Responsáveis pelo equilíbrio saudável na alimentação, verduras e legumes são os mais aplacados pelas intempéries. Seja em períodos de seca, seja com chuva em excesso como ocorre agora no Rio Grande do Sul, a olericultura – que abrange desde a alface até a batatinha – comporta uma das maiores perdas da agricultura.
No levantamento mais recente da Emater/Ascar-RS, através do Informativo Conjuntural, divulgado no último dia 16, apontava que dos 497 municípios gaúchos, 461 tiveram suas hortas diretamente afetadas pelas chuvas e cheias dos rios. Houve perdas de folhosas e hortaliças em todas as regiões do Rio Grande Sul.
A olericultura representa 46 mil unidades produtoras no Estado. “Numa área de mais de 71 mil hectares se estima que a olericultura gere cerca de R$ 5,6 bilhões por ano para a economia do Estado”, calcula o diretor técnico da Emater, Claudinei Baldissera.
Dois prejuízos se somaram neste contexto. Além da perda nas lavouras, a obstrução de estradas interferiu no escoamento daquela porção da produção que conseguiu se salvar da catástrofe climática no Estado. Isso explica a dificuldade de acesso a esses alimentos ao longo deste mês.
A tendência, pelo menos no âmbito das hortaliças, é de que se normalize em breve. São culturas de ciclo curto e em muitos locais as lavouras já começaram a ser replantadas. No entanto, há prejuízos maiores cenário agrícola que ainda não foram totalmente contabilizados.
Equipes da Emater seguem trabalhando no levantamento das perdas e no auxílio direto aos produtores, no sentido de obtenção de recursos para equacionar dívidas dos produtores rurais e recuperar aquilo que for possível.
Técnicos ainda trabalham nos levantamentos de perdas
O cenário em cidades do Vale do Sinos, por exemplo, é semelhante ao de grande parte do Estado, onde as áreas plantadas ficaram inundadas.
“Nesse primeiro momento estamos fazendo levantamento ajudando nas questões de laudo para os produtores que tenham algum tipo de financiamento em banco”, pontua a médica veterinária responsável pela Diretoria de Fomento ao Desenvolvimento Rural, de Novo Hamburgo, Cristine Becker.
O órgão municipal, que é ligado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (Sedec), atua em parceria com a Emater na assistência aos produtores rurais de Novo Hamburgo.
Cristine confirma que as perdas maiores foram a olericultura, embora também alguns produtores tenham perdidos animais e em outras culturas, como a soja. No bairro Lomba Grande, onde se concentra a atividade rural, o trabalho também tem sido de desobstrução de estradas.
Apesar das perdas na lavoura, o município segue mantendo a Feira do Produtor Rural, mesmo tendo certa redução na oferta de alguns alimentos.
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Campo Bom acumula perdas nas lavouras de milho, mandioca, frutas, verduras e hortaliças da agricultura familiar. Também foram atingidas a agroindústria e estufas de produção de mudas, além de açudes e reservatórios de água para os animais.
No município teve ainda o agravante de que produtores rurais que vivem na Barrinha, Porto Blos, Vila Rica e Santa Maria do Butiá perderam as casas na inundação do Rio dos Sinos. As agroindústrias de Campo Bom terão de paralisar as atividades por 30 dias. O município calcula que os prejuízos cheguem a R$ 5 milhões.
Estima-se que 80% do plantio se perdeu
Em 40 anos de atividade na agricultura, Alfredo Strack nunca tinha visto a água subir tanto ao redor da propriedade em Lomba Grande. O produtor rural vinha se preparando para a transição entre o verão e o outono, mal tinha desarmado o sombrite da horta, quando a chuva levou quase tudo embora.
Strack calcula que 80% da plantação tenha se perdido. Ele e os filhos cultivam predominantemente hortaliças, que são vendidas na Feira do Produtor de Novo Hamburgo.
As plantas que resistiram estão muito abaixo da qualidade que se esperava para o estágio de desenvolvimento. É preciso muito critério para escolher o que levar para a feira.
Plantações inteiras de hortaliças não resistiram ao excesso de água no solo
Strack diz que o solo ficou tão encharcado que não era possível sequer andar entre os canteiros. Foi obrigado a esperar. O ritmo de trabalho mudou na propriedade. Como as hortaliças são de ciclo curto de desenvolvimento – em menos de 30 dias é possível ter um pé de alface pronto para colheita, por exemplo – a remessa de mudas costuma ocorrer a cada 14 dias.
A chuva estagnou tudo. Pés de couve-flor sucumbiram, restando apenas o talo fincado no chão. “Simplesmente desapareceu. A planta encharca com a chuva, vem o sol, ela murcha e se decompõe. Fica só o talo. É impressionante como estragou”, narra o agricultor.
