KOMENDADOR

Dinheiro sem procedência teria sido "despejado na economia de Gramado"; saiba mais sobre operação que investiga restaurantes

Empresário teria usado restaurantes da cidade para realizar lavagem de dinheiro oriundo do crime organizado. Detalhes foram revelados por delegados em coletiva de imprensa

Publicado em: 22/03/2024 16:41
Última atualização: 22/03/2024 16:42

Uma ação policial investigou a rápida ascensão de um ex-divulgador de estabelecimentos comerciais que se tornou um empresário, proprietário de diversos restaurantes em Gramado. A Operação Komendador teve a primeira fase deflagrada e pode ter desdobramentos conforme o andamento da análise dos documentos apreendidos no cumprimento dos 11 mandados de busca nesta sexta-feira (22). 

Coletiva de imprensa foi realizada na 2ª Delegacia de Polícia Regional do Interior Foto: Fernanda Fauth/GES-Especial

"É a primeira etapa operacional no âmbito da investigação de lavagem de dinheiro, que envolve um núcleo de organização criminosa em Gramado, e um casal com vínculos familiares com líder de organização. Há suspeita é de que esse casal atuava com esse líder de lavagem de capitais oriundos dos crimes antecedentes cometidos e bastante conhecidos e praticados por essa liderança", pontua o diretor da 2ª Delegacia de Polícia Regional do Interior, delegado Gustavo Barcellos.

A Polícia não revela nomes, mas a reportagem apurou que o proprietário dos estabelecimentos é Maiquel Carlos de Brito Pinheiro. Ele já foi preso por ser mandante de uma tentativa de homicídio em 2021. 

Ele é casado com Camila das Neves Pereira, filha de Jair de Oliveira, conhecido como "Jair Cabeludo". Cabeludo é um dos fundadores e líderes da organização criminosa Os Manos. Atualmente, ele está na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc).

De acordo com a Polícia, a lavagem de dinheiro seria operacionalizada por Camila e Maiquel. Ainda haveria o envolvimento de outros indivíduos que atuam como laranjas.

"O histórico dele iniciou como divulgador, depois tendo uma equipe de divulgadores. Durante a atividade de divulgação, ele foi preso. Após a prisão que se iniciou essa constituição de patrimônio, aquisição de restaurantes e movimentações atípicas. Ali que se abriu esse leque", informa Barcellos.

Início da investigação e "boom" patrimonial

Conforme Barcellos, o genro da liderança criminosa voltou a ser alvo de investigação no ano passado. "Teve um episódio em que ele tomou celular de um agente de trânsito, quebrou o aparelho, ameaçou de agressão e morte o servidor público municipal, que registrou ocorrência. Nessa ocasião, ele estava com um veículo de luxo, avaliado em R$ 700 mil. Ali deu o start, que acendeu a luz vermelha, e começamos essa investigação", relembra.

O delegado regional ainda aponta sobre a linha do tempo dos fatos. "Depois que ele deixou a prisão, começaram a surgir as informações de aquisição de restaurantes e de coações praticadas, constrangimentos, intimidações e até mesmo em relação à agentes municipais que trabalham no trânsito e fiscalização de posturas", diz. 

Os sinais de riqueza através de um levantamento patrimonial, que não são compatíveis com a vida que ele tinha antes de sair do presídio, também são levantados durante a abertura de inquérito.

Operação Komendador mira crime de lavagem de dinheiro em restaurantes Foto: Polícia Civil

"Ali teve uma virada de chave, ele ingressa no sistema prisional, que é comandado 100% por uma facção da qual seu sogro é líder, e a partir dali tem um 'boom' patrimonial meteórico. Esses sinais de riqueza não compatíveis é o que trazemos para dentro do inquérito, como veículos de luxo, mais de um avaliado em R$ 500 mil, por exemplo. E a compra desses pontos, de restaurantes, que somam mais de R$ 1 milhão [cada]", afirma Cassiano Cabral, diretor da Divisão de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), que participou das ações nesta sexta-feira.

Apreensões

As apreensões estão sendo contabilizadas. Com a participação de 43 policiais civis e dez viaturas, 11 mandados de busca e apreensão cumpridos, sendo nove na cidade e dois no litoral norte. Os estabelecimentos envolvidos na investigação são Casa Galo, em Gramado e em Xangri-lá, Komendador – que dá nome à operação –, Condado e Rasen Braza. A cervejaria da Rasen, vale ressaltar, não é investigada. Ainda, há o Contemporâneo, que está sob suspeita.

Restaurantes de Gramado são investigados por lavagem de dinheiro Foto: Fernanda Fauth/GES-Especial

"Foi apreendida farta documentação, que será posteriormente analisada, um veículo de luxo, valores em espécie que estão sendo contabilizados e outros tantos itens pertinentes à nossa investigação. No litoral, ainda há dois jets skis", revela Barcellos.

