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APOSTAS EM XEQUE

Denúncias de manipulação de resultados no futebol alertam para falta de regulamentação das apostas no Brasil

Mais de quatro anos após a lei que liberou a atividade no País, texto que regulamenta atividade ainda não foi elaborado

Eduardo Amaral
Publicado em: 18/05/2023 às 16h:53 Última atualização: 30/09/2024 às 16h:28
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Os recentes escândalos envolvendo manipulação de resultados do futebol brasileiro acenderam um alerta sobre o mercado de apostas esportivas. Desde que a Lei 13.756 autorizou a atividade no País, empresas do setor se proliferaram atraindo a cada dia mais pessoas, patrocinando clubes de futebol e pagando publicidade em emissoras de televisão.

Tudo parecia andar bem até que veio à tona casos de jogadores de futebol que recebiam dinheiro para levar cartões e até cometer pênaltis, aliciados por apostadores.

Apostas se proliferam em todo país através de sites e aplicativos | abc+



Apostas se proliferam em todo país através de sites e aplicativos

Foto: Eduardo Amaral/GES Especial

Porém, a lei entrou em vigor no final de 2018 sem qualquer regulamentação, o que se prometia para logo. Passados quase quatro anos e meio, governo e Congresso agora demonstram preocupação com os rumos tomados pelo mercado de apostas.

Na semana passada, o Ministério da Justiça esboçou uma primeira ação para regulamentar o setor através de uma Medida Provisória (MP). Já nesta semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), propôs que o governo apresente um projeto de lei para tramitar em regime de urgência sobre o tema.

Diferentemente da MP, que vigora imediatamente, mas tem um prazo de 60 dias de vigor, o projeto de lei se torna lei definitivo, caso seja aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente da República.

Independentemente de como a regulamentação será feita, uma coisa parece evidente para quem acompanha a situação das apostas no Brasil: ela demorou muito mais do que deveria. “Parece que agora porque descobriram a máfia da aposta querem regulamentar, não é assim que um País vive”, critica o coordenador do curso de Direito da Universidade Feevale, Cássio Schneider Bemvenuti.

Bemvenuti questiona como seria o comportamento das autoridades brasileiras se não houvesse um escândalo. “Acho que só poderia ter sido liberado já regulamentado. E se não tivessem descoberto ia continuar essa omissão?”, questiona.

Mesmo entre apostadores a demora na regulamentação é um ponto de crítica, como no caso do educador físico Fabio Nettuno. “É um processo lento demais, desde que o (Michel) Temer [ex-presidente da República sancionou a lei em 2018] aprovou isso e a gente não tem regulamentação.”

*Com informações Agência Estado

Convergência sobre maior rigor às casas de apostas

Há 15 anos, Nettuno começou a investir em apostas e tem, hoje, elas como sua principal fonte de renda. Apesar de crítico à demora, ele enxerga um ponto positivo para esta lentidão. “Ao mesmo tempo, foi bom que nada tenha ocorrido, porque a pior coisa que tem é ter algo regulamentado por pessoas que não entendem nada do tema”, pondera.

Já Bemvenuti se mostra mais crítico à postura lenta das autoridades brasileiras. “Essa demora criou um vácuo legislativo”, aponta o professor de Direito.

Um ponto de convergência entre os dois está na necessidade de que as casas de apostas passem por um crivo mais rigoroso da lei, com maior taxação e garantia de pagamento aos clientes.

Para Bemvenuti é fundamental que os estabelecimentos comprovem ter recursos para pagar os apostadores, além de uma taxação sobre as mesmas, já que até o momento a questão tributária está vaga.

Nettuno vai no mesmo caminho e defende que as casas de apostas paguem mais impostos. Neste ponto ambos convergem com a proposta inicial do Ministério da Justiça, que prevê a aplicação de 16% de impostos sobre a receita bruta das empresas.

 

Divergência sobre taxação de apostadores

Mas o ponto de divergência entre o jogador e professor se dá em relação à cobrança de Imposto de Renda (IR) sobre os rendimentos com as apostas. A posição inicial do governo é de aplicar 30% para apostadores que recebam prêmios acima de R$ 2.112,00.

