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ECONOMIA

Dólar valoriza mais de 27% em 2024 e real tem pior desempenho em quatro anos

Ibovespa acumula perda de 10,36 em 2024, o pior ano desde 2021

Publicado em: 30/12/2024 às 20h:47 Última atualização: 30/12/2024 às 20h:54
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Aos 120 mil pontos, o Ibovespa encerrou 2024 – um ano bem difícil para a renda variável no Brasil com a explosão do câmbio e a pressão vista na curva de juros doméstica – em modo oposto ao que se viu em 2023, na então máxima histórica de 134 mil pontos, renovada na penúltima sessão daquele mês de dezembro. O recorde seria levado um pouco adiante no fim de agosto de 2024, aos 137 mil pontos.

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Dólar valoriza mais de 27% em 2024

Foto: Divulgação

Desde então, o Ibovespa inclinou-se sem trégua, contido pela percepção de risco fiscal no plano interno que derrubou o real e elevou os juros futuros, deprimindo o apelo de ativos de risco como ações. No front externo, a partir de novembro refletiu também um quadro nebuloso para os emergentes em 2025, com o retorno de Donald Trump à Casa Branca no próximo dia 20 – o que resulta em cautela maior para o Federal Reserve seguir adiante com os cortes de juros nos Estados Unidos, diante da perspectiva de mais inflação com a provável retomada de uma linha de governo protecionista na maior economia do mundo.

Nesta última sessão de 2024, o Ibovespa fechou estável (+0,01%), aos 120.283,40 pontos, uma variação negativa de 13,9 mil pontos em relação ao nível de fechamento de 2023, então aos 134.185,24 pontos. Em porcentual, a perda acumulada no ano correspondeu a 10,36%, confirmando o pior desempenho para o índice da B3 desde 2021, um ano ainda de pandemia em que cedeu quase 12%, e que havia sido, também, o pior para a Bolsa brasileira desde 2015.

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Em dezembro, a perda ficou em 4,28%, superando as leituras já ruins vistas em novembro (-3,12%), outubro (-1,60%) e setembro (-3,08%). No último trimestre de 2024, a variação negativa do índice foi a 8,74%, superando a queda de 7,59% vista em outro período ruim para a Bolsa brasileira, no quarto trimestre de 2014, quando se efetivou a reeleição da então presidente Dilma Rousseff.

Em intervalo que costuma ser favorecido pelos ralis de fim de ano, o Ibovespa teve agora, entre outubro e dezembro de 2024, seu pior desempenho para o último trimestre desde a crise global de 2008. No ano da crise das hipotecas de alto risco nos EUA, o Ibovespa havia mergulhado quase 25% no mês de outubro, e ainda teve piora na margem no mês seguinte, novembro, antes de leve recuperação em dezembro – lembrando que a ladeira abaixo havia se iniciado em setembro, na deflagração da crise global, quando o Ibovespa tinha caído 11%.

Em dólar, o Ibovespa chega ao fim de 2024 a 19.462,70 pontos, refletindo a perda nominal na casa de 10% para o índice e o avanço de 27% para a moeda americana em relação ao real. Assim, termina o ano em nível acima do que se encontrava no auge dos temores globais em torno da pandemia de covid-19, em março de 2020, então aos 14.051,44. Naquele primeiro trimestre, o pior da história para um início de ano, o Ibovespa em dólar abraçava perda de 51,26%.

Contudo, comparado ao fechamento de agosto de 2024 – então bem perto da recente máxima histórica, em 28 daquele mês, aos 137,3 mil pontos no fechamento e a 137,4 mil no intradia -, o Ibovespa acumula agora um desconto significativo, vindo então de 24.135,58 pontos com dólar a R$ 5,63. Desde o nível recorde de 137 mil pontos perto do fim de agosto, o Ibovespa tem perda nominal de 12,42%, o equivalente a 17,0 mil pontos. O dólar à vista fechou 2024 a R$ 6,1802 (-0,21% na sessão), mostrando avanço de quase 3% no mês

Nesta última segunda-feira do ano, a estabilidade do índice na sessão foi assegurada em especial por Petrobras (ON +1,47%, PN +1,49%). Os bancos também ajudavam em bloco, mas perderam força em direção ao fechamento, com Itaú PN em baixa de 0,16% no fim do dia. Como o Ibovespa, Vale ON operou em boa parte da sessão colada à estabilidade, mas encerrou na mínima do dia, em baixa de 0,35%. Na ponta ganhadora do Ibovespa na sessão, Azul (+5,36%), Brava (+4,21%) e LWSA (+3,11%). No lado oposto, Automob (-2,86%), Ambev (-2,73%) e IRB (-2,08%).