Em um dos canteiros, havia 400 pés de couve-flor prontos para colher. Desapareceram depois da chuva. O pouco das folhas que restaram não se aproveita.
Folhosas se recuperam mais rápido
As verduras, como alface, rúcula e tempero verde, entre outras, são mais sensíveis às intempéries. Foram as mais danificadas, mas por outro lado têm a vantagem do desenvolvimento rápido.
Entre plantio e colheita, o ciclo dura entre 28 e 35 dias. Por isso, a expectativa é que o abastecimento se normalize em breve. Depende, todavia, das condições do tempo e das estradas para que produção chegue até o consumidor.
Já as olerícolas da categoria das brássicas, como repolho, couve-flor e brócolis, por exemplo, têm um ciclo diferente. Também foram registradas muitas perdas, segundo a Emater. As plantas que não se terminaram com a chuvarada acabam ficando com qualidade inferior, com folhas estragadas e crescimento deficitário.
Alguns alimentos terão qualidade afetada pela chuva em excesso
Tubérculos, como batata e mandioca, também não escapam do prejuízo. De acordo com o Luís Bohn, da Emater, esses cultivos vão apresentar “sintomas” do encharcamento do solo mais adiante. “Isso vai depreciar o produto e provavelmente teremos um ano de menor oferta”, explica.
Em levantamento divulgado pela Ceasa, com base em dados da Emater, há apontamentos do aumento de preço de produtos em maio. As enchentes no Rio Grande do Sul são apontadas como fator para a inflação, justificadas pela dificuldade de transporte e pela perda nas lavouras.
Municípios do Vele do Caí tiveram impacto e vários setores
Região produtora de citricultura e também com destaque na avicultura e criação de suínos, o Vale do Caí registrou perdas em diversos segmentos do setor primário.
Além das perdas gerais nas plantações e nas consequências para os pomares, houve prejuízos pontuais na avicultura. Conforme o relatório do escritório municipal da Emater de Bom Princípio, para se ter como exemplo, apenas em uma propriedade produtoras de frangos de corte, morreram aproximadamente 150 mil aves.
Além disso, a cheia alagou equipamentos e motores. Em outro local, a enxurrada invadiu um aviário de pintinhos encharcando a cama do aviário. No município também foi registrado desmoronamento de pocilga, matando 90 suínos.
Já lavoura, a principal produção afetada em Bom Princípio foi o milho. Essa cultura, segundo o relatório da Emater, vinha sofrendo dificuldades para se estabelecer por conta do clima chuvoso nos últimos meses, desde a enchente de novembro de 2023.
A chuva em excesso e a correnteza das cheias também prejudicaram os cultivos de limão, laranja e bergamota. Plantas e flores foram danificadas, além do lixo e lama arrastado pelos pomares.
Somente em Bom Princípio, estima-se que os causados pelas chuvas intensas tenham atingido mais de 200 propriedades rurais. Isto inclui prejuízos agrícolas de cerca de R$ 4.613.104,00 e na pecuária de cerca de R$ 4.382.500,00.
Emater é ponto de apoio para quem precisa de ajuda
Os escritórios municipais da Emater funcionam como pontos de apoio para agricultores, quilombolas, indígenas, pecuaristas e assentados da reforma agrária.
Em Sapiranga, o abrigo no CTG Pedro Serrano foi transformado em um centro de triagem para abastecer desabrigados dos Vales dos Sinos e Paranhana, de cidades como Novo Hamburgo, Canoas, São Leopoldo, Igrejinha, Três Coroas, Araricá e Parobé.
Nos primeiros 11 dias, foram distribuídos 14.376 kits de alimentação e de higiene pessoal, 12.142 fardos de água, 779 colchões, 1.455 cobertores, 3.427 pacotes de fraldas, 3.310 marmitas. De acordo com a extensionista Maristela Ebert, os próprios agricultores doaram itens para as cestas básicas.
Manutenção das feiras de produtor
A Emater também está articulando, em conjunto com os agricultores e as prefeituras, o fortalecimento das feiras locais para acolher as demandas e as necessidades das famílias da região do Vale dos Sinos.
Em Sapiranga, por exemplo, a feira ocorre nas quartas e nos sábados pela manhã, e quinta-feira à tarde, no centro (Avenida João Corrêa, 1650).
Em Novo Hamburgo, a Feira do Produtor, que completou 35 anos no último dia 12, também segue em atividade. Foi registrada falta de produtos e até ausência de expositores, mas a tendência é de normalidade ao longo das semanas.