A cadeia da apicultura e meliponicultura começa a se reestruturar no Rio Grande do Sul, seis meses depois das enchentes. Estima-se que a perda tenha atingido 45 mil colmeias no Estado. Em função das chuvas e alagamentos, a perda inicial girava em torno de 18 mil a 20 mil colmeias. Mas não parou por aí.
A quantidade de abelhas no Rio Grande do Sul seguiu em queda mesmo depois de cessar a chuva. De acordo com o presidente da Federação de Apicultura e Meliponicultura do Rio Grande do Sul (Fargs), David Emenegildo Vicenço, mais abelhas morreram ao longo dos meses. “Morreram de fome”, assinala.
Falta de assistência por parte dos apicultores e, principalmente, pela falta de néctar, uma vez que as plantações também foram afetadas pelo excesso de chuva, explicam a morte das abelhas. O vento frio não tem ajudado na produção de néctar nas plantas. Vicenço acrescenta que o declínio no plantel de abelhas já vinha desde setembro de 2023, quando o Estado já havia sofrido com uma enchente.
A retomada das colmeias no Rio Grande do Sul está em curso. As primeiras ações começaram logo após a enchente, por exemplo, com levantamentos sobre o impacto das chuvas na apicultura e meliponicultura, realizados por entidades como Embrapa Meio Ambiente, Ministério Público do RS, Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A.) e Observatório Abelhas.
Governo do Estado, por meio da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), com do apoio da Fargs, além de empresários, estão atuando para recuperar as colmeias. Na segunda semana de novembro, foram entregues 270 caixas para colmeias a apicultores da região do Vale do Taquari. As caixas foram enviadas por um grupo de produtores rurais do Paraná e entregues pela Fargs.
Primeiras doações doações de caixas de abelhas no Vale do Taquari
O secretário Clair Kuhn, titular da Seapi, esteve no Centro Estadual de Diagnóstico e Pesquisa em Apicultura (Ceapis), em Taquari, para acompanhar a entrega das primeiras caixas. Também foram entregues caixas no Escritório Regional da Emater em Lajeado, onde 182 caixas de abelhas foram destinadas a mais apicultores da região.
De acordo com a Seapi, as primeiras caixas a serem distribuídas inicialmente vão beneficiar 69 apicultores gaúchos de nove municípios. As demais caixas estão em processo de seleção dos beneficiários.
Ainda são esperadas outras 300 caixas de abelhas que estão sendo preparadas no Paraná para que sejam destinadas ao Rio Grande do Sul, possibilitando o auxílio a um número maior de produtores. Para viabilizar a doação, a Seapi colocou caminhões à disposição e está fazendo a logística de transporte de um Estado ao outro. Já a Emater/RS-Ascar é parceira da Fargs para a identificação dos produtores rurais a serem beneficiados e ajuda na distribuição das caixas.
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“Não é só uma caixa que está chegando, é uma oportunidade. Aqui está o exemplo da mobilização conjunta para chegarmos nos produtores que mais precisam, com o envolvimento dos produtores do Paraná, da Fargs, da Secretaria da Agricultura, da Emater e dos municípios”, ressaltou Kuhn sobre as entregas aos apicultores.
O apicultor Renato Etgeton, de Lajeado, contou que tinha 65 caixas com colmeias de abelha, mas perdeu tudo com a enchente.”Eu consegui recuperar uma parte, hoje estou com 25 caixas de abelhas e hoje vou receber mais quatro que são muito importante para voltar a produção”, enfatiza o apicultor.
O assistente técnico estadual da Emater, João Alfredo de Oliveira Sampaio, reforçou que essa é uma ajuda simbólica a aqueles produtores que perderam, sejam as caixas ou os enxames.Ele também mencionou que a Emater está fazendo um levantando junto aos produtores para saber quem precisa de abelhas princesas para a continuidade dos enxames, para que possa ser viabilizada a doação de alguma forma.
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Volume de produção de mel sofreu queda
Dados o IBGE, conforme levantamento em 2023, mostram que o Rio Grande do Sul produzia mais de 9,1 toneladas de mel por ano. Desde a enchente de setembro de 2023, a produção de mel já havia sofrido uma queda de 40%, estima a Fargs. Os números podem não ser tão precisos, pois há também aqueles produtores que não são registrados (apicultores amadores), portanto ficam de fora dos levantamentos oficiais. Em média, uma colmeia produz 15 quilos de mel por ano. Hoje as entidades lutam não só com as mudanças climáticas, mas também com o efeito dos pesticidas nas lavouras, que acabam dizimando as abelhas.
