ECONOMIA
Dólar fecha abaixo de R$ 5,00 pela primeira vez em 2023
O real apresentou o melhor desempenho entre divisas emergentes e de países exportadores de commodities
Última atualização: 04/03/2024 09:36
O dólar emendou o segundo pregão de queda firme na sessão desta quarta-feira (12), e rompeu a barreira de R$ 5,00 no fechamento pela primeira vez desde início de junho de 2022, em dia marcado por perdas da moeda americana no exterior. O real apresentou o melhor desempenho entre divisas emergentes e de países exportadores de commodities, seguido de perto pelo peso colombiano. Operadores voltaram a relatar fluxo de recursos estrangeiros para ações e renda fixa local, além de fechamento de câmbio por exportadores e desmonte de posições defensivas no mercado futuro.
Já favorecidas pela alta das commodities diante de sinais positivos da economia chinesa, divisas emergentes, em especial latino-americanas de países com juros altos, ganharam impulso extra hoje com a divulgação do resultado abaixo do esperado do índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) nos EUA em março. Embora o processo de desinflação ainda seja lento, cresce a percepção de fim iminente do aperto monetário, com provável alta residual de 25 pontos-base em maio.
Por aqui, ainda reverberam nas mesas de operação a desaceleração forte do IPCA em março e a possibilidade de inclusão de travas extras à expansão de gastos na proposta do novo arcabouço fiscal, em meio a sinais de que o presidente Lula teria arbitrado a favor da equipe econômica na disputa com a ala política do Planalto.
Tirando uma alta bem pontual e limitada nos primeiros minutos de negócios, o dólar operou em baixa firme ao longo do dia. Com mínima a R$ 4,9176 (-1,79%) no fim da manhã, a moeda encerrou a sessão em baixa de 1,31%, cotada a R$ 4,9417 - menor valor de fechamento desde 9 de junho de 2022 (R$ 4,9156). A divisa já apresenta perdas de 2,30% na semana e de 2,50% em março, o que leva a desvalorização acumulada no ano a 6,41%.
"A valorização do real hoje é acompanhada por outras moedas no mundo. O mercado reage à divulgação da inflação americana abaixo das expectativas, que pode ter efeito no ciclo de alta de juros nos EUA", afirma o head de investimentos da Nomad, Caio Fasanella. "O resultado do CPI aumentou as apostas de que o Fed pode ser menos duro na alta de juros, o que foi positivo para moedas emergentes", diz a economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest.
O CPI subiu 0,1% em março, abaixo da mediana de Projeções Broadcast (0,2%). Na comparação anual, houve desaceleração de 6% em fevereiro para 5% no mês passado, resultado inferior às expectativas (5,2%). Já o núcleo do índice - que exclui preços de alimentos e energia - avançou 0,4% em março, em linha com o esperado, e 5,6% na comparação anual.
Na ata de seu encontro de março, divulgada à tarde, o Federal Reserve prevê que os EUA passem por uma "leve recessão", que deve se iniciar no fim deste ano, em parte por conta de aperto nas condições financeiras com a crise nos bancos médios americanos. O documento não mudou a aposta majoritária de que haverá pelo menos mais uma alta de 25 pontos-base na taxa de juros e um ciclo de cortes no segundo semestre.
Para o economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira, a mudança de perspectiva de taxa de juros nos EUA no fim do ano e a valorização dos preços das commodities são os principais propulsores da onda recente de queda expressiva do dólar no mercado doméstico de câmbio.
"O grande fator para a queda do dólar é certamente a mudança da perspectiva para a política monetária americana. A projeção para os FedFunds no fim do na caiu recentemente de 5,60% para 4,38%. Isso teve grande impacto no valor do dólar frente a divisas emergentes", afirma Oliveira, acrescentando que a redução de ruídos políticos internos contribui para a apreciação do real. "Lula fez defesa de Haddad e o secretário do Tesouro Rogério Ceron disse que aceitou sugestões do mercado para melhorar o arcabouço fiscal".
Oliveira vê possibilidade de continuidade da apreciação da moeda brasileira dados os fundamentos macroeconômicos e o fato de a taxa real de câmbio (que leva em conta diferencial de inflação interna e externa) ainda estar em níveis depreciados. "E temos ainda entrada de portfólio para renda fixa, com o juro alto, e para equity (ações). Faz sentido para gestores de recursos no exterior aumentarem o peso do Brasil em suas carteiras", diz o economista-chefe do Pine, para quem, após uma provável queda adicional no curto prazo, o dólar deve encerrar o ano na casa de R$ 5,00, em razão de cortes da taxa Selic.
