Já não basta mais o olho do dono para “engordar” o rebanho. Desde que a tecnologia começou a ser incorporada como ferramenta auxiliar ao manejo da pecuária, produtores rurais mantêm os olhos na criação e na tela do computador ou do celular.
O plantel de vacas holandesas de Gediel Griebeler, 45 anos, é um exemplo de como a inovação trouxe resultados na produtividade. A mudança na forma de trabalho que ocorre na propriedade da família Griebeler, no interior de Montenegro, também representa uma transformação crescente, nos últimos anos, em fazendas de gado leiteiro no Rio Grande do Sul.
Para secretário-executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Rio Grande do Sul (Sindilat-RS), Darlan Palharini, a tecnologia de ponta incorporada ao trabalho do produtor rural é compreendida como uma ferramenta-chave para a prosperidade do setor. “É a saída para o enfrentamento da concorrência externa esse tipo de tecnologia, mas ainda está caro para o produtor”, analisa.
O Sindilat já manifestou ao governo do Estado a necessidade de adaptar tecnologias do setor leiteiro para a realidade do Rio Grande do Sul, em reunião realizada no início de junho na Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Sedec).
Titular da Sedec, Ernani Polo lembra que o tema foi apresentado paralelamente durante o encontro com os dirigentes do Sindilat. Mas o secretário promete que será dado continuidade ao debate. Nova reunião está marcada para esta terça-feira (27) para tratar dessa demanda de forma mais detalhada, a fim de que se possa avançar nessa solicitação do setor leiteiro gaúcho. “Os recursos e instrumentos presentes na nossa secretaria serão disponibilizados para trazer melhorias para o segmento”, garante Polo.
Contudo, mesmo que ainda não haja uma política específica de fomento à inovação na produção leiteira, já existem resultados dentro das propriedades. No caso de Griebeler, por exemplo, a Cooperativa Agrícola Mista General Osório (Cotribá), que possui associados nos três estados do Sul, serviu de elo entre o produtor e a empresa de tecnologia, que fornece assistência remota sobre o manejo das vacas leiteiras.
Também há outros exemplos, como propriedades onde foram adotadas tecnologias como a ordenha robotizada. Mesmo sendo uma tecnologia importada, pecuaristas sinalizam ganhos.
LEIA TAMBÉM
Vacas usam colar que monitora todas as atividades
Griebeler tem as informações sobre o rebanho na palma da mão. É pelo celular que ele acompanha tudo o que se passa com as vacas holandesas. O colar (ou coleira) no pescoço dos animais é um dispositivo que está interligado ao sistema da Cowmed – startup brasileira que gera dados que vão auxiliar o manejo agropecuário.
Cada animal é cadastrado no sistema e, a partir do uso do colar, informações como temperatura corporal, ruminação, época de cio, por exemplo, são informadas ao pecuarista. A grande vantagem, segundo Griebeler, é a possibilidade de antever sintomas. “Garante mais bem-estar do animal e evita que chegue a um ponto crítico”, observa o pecuarista, que, antes da tecnologia de ponta, chegou a perder animais do plantel por conta de doenças.
Além da saúde das vacas, a rentabilidade do leite está entre os reflexos positivos da inserção da tecnologia na propriedade. Das 90 vacas leiteiras, atualmente 41 estão em lactação. Instalado em fevereiro deste ano, o sistema da Cowmed permite observar dois momentos distintos na propriedade. Antes do colar, o volume de leite produzido era, em média, 23 litros por dia para cada vaca. Depois da inserção do colar, essa média subiu para 38 litros. Os animais também vivem em sistema de confinamento e não mais em pastagem.
Cooperativa atuou como elo entre startup e pecuarista leiteiro
Com a intenção de valorizar o trabalho dos produtores rurais associados, a Cotribá estimula a adoção de tecnologias como ferramentas no dia a dia do campo. De acordo com o assistente-técnico comercial da cooperativa, André Luís Mânica, as coleiras tecnológicas começaram a ingressar com mais ênfase nas propriedades entre 2017 e 2018.
Com incentivo da cooperativa, associados obtêm o sistema de forma subsidiada. “A tecnologia é um produto que vem para somar dentro das propriedades”, observa Mânica. Através da Cotribá, hoje existem 3,6 mil vacas monitoras pelo sistema da Cowmed no Estado. “Essa tecnologia vai monitorar toda a parte de atividade da vaca, que influencia no manejo dentro da propriedade.”
Griebeler conheceu o sistema de monitoramento das vacas através de Mânica. Ele admite que no começo teve certa estranheza, mas diante dos dados apresentados e da curiosidade, optou por aderir à nova ferramenta. “A gente até pensa: mas será? Mas como sou curioso, decidi apostar. O que mais me chamou a atenção, num primeiro momento, foi a questão da doença, de conseguir buscar a informação antes. Então a gente instalou”, contra Griebeler.
Qualidade do leite que chega à indústria
O cruzamento de dados do colar com os dados do robô de ordenha estão entre os principais fatores que elevaram a qualidade do leite produzido na propriedade de Daniel Breunig, em Condor, no norte do Estado.
