AGRONEGÓCIO

Guardiões da agropecuária passam em revista o controle sanitário do RS

Zonas livres de doença sem vacina, como aftosa, gripes suína clássica e aviária, são desafios diários na produção primária do Rio Grande do Sul

Publicado em: 26/09/2023 15:03
Última atualização: 19/02/2024 16:55

A fiscal estadual agropecuária Renata Marques, lotada em Ivoti, está na linha de frente de uma das tarefas mais relevantes do agronegócio gaúcho: o controle sanitário de rebanhos. Desde 2021, o Rio Grande do Sul ostenta a certificação internacional de zona livre de aftosa sem vacinação.

A suinocultura recebeu certificação semelhante para a peste suína clássica em 2015. E atualmente a ocorrência de gripe aviária em espécies silvestres também mobiliza servidores do Departamento de Vigilância e Defesa Sanitária Animal (DDA) para evitar que a doença atinja aves comerciais.


Médica veterinária Renata Marques atua na Inspetoria estadual que fica em Ivoti Foto: Arquivo Pessoal

O trabalho que Renata desempenha em Ivoti é um exemplo de ações que ocorrem em todo o território gaúcho, executado por fiscais agropecuários, para proteger criações que representam uma parcela substancial da economia do Rio Grande do Sul.

Carne de frango e suína, por exemplo, estão entre os dez principais produtos exportados pelo Estado. Levantamento do Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG) mostra, por exemplo, que de janeiro a maio deste ano, o Rio Grande do Sul exportou o equivalente a US$ 575,2 milhões de carne de frango; e US$ 267,5 milhões de carne suína. Esse é apenas um recorte para exemplificar o peso que o controle sanitário sustenta na economia do Estado.

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Mas para atingir essas cifras em dólar, o Estado passa antes por um trabalho que envolve o cumprimento de uma série de regras sanitárias. As ações que Renata executa no seu dia a dia decorrem de normativas do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e também por programas estaduais, como o Sentinela - cujo foco é no controle de aftosa - e nas ações intensificadas de combate à disseminação da gripe aviária, por exemplo.

Linha de frente do controle sanitário de rebanhos

O controle sanitário sem vacina exige esforço conjunto e cooperação. No Rio Grade do Sul são realizados em torno de 5,6 mil atividades de vigilância por semestre, somente para controle da aftosa, por exemplo. Isto inclui visitas a propriedades em áreas de risco, o que não se limita à região da fronteira, mas abrange todo o território gaúcho, inclusive controle de trânsito.

A atividade de defesa agropecuária é executada por 328 fiscais com formação em veterinária, em todo o Estado, segundo dados referentes a abril. São eles que vão a campo para verificar as suspeitas emitidas através de notificações. Mas nesse conjunto de vigilância, há a cooperação tanto de criadores, quanto de outros profissionais como médicos veterinários particulares, ou de prefeituras.


Serviço de fiscalização está reforçado com a emergência da gripe aviária Foto: Arquivo Pessoal

Esclarecer sobre o risco das doenças que acometem os rebanhos, e sua proteção sem a vacina, também é parte do trabalho dos fiscais. Atuando com mais dois médicos veterinários na região de abrangência da Inspetoria de Ivoti, que compreende 13 municípios, Renata explica que em todas as visitas sempre é possível sensibilizar os produtores rurais.

"Tanto em visita de rotina quanto para fazer a vigilância ativa, conversamos com os produtores. São produtores de diferentes níveis (de pequenas e grandes criações), e com cada um é preciso ter um tipo de conversa para explicar para que serve a notificação e para que serve nosso trabalho. Estamos lá para levar informação também", afirma.

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Segurança sanitária sem vacina permite acessar novos mercados


Fernando Groff Foto: Julia Chagas / Seapi

O Rio Grande do Sul é reconhecido pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) como zona livre de febre aftosa sem vacinação desde maio de 2021. O projeto de retirada da vacina começou há mais de dez anos, lembra o chefe da Divisão de Defesa Sanitária Animal (DDA) da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação (Seapi), Fernando Groff. Era preciso elaborar uma medida de vigilância eficiente que pudesse compensar a segurança que a vacina trazia.

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“Fizemos vários inquéritos sorológicos no meio disso, porque não se define tirar a vacina sem ter uma certeza que não tenha vírus circulante. Foi isso que fizemos nos últimos anos antes de tirar a vacina (antes de 2021). A partir daí se estabeleceu uma estratégia de mitigação de risco”, pontua. As vistorias em propriedades são as principais ações, com atenção não só na área de fronteira, mas também em todos os locais onde há criação de gado.