Ibovespa
Em boa parte da sessão, o Ibovespa parecia que reconquistaria a linha dos 107 mil pontos nesta quarta-feira, nível não visto em fechamento desde 23 de fevereiro, e no melhor momento, à tarde, chegou a tocar os 108 mil na máxima, também o maior patamar intradia desde 23/2. Após salto de mais de 4% na sessão anterior, quando havia registrado o maior ganho diário desde o começo de outubro, a referência da B3 subiu hoje 0,64%, aos 106.889,71 pontos, entre mínima de 106.216,58 e máxima de 108.277,02, saindo de abertura aos 106.217,90 pontos.
Na semana, o índice avança 6,02% e no mês, 4,91%, reduzindo a perda do ano a 2,59%. O giro foi a R$ 59,8 bilhões na sessão, reforçado pelo vencimento de opções sobre o Ibovespa, em recuperação de volume que havia se esboçado ainda ontem, quando retomou a casa dos R$ 30 bilhões.
Desde o exterior, a inflação ao consumidor nos Estados Unidos, abaixo do esperado para março, deu suporte ao apetite por ativos de risco, sustentando hoje novo dia de realinhamento de preços na B3, que ontem tinha experimentado o entusiasmo em torno da leitura sobre o IPCA de março, com o acumulado em 12 meses abaixo do teto da meta, algo que não era visto havia alguns anos.
"A desaceleração da inflação ao consumidor nos Estados Unidos, praticamente em linha com o esperado, de 6% ao ano em fevereiro para 5% ao ano em março, foi bem importante para os movimentos do mercado pela manhã, com os juros das Treasuries de 10 anos retirando prêmio", diz Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos, observando que a inflação ao consumidor nos EUA chegou a atingir 9,1% ao ano em junho passado.
À tarde, contudo, os índices acionários de Nova York se firmaram em baixa, nas mínimas do dia, após a ata do Federal Reserve referente à sua mais recente reunião de política monetária. O Fed projeta que os Estados Unidos deverão passar por uma "recessão leve", que deverá iniciar no fim deste ano, em resposta aos "efeitos econômicos dos recentes desdobramentos do setor bancário", seguida de uma recuperação da atividade nos dois anos seguintes.
Alguns dirigentes observaram que, dada a inflação persistentemente alta e a força dos dados econômicos recentes, teriam cogitado aumento de 50 pontos-base na taxa de juros de referência, caso não tivessem ocorrido problemas no setor bancário em março. Na última reunião, o Fed elevou a taxa de juros em 25 pontos-base (pbs), conforme o consenso do mercado - abaixo, portanto, do sinal que apareceu agora na ata da respectiva reunião, por parte de alguns integrantes do comitê monetário.
"Embora todos tenham concordado em aumentar a taxa em 25 pbs na reunião de março, houve 'vários participantes' que consideraram se seria apropriado manter nesta reunião e 'alguns participantes' consideraram um aumento de 50 pbs, dada a inflação persistentemente alta e a força dos dados recentes. No final, no debate entre a estabilidade de preços (inflação ainda bem acima da meta de longo prazo do Fed) e a estabilidade financeira (estresse do setor bancário), venceu a determinação contínua de o Fed trazer a inflação de volta à meta de 2%", aponta em nota Jason England, gerente de portfólio da Janus Henderson.
"Em reunião paralela do JPMorgan ontem por ocasião dos encontros do Fundo Monetário Internacional, houve um panorama da economia mundial em que se constatou a surpresa em termos da resiliência do crescimento e da persistência da inflação", diz o economista Alexandre Mathias, CEO da Kilima Asset, que está em Washington acompanhando os eventos. Por outro lado, também foi enfatizado, na apresentação promovida pelo JPMorgan, que "a reabertura da China está acontecendo antes e de maneira mais intensa do que se esperava, o que dá um contrapeso à economia mundial, com um dos motores começando a tracionar, trazendo uma expansão mais forte."
"Existe o diagnóstico de que há desconexão muito forte entre o mercado de renda fixa e o de ações. O mercado de renda fixa fez um movimento muito importante de juros para baixo, que seria compatível com desaceleração muito forte da economia, e ainda tem cortes precificados para a segunda metade do ano. Por outro lado, as ações subiram e parecem apostar numa aterrissagem suave da economia", diz Mathias, observando que, em "cenário dividido", é importante ser seletivo tanto na renda fixa como na variável, "mas concentrando o risco na renda fixa para aproveitar os juros mais altos, e esperar a resolução do cenário em termos das incertezas".
No front doméstico, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que está em Washington para as reuniões de primavera do Fundo Monetário Internacional e participou, nesta quarta-feira, de encontro com investidores, mostrou cautela com relação ao efeito, no Copom, de leitura avulsa sobre o índice oficial de inflação, uma desaceleração de preços que havia animado ontem os investidores e despertado o apetite por ativos brasileiros.