No ano, entre as principais blue chips, o avanço acumulado por Petrobras (ON +21,26%, PN +17,96%) foi o contraponto ao ajuste negativo de Vale (ON -23,32%), a principal ação do Ibovespa. Também entre os mais relevantes componentes do índice, Itaú PN cedeu 3,49% no ano, a menor perda entre as principais instituições do setor, em que os destaques negativos foram Bradesco (ON -26,57%, PN -28,86%) e Santander Brasil (Unit -22,64%). Na B3, o giro financeiro nesta última sessão do ano foi de R$ 17,8 bilhões.

Dólar

A maior intervenção do Banco Central (BC) desde o início do regime de câmbio flutuante ajudou a conter a escalada do dólar em dezembro, mas não a ponto de tirar do real a segunda posição entre as moedas que mais perderam valor neste ano. O saldo final de 2024, após o fechamento de seu último pregão, foi uma valorização de 27,34% da moeda americana ante a brasileira, o que, ao interromper uma sequência de dois anos em baixa, corresponde ao maior aumento da divisa desde 2020, quando houve o choque da pandemia de covid-19.

Nesta segunda-feira, 30, o BC voltou a entrar em ação com uma injeção de US$ 1,815 bilhão entre 13h56 e 14h01, menos de uma hora após a moeda subir 0,8%, alcançando a máxima da sessão (R$ 6,2426). O leilão à vista fez o dólar inverter o sinal, encerrando o dia em queda de 0,21%, aos R$ 6,1802, na contramão do desempenho das moedas de economias emergentes. No mês, a valorização caiu para 2,98%.

Até a definição da taxa Ptax final de 2024, a pressão de investidores vendidos, que ganham com a baixa da moeda, provocou volatilidade no mercado cambial, sendo que o dólar chegou a cair 0,64%, para R$ 6,1535, menor valor dentro de um pregão desde a última quinta-feira.

A avaliação de analistas é de que a liberação parcial de emendas parlamentares, autorizada pelo ministro do STF Flávio Dino, não aliviou muito as preocupações no mercado com a votação do orçamento do ano que vem, na volta do recesso legislativo em Brasília.

O gerente da corretora Treviso, Reginaldo Galhardo, observa que o BC tomou cuidado de realizar o leilão à vista apenas após a formação da Ptax para não interferir na briga entre comprados e vendidos. Ele considera, porém, que, na prática, a atuação da autoridade monetária tem sido de apenas secar gelo.

Somando a intervenção desta segunda-feira, o BC colocou neste mês US$ 21,575 bilhões em leilões à vista, a maior injeção de recursos em um único mês da história do regime de câmbio flutuante.

Superou, assim, com folga março de 2020, na chegada da pandemia ao País, quando foram vendidos US$ 12,054 bilhões pela autoridade monetária. Mesmo com essa injeção recorde no mercado, a valorização do dólar frente ao real só não foi maior do que a alta de 27,53% mostrada pela divisa ante o peso argentino.

As ações do BC se deram em meio ao estresse gerado pela frustração com as medidas de ajuste fiscal lançadas pelo governo, que foram acompanhadas pelo anúncio, com compensação incerta, da isenção do imposto de renda para salários de até R$ 5 mil.

Embora a segunda pior divisa entre as mais líquidas, a forte valorização do dólar não ficou restrita ao mercado brasileiro e ao argentino. A divisa dos Estados Unidos subiu 24% ante o rublo, 21% contra o peso mexicano e 20% em relação à lira turca.

Além da eleição de Donald Trump, que reacendeu o temor de políticas inflacionárias nos Estados Unidos e a necessidade de uma reação do Federal Reserve nos juros, as moedas emergentes sofreram com a forte valorização do iene na metade do ano. O aumento surpreendente de juros pelo Banco do Japão (BoJ) encareceu a rolagem de posições de carry trade dessas divisas.

No acumulado do ano até aqui, o índice DXY acumulou alta de 6,6%, aos 108,07 pontos – em Nova York, há ainda a sessão desta terça-feira, 31. No Brasil, há apenas negócios residuais amanhã e a taxa ptax de hoje (R$ 6,1923, queda de 0,11% na sessão e alta de 27,91% no ano) é repetida.

Juros

Apesar da queda do dólar e dos rendimentos dos Treasuries, os juros futuros intermediários e longos aceleraram ao longo da tarde com o vaivém das notícias sobre a liberação de emendas parlamentares e fecharam em alta firme, com avanço entre 15 e 20 pontos. Já as taxas curtas operaram entre estabilidade e leve viés de alta diante de nova rodada de piora das expectativas de inflação revelada pelo Boletim Focus.

