque-rescisão (na qual tem direito ao saque integral da conta do FGTS quando demitido sem justa causa), desde que não tenha contratado a operação de antecipação do saque-aniversário.
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