Embrapa faz levantamentos e propõe medidas a longo prazo
A Embrapa Meio Ambiente, por meio do projeto “Observatório de Abelhas do Brasil, com Foco no RS”, elaborou um relatório que quantifica os prejuízos e que aponta propostas para a recuperação do setor.
De acordo com o pesquisador da Embrapa Cristiano Menezes, o relatório é voltado para tomadores de decisão e traz os resultados do levantamento realizado pelas equipes do Observatório de Abelhas após as enchentes.
O projeto é uma iniciativa da Embrapa Meio Ambiente com o Ministério Público, a Associação Brasileira de Estudos das Abelhas e 14 empresas de insumos agrícolas. Menezes acredita que, para a recuperação a curto prazo, são necessárias ações como a reposição do plantel, o fornecimento de novas caixas e a suplementação alimentar.
Em médio e longo prazos, a criação de linhas de crédito específicas, um seguro rural apícola e um fundo emergencial para apicultores, além de programas de capacitação técnica e fortalecimento das cooperativas.
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Impacto do clima no futuro da apicultura
No documento elaborado pela Embrapa e divulgado em setembro deste ano sobre a situação das abelhas no Rio Grande do Sul também é ressaltado o impacto das mudanças climáticas na apicultura.
Segundo a Embrapa, estudos dão conta de que modelos climáticos indicam que, até 2050, cerca de 90% dos municípios brasileiros sofrerão com a perda de polinizadores, comprometendo seriamente a polinização de diversas culturas agrícolas.
As abelhas, especialmente a espécie Apis mellifera, desempenham um papel fundamental na polinização de culturas agrícolas em todo o mundo. Estima-se que, em 2021, existiam cerca de 90 milhões de colmeias dessa espécie no planeta, tornando-a o principal polinizador manejado na agricultura.
No Brasil, o Rio Grande do Sul é o maior produtor de mel, com uma produção de 9.014 toneladas em 2022, segundo dados do IBGE.
Princesas e cúpulas para acelerar a recuperação da produção de mel
Entre as estratégias para recuperar a população de abelhas está a formação de novas princesas e de cúpulas (que dão origens a princesas). Vicenço explica que a abelha princesa se torna rainha depois de ser fecundada. Assim se forma uma nova colmeia.
A criação de novas colmeias precisa respeitar o microclima local, ou seja, as abelhas precisam se adaptar ao habitat para não haver risco de desequilíbrio. Vicenço também explica que a melhor opção é apostar na formação de colmeias a partir de princesas e cúpulas nas próprias regiões onde já havia criação e evitar trazer espécies de fora.
“Vamos produzir com as nossas abelhas daqui. Porque também é uma questão de sanidade”, explica, ao dizer que há projeto de produção de cúpulas e princesas no Parque Apícola em Taquari, no Vale do Taquari.
Nesse engajamento para recuperação das abelhas, estão incluídos meliponídeos, as abelhas-sem-ferrão. Para recolocar o Estado no patamar dos grandes produtores de mel, a Fargs trabalha em conjunto com outras entidades, como universidades, cita Vicenço, na elaboração de projetos que vislumbram a recuperação a médio e longo prazo.
No médio prazo, em três anos, aponta o presidente da Fargs, é recuperar as perdas das enchentes quanto à população de abelhas e produção de mel. Dentro de cinco anos, o projeto é mais audacioso: “o Rio Grande do Sul vai ser referência mundial. É o nosso objetivo”, afirma Vicenço.
Centro apícola no Vale do Taquari
Fundado em 1929, o Parque Apícola do Vale do Taquari, também conhecido como Centro de Pesquisa na área da apicultura, se dedica ao cultivo agrícola e à produção de abelhas, aliado ao desenvolvimento de pesquisas.
A unidade foi concedida pelo governo do Estado à Fargs, por meio de edital por dez anos. “Queremos que a apicultura volte a ser vanguarda no Estado do Rio Grande do Sul. Queremos ter o maior Centro de Pesquisa da América Latina aqui em Taquari, assim como já foi na época de Emílio Schenk”, ressaltou Vicenço. O espaço visa o crescimento socioeconômico do setor, geração de conhecimento e promoção dos padrões de produtividade e qualidade dos produtos apícolas do Estado.