Luiz André Steffen era criança quando viu a água vertendo da terra pela primeira vez. A vida na agricultura começou cedo, ao lado do pai e dos irmãos, na propriedade rural em Bom Princípio, no Vale do Caí. Hoje, aos 51 anos, o agricultor volta ao mesmo local onde matou a sede na infância, durante a lida na roça, e vê a fonte protegida. É parte de um sonho que ele vê realizado.
Daquele primeiro contato com o olho d’água até hoje, a relação da agricultura com a preservação da natureza se tornou filosofia de vida de Steffen. O agricultor é o primeiro do município a concretizar a proteção da nascente que existe na propriedade onde cultiva alimentos orgânicos. A inauguração da Unidade de Referência (UR), como foi batizada a nascente protegida, ocorreu em março deste ano.
A proposta é que o recurso seja usado como fonte de irrigação e também de conhecimento, aberto para visitação de alunos da rede de ensino e qualquer pessoa que tenha interesse em aprender sobre preservação de recursos hídricos.
“A ideia é trazer crianças de escolas, para conhecerem a fonte e sua importância. A gente sempre tem sonhos, mas às vezes os sonhos que a gente consegue realizar são aqueles mais próximos de serem atingidos”, diz Steffen, ao se referir sobre sua relação com a agricultura e o meio ambiente. “Eu gostaria que essa água chegasse no Rio dos Sinos limpa, mas não vai chegar, mas vou fazer o máximo possível para que ela aqui seja bem aproveitada”, completa.
Chuva “preparou” a fonte para inauguração
A inauguração da Unidade de Referência (UR) da proteção da nascente na propriedade da família Steffen estava marcada inicialmente para o dia 22 de março, data em que se comemora o Dia Mundial da Água. O evento que contava com a presença de representantes da Emater e da cooperativa Sicredi teve de ser remarcado.
O adiamento da data do evento permitiu o tempo necessário para que a chuva que havia caído na semana anterior completasse seu ciclo, infiltrando-se no solo e alimentando a nascente recém protegida. A inauguração oficial ocorreu no dia 27 de março, na localidade de Vale das Flores, onde está a propriedade da família.
Parte da água escoa pelo solo da mata
As edificações que protegem a nascente permitem a canalização da água, mas Steffen comenta que também permite que parte dessa água escoe livremente pelo terreno. Ele salienta que considera importante a manutenção de parte da água corrente para que possa se infiltrar no solo naturalmente. O agricultor entende que esta é uma forma do curso natural daquela fonte hídrica.
Sempre que os reservatórios estão cheios, a água da nascente escorre pelo terreno, podendo se infiltrar no solo de novo. A água da chuva também serve para alimentar a própria nascente, como também é armazenada em outros reservatórios como finalidade de usos distintos na propriedade da família.
Sustentabilidade está presente em toda a propriedade dos Steffen
Localizada na área rural de Bom Princípio, a propriedade da família Steffen tem cultivo de frutas orgânicas, como morango, figo e citros. Além disso, Luiz André, a esposa Adriana Arlete Mossmann Steffen 46, e o filho do casal, João Gabriel Steffen, 19, desenvolvem a permacultura, buscando aproveitar ao máximo os recursos naturais.
Nesse contexto, desde a construção da casa, com telhado verde, armazenamento de água da chuva e uso de energia solar fazem parte do projeto de vida dos Steffen. Embora a agricultura seja o carro-chefe do trabalho, a família também abre a propriedade para turismo rural e eventos.
Steffen foi um dos pioneiros na produção orgânica de morangos, tendo participado da cooperativa Ecomorango. Atualmente a produção de frutas é vendida em feiras de orgânicos e o excedente vai para a agroindústria da qual faz parte, para produção de geleias.
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Água para a agricultura
A proteção de vertentes tem um papel fundamental na agricultura. É um recurso para a irrigação em tempos de estiagem, por exemplo. Pode ser, literalmente, a salvação da lavoura para pequenos agricultores. O poder público é parceiro nessas iniciativas de preservação de recursos hídricos.
No caso de Steffen, o auxílio veio através da Emater/Ascar-RS e da cooperativa Sicredi Serrana. A parte do morro na propriedade de André onde brota a água teve seu entorno protegido com plantio de algumas espécies de plantas para evitar erosão. Esse é um ponto para preservar a nascente. Também recebeu uma pequena estrutura de tijolos, canos e concreto, o que permitiu canalizar a água e mandá-la para um reservatório. A fonte não cessa.
A garantia para essa fonte sempre entregar água vem do trabalho técnico da Emater, que se responsabiliza pelo projeto técnico de proteção das vertentes. Esse trabalho inclui a preparação do terreno, intervenções estruturais e até replantio de árvores, se for necessário. Todo o trabalho é amparado pela legislação.