“Vamos criar um contingente de perdedores, dando dinheiro para as casas de apostas”, avalia Nettuno. De acordo com ele, jogadores vencedores que acabam fazendo da atividade sua fonte de renda são os que arriscam valores maiores. Com a taxação, eles deixariam de apostar no Brasil para investir em casas internacionais.

Em contrapartida, Bemvenuti considera positivo que o País passe a taxar também os apostadores, até como uma forma de garantir maior arrecadação, podendo inclusive utilizar esse recurso para campanhas de conscientização.

Os riscos das apostas

Um dos grandes temores que a falta de regulamentação cria é quanto às propensões ao vício. Com o aumento dos sites de apostas e a propaganda massiva dos últimos anos, ficou muito mais fácil para as pessoas entrarem nesse universo.

A promessa de dinheiro fácil é atraente, e a ideia de que será possível viver somente disso funciona como um canto da sereia. Mas Nettuno alerta que esse sonho pode ser apenas uma ilusão.


A gente tem uma cultura de querer ganhar dinheiro fácil

“Uma coisa que temos que ter muito cuidado é que vai levar anos até ficar bom nisso, quando a gente divulga que alguém vive disso, o guri de 20 anos vai achar que porque entende de futebol vai tentar o mesmo, e vai perder todo o dinheiro no mercado”, afirma Nettuno.

Usando o próprio exemplo, Nettuno diz que demorou cerca de quatro anos para começar a vencer e poder tirar uma renda das apostas.

Ele olha com preocupação a forma como a propaganda massiva acelerou os problemas. “A gente tem uma cultura de querer ganhar dinheiro fácil, educação econômica inexistente, junta isso com uma publicidade massiva, traz um monte de gente sem ter preparo”, avalia.

Nettuno diz receber relatos de pessoas que perderam casa, carro e muitos outros bens nas apostas. “Hoje meu trabalho não é ensinar as pessoas a ganhar dinheiro, mas sim a não perder dinheiro”, resume ele, que dedica sua página no Instagram para falar sobre o mercado.


Jogos de azar geram pessoas com vício e a gente tem que dizer isso

O professor Bemvenuti considera essencial que se coloque na balança o risco do vício em jogos na discussão sobre a regulamentação. “Jogos de azar geram pessoas com vício e a gente tem que dizer isso, eu não preciso ser contra o jogo de azar, mas posso dizer isso também.”

CPI das apostas terá 120 dias para investigar tema

A Câmara dos Deputados instaurou, na quarta-feira (17), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Manipulação de Resultados para investigar as denúncias feitas pela Operação Penalidade Máxima sobre o esquema de apostas no futebol brasileiro.

A criação foi feita pelo deputado Felipe Carreras (PSB-PE), responsável pelo requerimento, protocolado em março, dias depois de o Ministério Público de Goiás (MP-GO) deflagrar a primeira fase da operação, que investiga apostadores e jogadores envolvidos em esquema de apostas no futebol brasileiro.

Carreras (PSB-PE) será o relator da Comissão Parlamentar de Inquérito e Julio Arcoverde (PP-PI) foi eleito presidente. A partir de agora, a CPI terá 120 dias para investigar o tema, com convocação de personagens para depor e quebrar sigilo bancário. A investigação policial continua no Ministério Público.

Sugestões de mudança

Apesar das críticas, Bemvenuti garante não ser contrário às apostas no Brasil e sinaliza para alguns pontos que considera importantes de constarem na regulamentação:

Garantia de pagamento: para serem autorizadas a funcionar, as casas precisam provar que têm recursos para pagar os apostadores, um valor mínimo em torno de R$ 30 milhões

Matriz tributária clara: taxação pesada sobre as empresas e também sobre os lucros obtidos pelos apostadores

Segurança nos sites: informações e limitações que constam no site e exigência de programas que façam capturas e entreguem para a polícia as possibilidades de fraude

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