O pecuarista cita vantagens que vão desde a redução da mão de obra ao aumento da rentabilidade, depois que o equipamento permitiu acrescentar uma ordenha à rotina das vacas.
Mas a qualidade do leite é um destaque entre os resultados. “Você consegue fazer a análise da temperatura do leite, cor, gordura, proteína, lactose, até a contagem de células somáticas (CCS – que está relacionada à identificação de ocorrência de mastite). Então acaba cruzando todos esses dados e mais o controle da ruminação, do colar, e fornece informações sobre as chances de doença desse animal”, resume Breunig.
Prêmio reconhece a qualidade do leite dos Breunig
A prova de que a incorporação de tecnologia ao manejo trouxe resultados ao produto final na propriedade dos Breunig ocorreu no ano passado. A Breunig Agricultura e Pecuária, empresa da família de Daniel, venceu a primeira edição do Prêmio Referência Leiteira em 2022. O reconhecimento foi concedido pela Secretaria Estadual da Agricultura, Emater e Sindilat, durante a Expointer.
Além da conquista do reconhecimento, Daniel Breuning salienta que o robô na propriedade supre a escassez de mão de obra no meio rural. “A tecnologia atende todas as propriedades”, resume.
Necessidadede adequar aspropriedades
Atualmente, a propriedade de Daniel Breunig já conta com um segundo robô de ordenha, adquirido da Lely. O investimento não se resume a comprar equipamentos, mas também em adequar o manejo de forma global. Assim como Griebeler, em Montenegro, tirou as vacas da pastagem e levou para o confinamento, além de adotar o sistema do colar da Cowmed, Breuning fez adequações no plantel.
“Estamos fazendo obras no compost barn (espaço físico coberto para descanso das vacas) para transformar num free-stall (o rebanho fica solto dentro desta área cercada) e compramos mais um robô”, detalha Breuning, que projeta dobrar a produção de leite.
Tecnologia embarcada no setor primário
Pode-se dizer que as tecnologias empregadas na pecuária leiteira são focadas em rentabilidade e bem-estar. Seja por aplicação Inteligência Artificial (IA), Internet das Coisas (IoT), seja por meio da robotização, os sistemas mais utilizados geram dados ou executam tarefas que aprimoraram o trabalho que antes era feito somente por pessoas.
O cofundador da Cowmed, Leonardo Guedes, explica que a coleira de monitoramento é uma espécie de “tradutor” de vaca, uma ferramenta similar ao smartwatch, que permite a mensuração do comportamento das vagas durante o dia (alimentação, caminhada, respiração, fases do sistema reprodutor, saúde, etc).
“Esse monitoramento serve para que o produtor tenha uma gestão mais inteligente do rebanho, mais otimizada e que consiga detectar os animais que estão precisando de atenção especial”, explica Guedes. Ele acrescenta que o projeto da Cowmed resulta de um aprimoramento de uma ideia inicial de desenvolver um sistema para monitorar animais ou pessoas. Como havia poucas ferramentas tecnológicas no setor pecuário, os empreendedores começaram a desenvolver o software que hoje é a Cowmed. “É praticamente uma Internet das coisas (IoT) pura. No caso, a Internet das vacas.”
Ordenha robotizada
A ordenhadeira robotizada é dotada de um sistema que fornece dados que auxiliam no manejo, além de executar a ordenha. Esse equipamento, porém, é importado. Hoje, duas marcas são comercializadas no Brasil. “A Lely é pioneira nesse sistema de ordenha robotizada. Os primeiros equipamentos foram lançados na década de 90 pela empresa. De lá para cá foram feitas melhorias de maneira que hoje a tecnologia é bastante comprovada. Ela traz não só a operação simples diária que o produtor precisa, que é ordenhar os animais, como também traz outros valores em termos de informações”, explica o gerente de vendas da empresa, João Vicente Pedreira.
O equipamento, segundo Pedreira, oferece a possibilidade de ampliar a produção. “Em relação ao sistema tradicional, quando o produtor tem três ordenhas, se ele adota o sistema de ordenha robotizado, passa a ter um aumento de 8% a 15% na produção de leite”, projeta.
Dados da Emater sobre mecanização
O mais recente relatório socioeconômico da Cadeia Produtiva do Leite no Rio Grande do Sul, elaborado pela Emater em 2021, mostra, entre outros dados, a presença de ordenhas robotizadas. Naquela época, a Emater destacou que pela segunda vez havia sido registrada ordenha robotizada em plantéis de 72 produtores, sendo que o número de equipamentos era de 93. Durante a Expointer deste ano deverá ser apresentado o novo relatório, que é atualizado a cada dois anos. A expectativa é de que o número desse tipo de equipamento seja maior.
Apoio ao setor passa pela indústria
Diante da crescente industrialização das propriedades leiteiras, o secretário-executivo do Sindilat, Darlan Palharini, entende que é necessária a “tropicalização” dos sistemas de manejo do gado. Em outras palavras, Palharini quer dizer que essa tecnologia, como a do robô de ordenha, hoje importada, precisa ter uma adaptação para o clima e as condições do Brasil. Essa mudança seria possível a partir do desenvolvimento dessas máquinas em solo brasileiro.