O engenheiro agrônomo Alexandre Matusiak, que atua na Emater de Bom Princípio, explica que os projetos seguem o “Roteiro Técnico para Implantação do Sistema de Captação de Água de Nascentes e Olhos D’água”. A construção da estrutura ao redor das nascentes é considerada de baixo impacto, de acordo com a Resolução nº 314/2016, aprovada pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema).
“Nosso trabalho é feito conforme a legislação. Fazemos também a análise da água, para verificar se tem presença de coliformes. Para uso humano, teria que fazer a cloração da água, mas para uso na lavoura é totalmente aceita, pois não tem presença de coliformes fecais”, comenta Matusiak sobre o resultado da proteção da nascente na propriedade de Steffen. Além disso, o escritório da Emater está à disposição para prestar informações e auxílio para outros produtores rurais que tenham interesse em promover a proteção de fontes naturais de água.
Cooperativa de crédito executa projeto em apoio a agricultores
Com base nos princípios do cooperativismo, a Sicredi Serrana tem a sustentabilidade alicerçada entre seus compromissos com a comunidade onde atua. Conforme explica o assessor de Negócios Segmento Agro da Sicredi Serrana RS/ES, Carlos Martinho Berres, o “olhar voltado para a sustentabilidade” da cooperativa se desenvolve por meio de diversos programas e ações específicas. “E uma dessas ações tem a ver com programa de preservação de nascentes.”
O programa foi estruturado em parceria com a Emater nos 23 municípios da área da Sicredi Serrana. Berres explica que a proposta é criar uma Unidade de Referência, como a que foi feita na propriedade de Steffen, e outras cinco proteções básicas em cada município.
“A cooperativa apoia em 70% o valor do material de tudo o que precisa ser investido na preservação da nascente. E o produtor rural entra com 30%. Existem três elos envolvidos. A Emater faz a parte técnica, o Sicredi dá um apoio financeiro (é a fundo perdido, e não um financiamento), e o produtor faz a contrapartida”, resume Berres. No total são 115 nascentes preservadas de forma básica e mais 23 Unidades de Referência.
“O projeto foi desenvolvido para três anos. Começou em 2021 e vai se encerrar em julho de 2024. Conclui-se esse primeiro passo desta quantidade que foi estipulada. Acho que após isso devemos provavelmente dar uma continuidade para mais interessados que possuem nascentes e que querem fazer a preservação delas. Mas vamos trabalhar essa proposta de continuidade depois de fechado esses três anos de projeto em execução”, avalia Berres.
Uso racional da fonte de água
Já a proteção de nascentes serve como recurso para abastecimento de famílias e suas criações, conforme observa o assistente-técnico da Emater, Luís Bohn. Ele chama a atenção para o aspecto sócio-ambiental da proteção de nascentes. Um deles, o próprio uso racional de água pelas famílias aliado ao emprego adequado da tecnologia de proteção de nascentes.
“Nesse aspecto, é um recurso permanente para a agricultura, porque está ali à disposição a tecnologia, mas sempre entendendo que a nascente se estenda principalmente à rotina da família e para pequenas criações, nada além disso”, pondera. “A noção de proteger a nascente no aspecto social é proteger a qualidade de água que pode servir para se abastecer”, destaca Bohn.
Eventos climáticos exigem ações
Nos últimos anos, produtores rurais do Rio Grande Sul vivenciaram experiências extremas diante do clima. Seja pelos efeitos dos fenômenos El Niño e La Niña, seja pelas mudanças climáticas que estão em curso em todo o planeta, o fato é que a lavoura não pode ficar à mercê do tempo.
Durante o período mais crítico da estiagem no Rio Grande do Sul, em 2022, o governo do Estado manteve atualizações do Relatório da Estiagem. Na última publicação do documento naquele ano, era consenso que os prejuízos da estiagem ainda seriam sentidos por um longo tempo.
“Cerca de 300 mil propriedades rurais sofreram pelos efeitos da estiagem no Estado, com dezenas de milhares de famílias com dificuldades ao acesso à água”, assinalava o Relatório Nº9, de 2022. As projeções dos prejuízos eram superiores a R$ 40 bilhões, considerando somente o que deixaria de ser colhido nos cultivos anuais de verão, como soja, milho, feijão, arroz e tabaco. Além disso, as culturas de uva, maçã, citros, noz-pecã, tabaco, erva-mate e olerícolas sofreram grandes prejuízos.
MP vai reativar projeto de proteção de nascentes
O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) deverá retomar o projeto de mapeamento de nascentes. Em 2018, algumas comarcas começaram a utilizar um aplicativo chamado Água para o Futuro, desenvolvido em parceria com o MP do Mato Grosso. A proposta era catalogar nascentes para promover a proteção desses recursos hídricos. Porém, devido a condições técnicas, o aplicativo não teve continuidade.
Mas a coordenadora do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do Ministério Público, Ana Maria Moreira Marchesan, sinaliza que o projeto deverá ser retomado, somando-se assim mais uma iniciativa de preservação de recursos hídricos.