Groff explica que a retirada da vacina permite abrir novos mercados. “A certificação livre de aftosa ou livre de peste suína clássica garante ao importador que ele está comprando produtos de uma área segura.”

O chefe da DDA também pondera que as oportunidades no mercado não surgem imediatamente. “É um processo”, diz Groff. “Mas se tira da pauta de negociação a necessidade de comprovar que é livre de aftosa, porque já tem a certificação.”

Zona livre de doença é diferente de vacinada

Professor no curso de Medicina Veterinária e no mestrado em Virologia da Universidade Feevale, Fernando Spilki observa que no controle de doenças que são barreiras sanitárias em animais é preciso não só monitorar os casos clínicos, mas também comprovar a inexistência de vírus circulante.


Fernando Spilki Foto: Divulgação

"Uma maneira de fazer isso é através de exames sorológicos. Examina-se os rebanhos, para saber se há anticorpos ou não. Essa é uma maneira de grande abrangência para ter certeza da não circulação do vírus."

Hoje no Estado é esperado que não se tenha o vírus circulante para a febre aftosa. Mas se os rebanhos fossem vacinados, se perderia o status de que não há vírus circulante. "Os animais passam a responder ao vírus vacinal e a gente já não consegue saber se aquela resposta é contra o vírus vacinal ou se ainda temos o vírus circulando, por isso a situação ideal é se manter no contexto atual o controle sem a vacinação."

Nos animais de produção, o controle sanitário sem vacinação permite o monitoramento mais amplo das doenças, através da comprovação de que não há anticorpos. É o caso da peste suína clássica, sujeita a controle de organismos internacionais, mas também de outras doenças, segundo Spilki, relativamente fáceis de evitar com esforços de biossegurança. "Não se vacina e fica sabendo se tem ou não tem o vírus circulando através do monitoramento sorológico."

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Outra questão apontada por Spilki é o investimento contínuo em novas soluções. "Seja de diagnósticos, seja em termos de vacinas que permitam, por exemplo, diferenciar os anticorpos gerados por vacina e os anticorpos de infecção para que, como já acontece com algumas outras doenças em outros países, a gente possa vacinar e manter o status de livre da doença, mas com vacinação.

Aí sim, com vacinas especiais, você consegue diferenciar os animais que foram infectados com vírus de campo daqueles que estão só vacinados", aponta. No entanto, o professor da Feevale pondera que este seria um passo adiante no controle sanitário. "Já existe para algumas doenças, mas é um passo que exige muita pesquisa e desenvolvimento no caso específico do Brasil", observa o pesquisador.

Retirada da vacina começou em 2015

A proposta de retirada da vacina da febre aftosa chegou a causar estranheza em criadores e entidades. Contudo, a abertura de mercado com Santa Catarina sinaliza já um resultado positivo.

Groff explica que a análise de risco para aftosa começou em 2015, mas só foi publicada em 2017. Em linhas gerais, o estudo calculou uma área de risco e a partir daí se estabeleceu o que poderia ser feito para mitigar a ocorrência da doença.

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"A vigilância não está dando uma imunidade, está dando uma segurança para o todo. Ou seja, estou fazendo uma vigilância para ver se eu detecto o quanto antes, caso ocorra, e consiga conter a disseminação."

Hoje, o RS possui 13 programas sanitários, que abrangem doenças endêmicas, como raiva herbívora e brucelose, por exemplo.


Fiscalização Programa Sentinela - Agronegócio de setembro Foto: Fernando Dias/Seapi

Impacto na pecuária

A retirada da vacina da aftosa trouxe receios no âmbito da pecuária, sobretudo por conta da circulação em áreas de fronteira. "A gente sabe que uma fiscalização para uma retirada de vacina demanda muita gente e muita gente comprometida, então, inclusive, nós ficamos receosos por bastante tempo, devido à nossa genética consolidada ao longo de muitos anos, uma entidade centenária que trabalha no melhoramento genético", analisa a superintendente de registros da Associação Nacional de Criadores Herd-Book Collares (ANC), Sílvia Freitas.

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No entanto, passados dois anos desde a certificação, Sílvia diz perceber que o trabalho dos fiscais segue ativo, sobretudo nas áreas de fronteira. "Estão sendo bem fiscalizadas com drones e tecnologia, até a parceria com universidades estrangeiras nos ajuda muito nisso", afirma Sílvia, citando um programa de uma universidade da Carolina do Norte (EUA) que oferece um modelo matemático que simula virtualmente o espalhamento da febre aftosa. "A gente tem acesso a esse sistema, o que nos deixa de certa forma mais tranquilos."