Entre os curtos, DI para janeiro de 2026 encerrou com taxa de 15,37%, de 15,364% no ajuste anterior. A taxa do contrato para janeiro de 2027 avançou de 15,758% para 15,89%. Já a taxa do DI para janeiro de 2029 subiu de 15,530% para 15,705%.

Do fim de novembro para cá, o DI para janeiro de 2027 saltou quase 170 pontos e o DI para janeiro de 2029 teve avanço superior a 170 pontos – um reflexo da crise de confiança instalada após a frustração com o pacote fiscal do governo.

A expectativa pela manhã desta segunda, 30, era de alívio pontual dos prêmios de risco. Isso em razão da decisão, ontem, do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), de liberar parcialmente as emendas parlamentares, embora ele tenha alertado para “nulidade insanável” na indicação das emendas de comissão e reiterado a necessidade de ajustes para 2025. Dino autorizou repasses relacionados a emendas empenhadas até 23 de dezembro.

A aposta até se cumpriu na primeira etapa de negócios com as taxas rondando a estabilidade no fim da manhã. Mas o caldo voltou a entornar à tarde a partir da publicação de parecer da Advocacia-Geral da União sobre o caso das emendas. A AGU entende que a decisão de Dino mantém o bloqueio total dos valores e orienta o governo a não autorizar os repasses até nova decisão judicial. Em seguida, a Secretaria das Relações Institucionais informou que até 23 de dezembro houve o empenho de R$ 1,775 bilhão dos R$ 4,2 bilhões suspensos pela decisão inicial do ministro do STF.

O economista-chefe da corretora Monte Bravo, Luciano Costa, afirma que o parecer do AGU lançou dúvidas sobre a liberação dos recursos e acabou detonando um aumento dos prêmios de risco, apesar de o governo em seguida ter divulgado os valores já empenhados.

“As emendas são um instrumento de negociação importante do governo, que está com dificuldade de cumprir acordos com o Congresso. Isso traz preocupação daqui para frente, porque é preciso aprovar o Orçamento de 2025 e novas medidas fiscais que o governo vai ter de adotar”, afirma Costa.

Ele pondera que o pacote lançado pelo governo e em parte desidratado durante a tramitação no Congresso pode garantir o funcionamento do arcabouço fiscal até 2026, mas não muda a trajetória do resultado primário, que é fundamental estancar o crescimento da relação dívida/PIB.

“O Ministério da Fazenda já tem provavelmente ideia do que vai atacar. A questão é política, de convencimento do presidente Lula e do Congresso. E tudo fica mais difícil com o canal das emendas bloqueado”, afirma Costa.

Analistas afirmam que as incertezas fiscais contribuem para a deterioração contínua das expectativas de inflação, em especial ao provocar depreciar a taxa de câmbio. Isso a despeito do tom duro adotado pelo Banco Central, que já contratou mais duas altas de 1 ponto porcentual da taxa Selic, que deve alcançar 14,25% no encontro do Comitê de Política Monetária (Copom) em março.

Há ainda temor de ingerência do governo na gestão da política monetária sob a gestão de Gabriel Galípolo à frente do BC, apesar da postura recente dele e de declarações do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva reiterando a independência do BC. Lula assinou hoje à tarde os decretos de nomeação de Galípolo e dos três novos diretores do BC, cujos mandatos se iniciam a partir de 1º de janeiro de 2025.

O Boletim Focus trouxe elevação da mediana das projeções para o IPCA de 2025 de 4,84% para 4,96%, a décima primeira elevação seguida. Já a expectativa para a inflação de 2026, que abrange o horizonte da política monetária, quase não se mexeu, passando de 4% para 4,01%, praticamente 1 ponto porcentual acima da meta de inflação contínua (3%). A estimativa para 2027 saltou de 3,80% para 3,83%.

Costa, da Monte Bravo, observa que a postura firme do BC deveria levar a uma estabilização das expectativas de inflação mais longas. Essa dificuldade na ancoragem da inflação parece espelhar as dúvidas no campo fiscal, que só vão ser atenuadas com anúncio de medidas adicionais e convincentes de moderação dos gastos.

“A curva hoje precifica taxa Selic praticamente em 16,90%, bem acima do esperado pelos economistas. Estamos no meio de um ciclo de aperto monetário e o mercado pode um prêmio maior. E vai continuar pedindo porque esse ciclo tem o complicador da questão fiscal”, afirma o economista-chefe da Monte Bravo.

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