No encontro, Campos Neto comparou a Selic a uma dosagem de antibiótico e disse que ainda não é hora de reduzir os juros no Brasil, conforme apurou a correspondente do Broadcast nos Estados Unidos, Aline Bronzati, que acompanha os eventos em torno do FMI em Washington. Segundo o presidente do BC, conforme o relato de participantes, a queda da inflação em março é só mais um dado e a autoridade monitora o momento certo de começar a baixar as taxas - o qual ainda não chegou, disseram fontes, na condição de anonimato.
Campos Neto reconheceu que o resultado do IPCA em março foi bom, mas ponderou que é apenas uma leitura, lembrando que o BC não reage a dados de alta frequência, conforme o relato de fontes à correspondente do Broadcast. As declarações de Campos Neto foram feitas em reunião fechada com investidores, organizada pela XP Investimentos na capital americana, às margens do encontro do FMI.
Na B3, à exceção de Vale (ON -2,14%), o dia foi de recuperação ainda ampla para as ações de maior liquidez e peso no Ibovespa, com Banco do Brasil (ON +6,96%) liderando os ganhos entre os grandes bancos - parte deles reverteu ao negativo em direção ao fechamento (Unit do Santander -0,11%, Bradesco PN -0,50%). Petrobras também perdeu fôlego perto do fim da sessão, com a ON em leve alta de 0,07% e a PN, de 0,74%, no encerramento.
Na ponta do Ibovespa, além de Banco do Brasil, destaque também nesta quarta-feira para Ecorodovias (+7,54%), Banco Pan (+4,19%), Cyrela (+3,81%) e Petz (+3,68%). No lado oposto, além de Vale, Carrefour Brasil (-3,60%), Assaí (-1,84%), Gerdau Metalúrgica (-1,64%) e Braskem (-1,59%).
Juros
Apesar da agenda externa relevante da quarta-feira, os juros futuros passaram boa parte da sessão de lado, fechando com taxas perto dos ajustes anteriores. Após o forte alívio de prêmios visto ontem, era de se esperar alguma realização de lucros na curva, mas a nova rodada de queda do dólar, abaixo de R$ 5, e a leitura conjunta do índice de preços ao consumidor (CPI, em inglês) dos Estados Unidos com a ata do Federal Reserve limitou o ajuste.
Pela manhã, o dado de inflação chegou a impor um viés de baixa às taxas locais, mas que se dissipou ao longo do dia em meio a inconsistência do sinal dos Treasuries. Além disso, declarações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em reuniões com investidores durante o evento do Fundo Monetário Nacional (FMI), desautorizaram otimismo do mercado quanto ao início do ciclo de corte de juros.
A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2024 fechou em 13,14%, de 13,12% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2025 encerrou em 11,81%, de 11,75%. A do DI para janeiro de 2027 passou de 11,73% para 11,75% e a do DI para janeiro de 2029 ficou estável em 12,16%.
A pouca tração no mercado de juros destoou do comportamento da Bolsa e do real, que renovaram o fôlego de alta. O dólar à vista fechou em baixa de 1,31%, aos R$ 4,9417, o que é visto como boa notícia para o cenário de preços. Mas a percepção é de que o recuo das taxas ontem foi grande o bastante e que agora são necessários novos gatilhos para direcionar as posições.
O operador de renda fixa da Nova Futura Investimentos André Alírio viu um certo exagero na queima de prêmios da véspera. "O mercado acabou andando muito. O pessoal fez as contas e se deu conta de que ainda há uma série de etapas a serem cumpridas antes do Copom começar a cortar a Selic", disse. Para ele, foi o ambiente externo que ajudou a evitar um ajuste de alta mais firme nesta quarta.
Mesmo considerada em boa medida defasada após a leva de dados econômicos nos últimos dias, a ata do Fed trouxe alguma preocupação sobre a saúde da economia americana ao afirmar que os Estados Unidos devem passar por uma "recessão leve", que deverá iniciar no fim do ano, em resposta aos "efeitos econômicos dos recentes desdobramentos do setor bancário". Pela manhã, o CPI havia mostrado desaceleração de 6% para 5% na taxa anual entre fevereiro e março no dado cheio, mas com avanço dos núcleos (5,5% para 5,6%). As taxas dos Treasuries até a ata não tinham sinal firme, consolidando-se em baixa posteriormente.
Ao mesmo tempo, Campos Neto, a investidores durante evento da XP Investimentos, paralelamente às reuniões de primavera do FMI, buscou frear a empolgação do mercado com o IPCA de março e com a perspectiva de um corte da Selic no curto prazo. Ele comparou a Selic a uma dosagem de antibiótico e disse que ainda não é hora de reduzir os juros. Segundo ele, a queda da inflação em março é só mais um dado.