Também foram autorizados apreensão de documentos e bens na casa do suspeito, em um condomínio de classe alta e em duas holdings que eram usadas para fachada no município da Serra gaúcha, além de uma casa em condomínio de luxo de Capão da Canoa.

O intuito da operação foi obter provas documentais acerca dos fatos. "Com isso, possibilitando que a gente consiga trazer uma robustez ainda maior e ampliar o nosso leque de investigações a respeito dessa célula criminosa", informa o delegado regional.

"Principal objetivo de qualquer operação de lavagem de dinheiro é descapitalizar as organizações criminosas, as células criminosas. Porque toda atividade ilícita praticada por esses criminosos tem valor que é muito difícil estimar e contabilizar, e eles precisam que esse dinheiro vá para dentro do mercado. E as ações visam isso, que esse dinheiro sujo circule", comunica Barcellos.

Agora, as equipes policiais se voltam à fase de análise de documentos. "Onde também vamos poder provavelmente ampliar a investigação e identificar outros criminosos envolvidos, seja trabalhando como receptores, circuladores de capital, laranjas ou como sócios nas atividades", reitera o delegado Cabral.

Não houve intercorrências no cumprimento das ordens judiciais. Conforme os delegados, o indivíduo colaborou durante as buscas.

A lavagem de dinheiro e o revés financeiro

De acordo com os delegados, a lavagem ocorreria através da aquisição de bens, como os pontos comerciais e veículos de luxo. "Toda essa estrutura é milionária. Daí já inicia [o questionamento], de onde vem esse dinheiro? Nossas investigações apontam que vem do crime organizado. Então, primeiro é a aquisição, e depois a operacionalização desses estabelecimentos. E depois, a compra de veículos de luxo", comenta Barcellos.

Filipe Bringhenti, delegado da Delegacia de Repressão aos Crimes de Lavagem de Dinheiro, argumenta que a lavagem de dinheiro, em síntese, é uma movimentação que quem faturou o valor ilícito produz para evitar que o Estado recupere.

"Lavar o dinheiro nada mais é do que proteger aquele dinheiro que faturou com outro crime, que esse, sim, dá dinheiro. Então, o que a investigação pôde identificar, que dinheiro sem procedência, sem lastro, passou a ser despejado na economia de Gramado, proporcionando tanto a aquisição de pontos comerciais, quanto pagamento do custo operacional, que é o valor do aluguel, do funcionário, do insumo do restaurante, tudo com dinheiro de proveniência ilícita. Isso que agora em diante o investigado vai ter a oportunidade de tentar explicar a origem dos recursos", justifica.

A participação do sogro, líder da organização Os Manos, será também um dos focos da investigação. "A suspeita é a relação com essa célula criminosa, que não é dedicada exclusivamente a uma infração penal, temos diferentes delitos, como histórico de tráfico de drogas, mas não me refiro objetivamente ao alvo da operação de hoje, mas principalmente o sogro dele envolvido com crimes patrimoniais graves, vários delitos que proporcionaram muito dinheiro ao longo do tempo", complementa o delegado Bringhenti.

"Percebemos que em pouco tempo um criminoso conseguiu tomar uma boa parcela do ramo gastronômico da cidade. Com essas ações [policiais], cortamos o mal pela raiz. É um prejuízo que esse trabalho produz numa célula de facção muito abastada, que há longa data pratica incontáveis crimes economicamente motivados, e aqui em Gramado resolveu lavar parte desse dinheiro", completa o diretor de Combate à Corrupção.

"Não ousem lavar dinheiro na nossa região, nós vamos atrás"

O delegado Barcellos afirma que a ação é um recado ao crime organizado, para que não utilize a Região das Hortênsias como local para firmar atividades ilícitas. "Não ousem lavar dinheiro na nossa região, nós vamos atrás", frisa. 

"Não lance seus tentáculos na nossa atividade econômica. Nossos empresários que atuam especificamente no ramo gastronômico, que é o caso dessa investigação, trabalham com dedicação, com zelo, para ofertar serviços e experiências de excelência para as pessoas que vem para Gramado e região, e não podemos deixar que os criminosos lancem luz para essa atividade, inclusive criando uma concorrência desleal com aqueles que labutam, se dedicam e passam anos e anos para constituir patrimônio", finaliza o delegado regional.

Restaurantes ficarão abertos?

Não houve deferimento cautelar de bloqueio para os restaurantes, assim, poderão permanecer abertos. "O restaurante, apesar de ser comandado por um criminoso, na sua estrutura tem funcionários, pessoas trabalhando de uma maneira honesta. Então, para que a gente não impeça que continue exercendo suas funções e levando sustento para as famílias, agora é continuar as investigações e controlar essa atividade financeira", pontua Cabral.

A reportagem tenta contato com os proprietários dos estabelecimentos. O espaço permanece aberto para manifestação.

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CategoriasGramadoPolícia
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