Contudo, Sílvia considera que uma análise mais robusta sobre retirada da vacina só será possível daqui a algumas décadas. "São apenas dois anos, é cedo para creditar se deu certo."

Criador em Uruguaiana das raças Angus, Brangus e Ultrablack, Ignacio Tellechea mantém-se receoso quanto ao controle sanitário sem vacina. Ao considerar a extensão da fronteira do Estado, Tellechea entende que isso representa uma vulnerabilidade para o ingresso da doença e teme eventuais consequências que uma contaminação possa oferecer.

Contudo, o criador, que trabalha com genética, aponta que a certificação de zona livre de aftosa abriu mercado para Santa Catarina. A comercialização com o Estado vizinho também é apontada por Sílvia como um dos fatores positivos que impactaram no mercado da pecuária.

Biossegurança garante exportação na suinocultura

Na suinocultura, além do RS, outros 14 estados controlam a peste suína clássica sem vacinação. O Estado foi um dos primeiros a obter a certificação internacional, em 2015. Manter os planteis livres da enfermidade representa a permanência no mercado internacional. Conforme explica o gerente comercial da Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (Acsurs), o médico veterinário Luciano Bianco do Amaral, as granjas de suínos reprodutores são testadas a cada seis meses para quatro doenças: Aujeszky, peste suína clássica, brucelose e tuberculose. "A suinocultura é uma atividade que tem grande controle sanitário", afirma. "O Brasil é um dos países que possui nível sanitário entre os melhores do mundo. Então, essas ações de biossegurança servem para manter uma carne de qualidade e livre das doenças que trancam exportação", afirma.

 

Ilha é local de quarentena para animais

A Estação Quarentenária de Cananeia (EQC) fica em uma ilha, no município de Cananeia (SP), para onde são enviados os animais que chegam ao Brasil por meio de importação. Criada em 1971, a EQC é mantida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Suínos e aves ornamentais que desembarcam no País têm parada obrigatória em Cananeia antes do destino final. Nos suínos, por exemplo, se fazem exames zootécnicos - para conferir as características da raça do animal - e exames sanitários. Este último testa para doenças como peste suína africana e outras enfermidades. Durante a quarentena, os animais são analisados por auditores fiscais federais agropecuários com formação em medicina veterinária.

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Controle da gripe aviária no RS

O Rio Grande do Sul está sob o decreto de emergência sanitária para a gripe aviária, doença que não tem uma certificação de zona livre. O esforço da Defesa Sanitária Animal é para proteger as criações comerciais. O governo do Estado analisa todas as suspeitas de gripe aviária, que podem ser informadas na Inspetoria de Defesa Agropecuária mais próxima ou através do WhatsApp (51) 98445-2033. A partir do recebimento da notificação, os fiscais agropecuários têm 12 horas para atender a demanda. São tomadas as medidas necessárias, como envio de amostra para laboratório, para confirmar ou descartar a suspeita.

Guaritas faz vigilância na divisa com Santa Catarina

Enquanto o Sentinela fortalece a fiscalização na região de fronteira do Estado, o Guaritas estabelece vigilância na divisa com Santa Catarina. São seis postos fixos de divisa, localizados em Iraí, Nonoai, Marcelino Ramos, Barracão, Vacaria e Torres, cobrindo toda a faixa de divisa com o estado vizinho.

São equipes móveis que aliam a fiscalização agropecuária com as ações das polícias, com o objetivo de manter o controle sanitário da produção agropecuária no Rio Grande do Sul. Transporte irregular de animais e de produtos de origem animal são alvos das fiscalizações do programa Guaritas. Além disso, há ações sobre produtos de origem vegetal como sementes, grãos e frutas. Até agrotóxicos estão na mira da vigilância.

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Programa Estadual de Sanidade Ovina também envolve fiscalizações

O Programa Estadual de Sanidade Ovina (Proeso) tem como objetivo controlar, erradicar e prevenir doenças que possam comprometer o rebanho ovino do Rio Grande do Sul. Realiza estudos e monitoramentos epidemiológico, fiscalizações de trânsito, controle sanitário em feiras e exposições.

Promove a educação sanitária de doenças que acometem a espécie e intervenção imediata em suspeitas ou ocorrências de enfermidades. O programa estabelece que médicos veterinários públicos e privados, bem como proprietários, são obrigados a informar imediatamente qualquer suspeita de doença em ovinos.

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